Cultura

‘Porto das Antas’ emerge como registro essencial de resistência ecológica

DM Redação

Publicado em 9 de maio de 2025 às 12:31 | Atualizado há 13 horas

Área da reserva ambiental tem 171 hectares e foi adquirida por sócios em 2000 - Foto: Gustavo Burns/ Divulgação
Área da reserva ambiental tem 171 hectares e foi adquirida por sócios em 2000 - Foto: Gustavo Burns/ Divulgação

Filme estreia amanhã, a partir das 14h, no Cine Cultura, e mostra reserva ambiental 171 hectares de Cerrado. Em 2000, área foi adquirida por um grupo de 14 sócios que são amigos

Marcus Vinícius Beck

Reserva ecológica se divulga e até vira filme: é onde a natureza permanece imaculada. Como disse Guimarães Rosa, “guia a vida até tudo”. Nos mostra os altos claros das almas: rio anda para cá, num afã, caminha próspero, gruge. Cheiro de campos com flores fortes, cerratenses.

Surge na tela o bioma e suas paisagens tortuosas. Entra e sai. São os primeiros minutos do filme “Porto das Antas”, que estreia no Cine Cultura, amanhã, às 14h. Cerrado sendo o sol e os pássaros. Cerrado que se expande e se contorce. Cerrado que envelhece o vento. 

O filme é um média-metragem. Dirigido por Amanda Costa e Fausto Borges, o doc narra a jornada de amigos que fizeram de terra fadada à especulação fundiária uma reserva ecológica, o Porto das Antas, localizado em Serranópolis, a 376 km de Goiânia. 

“Foi uma experiência bastante desafiadora”, diz Amanda, sobre ter dirigido “Porto das Antas”. Para a documentarista, um filme ambiental demanda que a equipe se adapte ao ritmo imposto pela própria natureza, que tem, segundo a diretora, “seu tempo, condições específicas e mudanças que influenciam diretamente nas dinâmicas de gravações”.

Iniciativa é permeada por esforço coletivo de seus membros – Foto: Amanda Costa/ Divulgação

A área da reserva ambiental tem 171 hectares de Cerrado. Em 2000, foi adquirida por um grupo de 14 sócios que são amigos de longa data. O processo exigiu esforço coletivo dos integrantes, seja no sentido financeiro ou até mesmo na perspectiva de reuniões, viagens, compra de veículos, construção de sede, negociação com a população local e corretores. 

Os desafios, contudo, logo surgiram. Queimadas fora de época tiveram que ser combatidas com o apoio do Ibama, Corpo de Bombeiros, moradores da zona rural de Serranópolis e alunos da UFG. Havia ainda a caça predatória de animais silvestres — lá é a morada de espécies ameaçadas, como tatu-canastra, onça-pintada, anta, sucuri e tamanduá-bandeira. 

Desde o início, o acesso à área se mostrou difícil: areião atolava qualquer carro popular. Por razões geológicas, o veículo precisava ser tracionado. Havia ainda a relação com fazendeiros que criavam gado. À base do diálogo, todavia, o convívio foi amistoso. É uma região de Cerrado nativo ladeada por lagoas cheias durante as chuvas. Um rio corta a reserva. 

Segundo o historiador Marquinho Carvalho, um dos fundadores do Porto das Antas, a burocracia não foi uma preocupação por mais de duas décadas. Mesmo assim, os ambientalistas criaram a Sociedade Ecológica Porto das Antas, que mantém a Reserva Ecológica Porto das Antas e está registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Historiador Marquinho Carvalho revive memórias campestres da infância – Foto: Amanda Costa/ Divulgação

Transformação

Marquinho conta ao Diário da Manhã que a efetiva transformação do Porto das Antas em área de proteção estava na ata de fundação, redigida em outubro de 2000. Ali, os sócios manifestavam o desejo de criar uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). 

Eles deram início ao processo para criação de RPPN em 2023, mas só foi concluído em dezembro do ano seguinte. À época, uma portaria publicada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) oficializou a unidade ambiental. Dentre as atribuições, os ecologistas assumem o compromisso de proteger a natureza na propriedade.

“Os próximos passos envolvem a execução do Plano de Manejo da RPPN, que faz parte do processo de criação da RPPN”, revela Marquinho. Nele, explica o historiador, será definido o perfil de atuação e os projetos que pretendem executar. “Nós já havíamos decidido desde a criação da Reserva Ecológica Porto das Antas que não abriríamos ao turismo convencional.” 

Ou seja, a intenção é, sobretudo, destinar a área para pesquisas acadêmicas e visitas de alunos, de modo a utilizar educação em seus níveis fundamental, médio e universitário para formar consciência ambiental. No último ano, por exemplo, dados da plataforma MapBiomas mostram que o Cerrado foi mais devastado do que a Amazônia em 2023.

Sonho de RPPN começou a se manifestar durante a infância de historiador – Foto: Amanda Costa/ Divulgação

Ao puxar o fio da memória, Marquinho lembra que a ideia de criar uma RPPN começou a se manifestar na infância. “Embora possa parecer exagero, a ideia surgiu quando eu estava prestes a completar seis anos e fui obrigado a deixar as terras herdadas por minha avó materna, Dona Leocádia, porque meu avô vendeu a fazenda a preço de banana”, diz.

Entre a infância e a vida adulta, o sonho restou vivo no historiador. Com o tempo, entretanto, adquiriu nele outra dimensão. Marquinho não tinha dinheiro suficiente, porém. Então foi atrás de amigos idealistas que conhecera em sua vida acadêmica — é graduado pela UFG. Seu critério era uma área que tivesse muita mata virgem e bastante água. 

A tarefa, claro, não foi fácil. “Até que fui conduzido pra área onde hoje se localiza o Porto das Antas. Foi um deslumbramento quando me deparei com aquele paraíso absolutamente preservado e com lagoas incríveis. Tinha apenas três mil reais no bolso e a terra custaria 70 mil reais. Fui à luta para reunir os parceiros para a realização do sonho”, afirma Marquinho.

Por ter a infância permeada pelas histórias do campo, Marquinho foi escolhido por Amanda Costa e Fausto Borges como personagem-guia do doc. “Desde sempre dedica esforços incansáveis para que aquela área permaneça de pé e viva”, relata Amanda. “Porto das Antas” emerge como documento de uma história marcada pelo compromisso ecológico. 


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