O prazer é todo seu

Em entrevista ao Diário da Manhã, Gabriela Duarte fala de sua nova peça: O Papel de Parede Amarelo e Eu

Redação Diário da Manhã

Publicado em 25 de maio de 2025 às 06:37 | Atualizado há 4 dias

Em cartaz no Teatro Estúdio em São Paulo, a peça marca um novo tempo na carreira da atriz Gabriela Duarte.

Gabriela Duarte é uma atriz que vive com intensidade. Inquieta e questionadora, ela está sempre atenta às suas verdades internas e ao seu momento de vida. Dona de uma simplicidade que impressiona. Uma pessoa cheia de carisma, doçura e empatia.

A atriz vive um novo momento em sua carreira e para marcar essa fase, estreiou  seu primeiro monólogo – O Papel de Parede Amarelo e Eu, que é baseado no conto de Charlotte Perkins Gilman, publicado em 1892, e foi um marco para o feminismo, trazendo à tona, pela primeira vez, temas como abuso psicológico contra mulheres, tão naturalizado no sistema patriarcal.

A obra revela uma personagem diagnosticada com depressão e histeria, mantida em isolamento em uma casa afastada da cidade, por seu marido que era médico. A personagem vive um conflito ao questionar o próprio diagnóstico e a necessidade do isolamento, mas ao mesmo tempo tem dificuldade para duvidar da palavra do marido, que sendo médico tem ainda mais autoridade sobre sua pessoa. Numa das cenas ela diz que o marido ri e debocha dela, mas que no casamento isso seria normal. Isso mostra o quanto as mulheres são levadas a acreditar em padrões de comportamento alimentados por um machismo estrutural e tão enraizado na sociedade que, mesmo sendo desconfortável, confunde a cabeça das mulheres.

Confinada em um quarto revestido por um papel amarelo, a personagem se ocupa em decifrar padrões e sua confusão e degradação mental se confunde com os diversos tons do papel, que apresenta partes estragadas e arrancadas, além de um cheiro desagradável.

A todo tempo suas percepções e seu desejo de sair dali são invalidados pelo marido, refletindo um tema tão atual como é o gasligthing, uma forma de violência psíquica usada contra as mulheres, fazendo com que muitas vezes elas pareçam e se sintam loucas.

Relações de poder dos homens sobre as mulheres se fazem evidentes o tempo todo no contexto vivido por essa mulher, que não tem voz. O marido se mostra como alguém sempre preocupado com ela e parece não dar motivos para que ela reclame da sua situação de completa falta de liberdade.

Mas o monólogo não se desenrola apenas através da fala de Gabriela Duarte. Seu corpo fala e a mão tantas vezes escondendo a região genital remota à ideia de domínio sobre nossos corpos, nosso prazer e nossa sexualidade. A cada expressão corporal e facial, Gabriela revela uma linguagem não verbal, muitas vezes necessária às pessoas que são silenciadas.

No século XIX, muitas mulheres foram diagnosticadas com Histeria, uma doença descrita por Freud e que dentro da psicanálise se caracteriza por um transtorno neurótico, em que conflitos psíquicos se manifestam através de sintomas físicos, como paralisias, dores ou alucinações e poderia estar relacionada com repressão sexual ou traumas na infância.

A personagem começa sua fala se perguntando: “Quem sou eu?”. E é incrível como na atualidade muitas mulheres, assim como ela, perderam sua identidade e vivem dentro de padrões ditados por uma sociedade machista, aprisionadas dentro de si mesmas. Uma sociedade onde as  próprias mulheres são machistas e reproduzem esses padrões ao criarem seus filhos perpetuando os papéis de gênero de forma a manter a desigualdade entre homens e mulheres.

A peça é dirigida por duas grandes mulheres e profissionais, Alessandra Maestrini e Denise Stoklos. O cenário é fantástico. E o figurino acompanha o movimento de transformação da personagem.

Poderia ser um monólogo enfadonho, mas não é. Ao contrário, é uma peça viva, onde o público é convidado a todo momento a caminhar com a personagem pelas suas reflexões e vivências, ora trágicas, ora cômicas.

Vida e movimento durante todo o tempo e um papel aos poucos arrancado.

Em entrevista ao Diário da Manhã, Gabriela Duarte nos contou como tem sido esse novo momento em sua carreira:

Gabriela, como foi a escolha desse conto?

Eu tive contato com esse texto há uns 3 anos atrás e ele ficou na minha cabeça, pela força e pela mensagem que ele deixa, principalmente para as mulheres e acho que pra todo mundo em função de ser um texto muito humano, independente de ser mulher ou homem, independente de gênero e abrange a saúde mental. Mas eu nem pensava em fazer um monólogo. Só fiquei com ele na cabeça muito forte até que eu encontrei a Alessandra Maestrini e a Denise, mostrei pra elas e elas amaram. Começamos a nos encontrar na casa da Denise e a conversar sobre o conto. E assim nasceu a peça, a partir desses encontros de três mulheres com vontade de falar de coisas muito parecidas e muito fortes. Apesar de ser um texto do século XIX, ele é um texto extremamente contemporâneo e a gente ainda se identifica com ele.

Como tem sido pra você representar essa personagem?

Pra mim tem sido um exercício incrível, de um teatro que eu não estava acostumada a fazer. Acho que o ator precisa ter essa coisa do instrumento muito afinado, então é o corpo, a voz. Eu nunca tinha trabalhado a coisa do físico como eu estou trabalhando nesse espetáculo. É muito bom poder falar através do corpo. O corpo da gente fala, o corpo de todos nós fala, basta a gente saber observar. O grande desafio, a grande diversão tem sido falar através do corpo nessa peça, e também através do humor, que aí já é uma visão da Alessandra. Ela é mais voltada para o humor e para o musical e a Denise é mais voltada para o físico. Então, eu acho que tem sido um casamento muito interessante.

O que você gostaria de dizer às mulheres que diariamente são vítimas do patriarcado?

Eu digo que as mulheres sempre tiveram que ficar atentas. Aliás, as mulheres sempre tiveram que brigar e batalhar muito pra conquistar direitos que a gente olha e acha que eles são tão básicos, mas que são direitos que as mulheres não tinham até pouco tempo atrás. Acredito que houveram muitos avanços, mas as mulheres vão precisar ficarem sempre alertas porque estamos em situação de vulnerabilidade social sempre. Fazemos parte de um grupo social mais vulnerável e isso precisa da nossa atenção e do nossa alerta, principalmente nesse momento onde o extremismo no mundo todo tem crescido bastante e as taxas de feminicídio não abaixam. É muito complicado isso. Tem Estados aí como Goiás que tem bastante casos, que eu tenho acompanhado. Enfim, a mulher precisa falar e se manifestar e não deixar passar em branco as questões da violência, dos assédios e não importa de que forma eles apareçam, pode ser moral, sexual, qualquer tipo de abuso. Ela precisa expor isso e se unir a outras mulheres para que isso seja levado em consideração e punido exemplarmente. É isso o que eu desejo.

A peça está em cartaz no Teatro Estúdio, em São Paulo até dia 01/06 e depois segue para outras cidades do Brasil. 

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias