Lei de Responsabilidade Fiscal completa 25 anos sob pressão de dinâmicas eleitorais
DM Redação
Publicado em 4 de maio de 2025 às 14:40 | Atualizado há 1 dia
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), marco das finanças públicas brasileiras, completa 25 anos em meio a questionamentos sobre sua eficácia diante da crescente influência de fatores políticos e eleitorais sobre o orçamento público.
Estudo recente indica que parte das regras da LRF perdeu força ao longo do tempo, reduzindo sua capacidade de induzir o planejamento adequado de políticas públicas e de evitar a concentração de gastos no último ano dos mandatos. Um dos principais vetores dessa mudança é o aumento de transferências por meio de emendas parlamentares, que têm impulsionado despesas voltadas à máquina pública, em detrimento de áreas como saúde e saneamento.
A avaliação consta da tese de doutorado da pesquisadora Débora Costa Ferreira, apresentada em 2024 na Universidade de Brasília (UnB). A análise teve como foco o impacto da possibilidade de reeleição sobre o comportamento fiscal de prefeitos municipais.
Ferreira examinou dados de todos os municípios brasileiros entre 2005 e 2020, com ênfase nos casos em que os prefeitos eleitos venceram por margem apertada. O critério visou isolar variáveis externas, como experiência prévia do gestor, permitindo que o resultado das eleições fosse considerado aleatório, o que assegura maior comparabilidade entre os casos analisados.
Com base nesse recorte, a amostra abrange de 65% a 77% dos municípios, dependendo do ano analisado, o que confere robustez estatística às conclusões.
Entre 2005 e 2012, prefeitos em primeiro mandato apresentaram um gasto adicional de R$ 368 per capita nos três primeiros anos de gestão, em comparação com gestores reeleitos. No último ano do mandato, a diferença não foi estatisticamente significativa. Os valores foram ajustados a preços de 2021.
Segundo Ferreira, os resultados desse período demonstram a efetividade das regras da LRF e da legislação eleitoral, que restringem gastos nos meses finais do mandato, como aumentos salariais e início de novas obras.
“(O prefeito) Vai distribuindo melhor as despesas em vez de gastar tudo do ano eleitoral”, observa a pesquisadora, que define esse comportamento como uma “atuação estratégica”.
A tendência, contudo, mudou entre 2013 e 2020, período marcado pela ampliação das emendas parlamentares. No novo cenário, prefeitos de primeiro mandato não apresentaram diferença significativa de gasto nos três primeiros anos. Já no ano eleitoral, o gasto per capita foi R$ 236 superior ao de prefeitos em segundo mandato.
“A força das regras da LRF e da lei eleitoral diminuiu para caramba no decorrer do tempo. (O gestor) Não está sendo cobrado, então nem precisa mais usar a estratégia de antecipar despesas. Agora estão gastando tudo no ano eleitoral”, alerta Ferreira.
Além do volume, o perfil das despesas também se alterou. Entre 2005 e 2012, os gestores novatos aplicavam mais recursos em saúde (R$ 84 per capita) e educação (R$ 92 per capita) nos três primeiros anos. Já no período de 2013 a 2020, a saúde perdeu espaço. A educação manteve crescimento, mas concentrado no ano eleitoral. Houve, ainda, aumento nos gastos com funções administrativas (R$ 71 per capita) e legislativas (R$ 25 per capita), estas últimas relacionadas à folha de pagamento.
“É uma estratégia cada vez mais usada, eu (candidato) vou empregar e usar máquina para bombar minha eleição no próprio ano eleitoral, o que subverte vários princípios da LRF”, afirma Ferreira.
A concentração também se verificou nas transferências. De 2005 a 2012, os prefeitos buscavam repasses entre o primeiro e o terceiro ano. Já entre 2013 e 2020, a injeção de recursos se concentrou no ano eleitoral.
“Antes o pessoal antecipava o gasto mas, de uma certa forma, estava distribuindo ao longo do tempo. Tem uma continuidade da política pública. Agora, você passa três anos sem pagar as coisas direito e, na hora da eleição, solta o dinheiro, (vem) enxurrada de emenda parlamentar, paga todas as dívidas. Parece que está tudo bem, mas não está”, analisa Ferreira.
Ela alerta que essa dinâmica cria um “espaço fiscal fictício”:
“As emendas parlamentares te deixam gastar, pagar as dívidas e fazer tudo o que quiser sem a responsabilidade de ter uma distribuição.”
Outro efeito observado, segundo a pesquisadora, é o impacto temporário sobre os indicadores fiscais. As transferências evitam a deterioração das contas num primeiro momento, mantêm boas notas de capacidade de pagamento (Capag) e permitem que os entes fiquem dentro dos limites legais de endividamento e despesa com pessoal, medidos em relação à receita corrente líquida. No entanto, ela destaca que esses efeitos são insustentáveis a longo prazo e podem ser inflacionados por alinhamentos político-partidários conjunturais.
Diante desse cenário, Ferreira defende a revisão das regras de fim de mandato da LRF, especialmente as que estabelecem prazos fixos, como a proibição de reajustes nos 180 dias anteriores às eleições. Também sugere mudanças na fórmula de cálculo dos limites, que atualmente se baseia em receitas infladas por transferências.
Apesar das fragilidades identificadas, a LRF continua sendo considerada uma norma fundamental para a gestão pública. A economista Selene Nunes, uma das responsáveis por sua elaboração, afirma que a lei, sancionada em 2000, inaugurou uma nova era no controle fiscal brasileiro.
“Você internalizou a necessidade de monitorar uma série de variáveis que antes não eram monitoradas, por exemplo, os limites de pessoal por poder e órgão. Internalizou a necessidade de adotar e cumprir metas fiscais”, destaca.
Ela observa que, antes da LRF, o Orçamento se baseava apenas em previsões de receitas e despesas, sem metas claras ou mecanismos de controle.
“Hoje, quando descumpre alguma coisa, a imprensa toda vem em cima, os especialistas falam, a academia se posiciona.”
Segundo Nunes, a implementação da LRF exigiu longo processo de aprendizado e padronização de regras contábeis para que União, estados e municípios tivessem um retrato fidedigno de suas contas. Ela destaca a manutenção do texto original por 16 anos, mesmo após mudanças de governo, com apenas uma alteração significativa em 2009, que instituiu os portais de transparência.
No entanto, Nunes também reconhece um enfraquecimento da lei, especialmente a partir do uso de manobras contábeis na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo em 2016 por violações à LRF.
“Quando a Dilma começa a chutar o balde, os estados e municípios falam ‘se a União está fazendo isso, por que vou ser prudente? Deixa eu ir também’.”
Ela aponta como principal desafio atual as mudanças na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo, marcadas pelo crescimento das emendas e do gasto federal.
“As instituições não estão colaborando muito com a estabilidade fiscal e a sustentabilidade das contas públicas no Brasil”, conclui.