Cultura

“Alegria é uma tecnologia ancestral”, diz cineasta premiada no Fica

Redação Diário da Manhã

Publicado em 15 de junho de 2025 às 18:29 | Atualizado há 16 horas

Victoria Álvares conta história de influenciadora digital durante a pandemia de covid-19 - Foto: André Saddi
Victoria Álvares conta história de influenciadora digital durante a pandemia de covid-19 - Foto: André Saddi

Vencedor de quatro troféus, documentário pernambucano “Tijolo por Tijolo” retrata luta por moradia e dignidade na periferia do Recife. Ao receber prêmio, cineasta afirma que “a gente precisa ter audácia”

Marcus Vinícius Beck

O filme “Tijolo por Tijolo” venceu ontem quatro prêmios no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica). Em destaque pelo Brasil, o longa recebeu na Cidade de Goiás os troféus Cora Coralina, Carmo Bernardes, José Petrillo e Jesco Von Puttkamer. 

Dirigido pelos cineastas pernambucanos Quentin Delaroche e Victória Álvares, passa-se no bairro de Ibura, na periferia do Recife (PE). No início da pandemia de covid-19, Cris Ventura se vê tendo de abandonar a casa onde vive com a família devido ao risco de desabamento. 

Cris está atrás de uma laqueadura pelo SUS. Grávida do quarto filho, a protagonista trabalha como influenciadora digital. A família, arrasada, tenta reconstruir a moradia perdida — essa jornada humana comum a tantas brasileiras é o arco narrativo do filme premiado no Fica. 

Diretora explica que nome de filme remete à vida de crise – Foto: Vinícius Schmidt

Segundo a cineasta, é importante celebrar as vitórias, mas também lembrar das trajetórias e lutas. “A gente precisa ter audácia. A nossa alegria é uma tecnologia ancestral sobre a vivência, então é com a nossa alegria, é levando a saudade, o encantamento, a esperança e essa crença de que é possível a gente mudar a nossa realidade para os cinemas”, declara.

“Esse nome [‘Tijolo por Tijolo] remete, obviamente, à vida de crise, de aumento da construção da casa, mas remete também a como a gente conseguiu construir esse filme”, declarou a Álvares, no Cine Teatro São Joaquim, lembrando que filmou “Tijolo por Tijolo” num contexto de pandemia e em um país que não tinha Ministério da Cultura (MinC). 

Na tela, o público acompanha a maternidade, a relação com crianças e a gestação. Antes da exibição no Janela Internacional do Recife, em novembro do último ano, os cineastas disseram à imprensa local terem passado muito tempo filmando, mas também sem filmar.

Era um propósito humano, claro. Por isso, conviveram entre si, brincaram com as crianças, carregaram tijolos, agendaram consultas médicas. Fizeram o necessário para estabelecer uma conexão respeitosa. Assim, pensaram os diretores, o documentário não soaria superficial.

“Tijolo por Tijolo” acompanha Cris Ventura tendo de abandonar a casa onde vive – Foto: Divulgação

Para Álvares, o filme provoca reflexões. “Por que apenas certas mulheres conseguem ter seus direitos sexuais e reprodutivos respeitados? Por que pessoas negras e em situação de vulnerabilidade social morrem mais em tragédias e crimes ambientais?”, questionou a diretora, por meio de comunicado à imprensa, durante a estreia mundial do filme.

Longe de ser raso, “Tijolo por Tijolo” trata de sonho. Em 103 minutos, acena a um futuro justo e sustentável. “Estar ao lado de tantas outras produções comprometidas com o meio ambiente e com a transformação social é motivo de imenso orgulho”, dizem os diretores. 

Goianos

Na Mostra do Cinema Goiano, o doc “Goiânia Rock City” se destacou ao vencer nas categorias Melhor Som e Trilha Sonora. A produção, dirigida por Theo Farah e Bruno Fiorezi, revisita o ecossistema musical que projetou a metrópole goiana pelo Brasil. 

Dinâmico e frenético — como um bom riff —, o filme aborda o surgimento de algumas bandas importantes entre os anos 1990 e 2000, como Hang The Superstars, Melhor que Nada (MQN) e Mechanics. De acordo com o diretor Théo Farah, falar de rock’n’roll “numa terra historicamente dominada pelo sertanejo é muito difícil e, até certo ponto, subversivo”. 

Doc “Goiânia Rock City” retrata período de ouro do rock goiano – Foto: Divulgação

Outro doc goiano, com foco na música, se notabilizou no Fica. “Jamming – O Ano em que Junior Marvin Morou em Goiânia” recebeu menção honrosa. Dirigido por Danilo Camilo, o filme volta ao fim dos anos 1990, quando o guitarrista Junior Marvin morou na capital.

Marvin tocara na banda The Wailers, de Bob Marley, cujos discos “Natty Dread” (1974), “Rastaman Vibration” (1976) e “Exodus” (1977) lançaram as bases para o reggae. Desde então, o estilo se popularizou — a ponto de inspirar o brasileiro Gilberto Gil nos anos 1980.

Com 26 minutos, a produção revela que Marvin queria, na verdade, passar pouco tempo em Goiânia. No entanto, o guitarrista permaneceu na cidade por mais de um ano, período no qual formou uma banda com músicos locais. Essa história é contada com habilidade. 

Entre entrevistas e imagens raras, o diretor faz o espectador visitar os bastidores da época, de modo a rememorar e, até certo ponto, analisar como a vivência do músico jamaicano impactou o cenário cultural de Goiânia. O doc também está na mostra In-Edit, em São Paulo.

Com o tema “Cerrado: a Savana Brasileira e o Equilíbrio do Clima”, o Fica trouxe neste ano as principais obras dirigidas por cineastas indígenas na Mostra dos Povos Originários, vencida pelo longa “Originárias”, de Fláviação de Oliveira e Rafael Terpin. Um acerto.

Cerimônia de premiação ocorreu ontem no Cine Teatro São Joaquim, na Cidade de Goiás – Foto:  Lucas Diener

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