PF vê movimentação financeira suspeita de assessores de ministros do STJ
DM Online
Publicado em 26 de maio de 2025 às 18:50 | Atualizado há 2 dias
Uma análise da Polícia Federal identificou “discrepâncias significativas” nas movimentações financeiras de auxiliares que trabalhavam com ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e são investigados sob suspeita de vendas de decisões judiciais e vazamentos de ações sigilosas.
A avaliação da PF, apresentada em documentos sigilosos obtidos pela Folha, aponta suspeitas em relação a três ex-assessores. Em todos os casos, os investigadores dizem ter identificado diferenças entre informações apresentadas à Receita e movimentações bancárias.
Um dos investigados é Daimler Alberto de Campos, que foi chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti. Outro é Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade, que chefiou o gabinete do ministro Og Fernandes. O terceiro é Márcio José Toledo Pinto, que estava lotado no gabinete da ministra Nancy Andrighi à época das investigações, mas também passou pelo gabinete de Gallotti.
Indagadas pela reportagem, a defesa de Daimler negou qualquer irregularidade nas finanças, a de Márcio Toledo disse que se manifestaria nos autos, e a de Rodrigo Falcão não se pronunciou.
Os inquéritos sobre as suspeitas de venda de decisões na corte são supervisionadas pelo ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), e apuram a conexão dos assessores com o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, suspeito de intermediar a negociação das decisões.
Os ministros não são investigados.
Daimler foi citado por Andreson em diálogos obtidos pela PF. Em conversas com terceiros, o lobista fala em cobranças de dinheiro do então chefe de gabinete. A investigação não apontou até o momento conversas diretas entre os dois.
Falcão é suspeito de ter vazado informações sobre outra operação de vendas de decisões, a Faroeste, sobre o Tribunal de Justiça da Bahia.
Toledo, por sua vez, é investigado por movimentações realizadas em processos “com alteração e exclusão de minutas internas em poucos minutos, inviabilizando a visualização por outras pessoas”, segundo consta em decisão de Zanin.
Procuradas, as ministras Isabel Gallotti e Nancy Andrighi disseram que não se manifestam “sobre fatos e comportamentos de terceiros investigados pelo Supremo Tribunal Federal”. Og Fernandes não se respondeu.
O documento da Polícia Federal sobre os investigados trata de dados de 2019 a 2023.
Em relação a Daimler e a Rodrigo, afirma que a discrepância entre as receitas informadas e os valores movimentados a crédito em suas contas “pode indicar a ocorrência de omissão de receitas ou a realização de transações não reportadas nas declarações fiscais”.
“O maior descompasso foi verificado no ano de 2023, quando a movimentação financeira atingiu o dobro da receita declarada no respectivo ano”, diz a PF sobre Daimler.
“Os dados apresentados permitem observar que, nos exercícios de 2020 e 2022, as receitas declaradas não foram suficientes para suportar as despesas realizadas, indicando uma possível incompatibilidade entre os rendimentos informados e os gastos efetuados.”
Em relação a Marcio Toledo, são apresentadas as mesmas considerações sobre discrepâncias e suspeitas sobre a mudança patrimonial em 2019 e gastos com cartão de crédito em 2023.
Uma das expressões usadas pela PF para apontar essas suspeitas é que há variações financeiras “a descoberto”, o que significa “indicar a ocorrência de omissão de receitas ou a realização de transações não reportadas nas declarações fiscais”.
Em documento posterior, com a análise dos dados extraídos de aparelhos celulares de investigados, a Polícia Federal afirma que há indícios de um “vínculo de profunda confiança” entre Rodrigo Falcão e o ministro Og Fernandes.
O delegado que conduz a investigação disse que o então chefe de gabinete tinha ampla atuação, “supostamente como um ajudante de ordens do ministro, prestando apoio direto e contínuo tanto nas rotinas profissionais quanto nas necessidades pessoais de seu superior, tais como: pagamento de boletos, organização das finanças, organização de documentos e planilhas, entre outros”.
“A profundidade da confiança estabelecida entre eles manifesta-se na medida em que Rodrigo supostamente detinha acesso a dados cadastrais, bancários, fiscais e financeiros do ministro e também da esposa deste”, diz a análise.
“Trata-se de uma prerrogativa que reforça o grau de intimidade e confiança entre ambos, refletindo uma relação que, em tese, transcende os limites da formalidade profissional.”
Documentos do STJ apontam que a função de chefe de gabinete de ministro tem uma competência ampla, e inclui até “desempenhar quaisquer outras atribuições que decorram do exercício do cargo, ou que lhes sejam comtidas pela ministra ou pelo ministro”.
OUTRO LADO
Em nota, a defesa de Daimler aponta que a PF diz no relatório de análise fiscal sobre seu cliente que a avaliação foi feita com base em declarações de Imposto de Renda e que “nelas não constavam registros de dívidas e ônus reais declarados, isto é, possíveis valores creditados na conta de Daimler Alberto de Campos em razão da constituição de dívida bancária”.
Os advogados encaminharam à reportagem fichas que apontam “a contratação de diversos empréstimos pessoais que, reafirma-se, segundo a própria Polícia Judiciária, não constam das declarações de Imposto de Renda que serviram de base para a análise e conclusão contida no relatório”, que poderiam justificar a receita adicional.
A defesa afirma que Daimler não conhece Andreson e que “jamais manteve contato, direto ou por interposta pessoa, seja por ligação, mensagens por aplicativo ou emails”.
“Como consequência óbvia, nunca tratou de nenhum processo, muito menos recebido dele qualquer valor, seja por transferência, depósito ou qualquer outro meio”, diz a nota, assinada por Daniela Rosa Alves Coelho e Haroldo Trindade Júnior.
O advogado de Márcio Toledo, Breno Gut, diz que só se manifestará nos autos, em momento oportuno. A defesa de Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade não se pronunciou.