Opinião Pública

Racismo no ambiente universitário (parte 1)

Redação DM

Publicado em 27 de dezembro de 2022 às 16:15 | Atualizado há 3 anos

Na 1ª edição de Racismo à Brasileira: Raízes Históricas, em 1985, escrevi capítulo com título epigrafado, mostrando racismo também chamado “acadêmico”, infelizmente ainda presente em nossas universidades, queiram ou não, de certo modo, ainda presas ao etnocentrismo ou caducas origens eugênicas europeias. Reconheço os avanços, dignos de nota. De todo modo, segue texto de 37 anos antes. 

No ambiente universitário a existência do racismo, em todas as suas modalidades, não é menos gritante. A amostragem do IBGE, por exemplo, pelo censo demográfico de 1950, apresenta um quadro realmente deprimente: mais de 96 por cento dos diplomados pelo ensino superior eram brancos, 2,26 por cento mulatos e somente 0,28 por cento negros, o que revela, de forma inequívoca, num país de grande maioria negra, que a tendencia de nossas instituições, universitárias, como de um modo geral de todos os setores educacionais, é cada vez mais elitista e socialmente seletiva.

Pelos dados do censo demográfico de 1980, onde os negros, somados os mulatos em suas variedades epidérmicas, constituem 48 por cento da população brasileira, já se sabe que só por exceção eles chegam à proporção de cinco por cento dentre os estudantes universitários. Em duas das maiores universidades paulistas, a USP e a PUC-SP, que juntas, tem uma população estudantil de quase 50 mil alunos, o numero de negros matriculados nos cursos de graduação não atinge quinhentos, conforme levantamento feito por militantes do movimento negro universitário. Quanto aos funcionários da universidade, embora não se disponha da proporção de negros, é fácil constatar que, na maioria eles ocupam funções de servente, faxineiro, garçom, motorista, ou, no máximo, escriturário, nos escalões médio e superior, inclusive entre o corpo docente, negros e mulatos não são encontrados.

Essas evidencias serviram de base para o surgimento de um movimento negro universitário, cuja principal corrente é o Grupo Negro da PUC, entidade pioneira, criada desde 1979. Mas ocorre que os negros, mesmo em atmosfera universitária, prosseguem sofrendo todos os tipos de coações, então, mesmo os participantes desse movimento universitário, muitas vezes não assumem o combate a discriminação racial. A sua consciência político-cultural não foi ainda devidamente avivada para isso, é que, como em todos os círculos sociais brasileiros, o negro está condicionado e direcionado, secularmente alienado e mesmo achatado, a aderir e adaptar-se servilmente as imposições da cultura branca. Os poucos que entram na universidade sofrem, de pronto, o impacto do velho processo de aculturação, chegando a dizer Guerreiro Ramos que ela é insidiosa que ainda os espíritos mais generosos são por ela atingidos e assim domesticados pela brancura, quando imaginam o contrário.

É certo que também no ambiente universitário os negros sempre sofrem o choque de aprendizagem viciada, comprometida, portanto, com as imposições de uma ideologia cultural dominante, mais europeia e norte americana que brasileira. Isto quer dizer que nos meios universitários o racismo igualmente cediço, subjacente, didático-pedagógico, tornando-se, às vezes, imprevisível e surpreendente quando ilustres mestres elaboram textos, proferem palestras, organizam painéis ou promovem debates, dizendo que vivemos “os negros dias da história”. Ou então surpreendem, como no exemplo abaixo transcrito, quando um mestre universitário, conduzindo no subconsciente o velho desejo de arianizar o brasil, ainda acha que o negro é um ótimo cidadão a ser mandado para a guerra. Um tolerante soldado a ser bucha de canhão. Provocando um sério constrangimento de seus alunos, um professor da Faculdade de Medicada da Universidade Federal de Goiás (a notícia, na página, O Giro, do jornal “O Popular’, de Goiânia, de 05/01/1980, não declina o nome), abruptamente observou: “Os Estados Unidos estão muito moles diante da crise do Irã. Eles deviam chutar todos aqueles pretos americanos em cima de Khomeini e acabar com essa história”.

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