Crianças sem nenhuma vacina se concentram em oito países, entre eles o Brasil
Redação Diário da Manhã
Publicado em 25 de junho de 2025 às 08:28 | Atualizado há 9 horas
Acácio Moraes – Folha Press
Há, desde 2015, um aumento do número de crianças que nunca receberam qualquer imunizante na vida. Estimativas apontam para um total de 18 milhões de crianças sem a chamada dose zero e, dessas, mais da metade está concentrada em apenas oito países. O Brasil é um dos que figura na lista, junto de Congo, Etiópia, Índia, Indonésia, Nigéria, Somália e Sudão.
Estima-se que em 1980 havia quase 60 milhões de crianças no mundo que nunca tinham recebido dose alguma de vacina. Em 2019, antes da pandemia de Covid, esse número tinha caído para 15 milhões (redução de 75%) e, desde então, pouco avançou. Os dados, divulgados em estudo publicado nesta terça-feira (24) na revista científica The Lancet, são estimados pela taxa de vacinação combinada contra difteria-tétano-coqueluche o imunizante, amplamente difundido no mundo, em geral é aplicado nos primeiros 2 meses de vida.
O trabalho também mostra que a vacinação infantil está estagnada desde 2010. O problema atinge tanto países de baixa quanto de alta renda. Em 21 dos 36 países mais desenvolvidos caíram as taxas de vacinação infantil contra difteria-tétano-coqueluche, sarampo, poliomielite e tuberculose. Para chegar a esses resultados, os pesquisadores utilizaram dados do Estudo sobre a Carga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco, um esforço internacional feito em 2023 que fornece informações sobre o uso de 11 imunizantes diferentes em 204 países. Também usaram técnicas de modelagem para considerar os vieses do material e a interrupção dos sistemas de saúde durante a pandemia.
A estagnação acontece em contraposição à tendência de crescimento do período anterior. Desde 1980 a cobertura vacinal dobrou, reduzindo drasticamente o número de casos das doenças citadas. Nesse ritmo, os autores do estudo alertam que não serão atingidas as metas globais de imunização estabelecidas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2019 espera-se que, até 2030, seja reduzido pela metade o número de casos de crianças sem nenhuma vacina. A organização também almeja garantir proteção universal contra coqueluche, difteria, tétano, meningite e sarampo.
Se o problema começa em 2010, ele se agrava com a pandemia da Covid-19. A crise sanitária global demandou um grande número de profissionais e recursos, deixando outras áreas da saúde desatendidas. O estudo ressalta, entretanto, que os efeitos ainda estão sendo sentidos, visto que a vacinação ainda não recuperou os patamares de 2019.
Embora tenha um plano de vacinação robusto e reconhecido internacionalmente, a partir de 2015 o Brasil apresentou uma queda contínua na cobertura vacinal infantil. Foi o que apontou o Anuário VacinaBR 2025, documento elaborado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC) com apoio da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e parceria do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Casos de sarampo, caxumba, rubéola, poliomielite, meningite, infecção por HPV e tuberculose poderiam ser evitados com a imunização das crianças, mas as metas de cobertura vacinal contra essas doenças não foram atingidas no ano de 2023. Segundo os resultados do estudo, 8 em cada 10 brasileiros vivem em cidades com vacinação insuficiente. Os dados também mostram um aumento na taxa de abandono dos tratamentos em alguns estados do país, mais da metade das crianças não voltam para a segunda dose.
Carolina Lins, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que a população brasileira, historicamente, tem grande aceitação das vacinas. Ela atribui essa mudança de comportamento a fenômenos como a desinformação e a disseminação de fake news e o aprofundamento das desigualdades.
A pesquisadora ressalta também o desafio que o Brasil enfrenta para distribuir, anualmente, todas as doses de imunizantes pelo país, dadas suas as dimensões. Como os centros de produção e distribuição são distantes, há diferenças de acesso nas grandes cidades e em regiões mais remotas. O racismo estrutural também é um obstáculo para a universalização da cobertura vacinal em crianças. Pesquisa nacional que coletou dados de 2017 e 2018 avaliou a imunização de bebês e crianças nos primeiros 24 meses de vida e concluiu que mães negras e pardas enfrentam mais dificuldades para cumprir o calendário vacinal.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram informações de mais de 37 mil crianças brasileiras. Na média geral, 7 a cada 100 mulheres tiveram alguma dificuldade de levar os filhos para a vacinação, mas esse número quase dobra quando os cientistas avaliam a realidade das mães negras.
São diversos os problemas relatados pelas participantes. A distância do posto de saúde e a falta de tempo ou de transporte são os principais, mas mulheres negras também relataram não receber permissão dos chefes para levar os filhos para vacinar, bem como falta do cartão de vacinação.
Joyce Carvalho Martins, neurologista pediátrica, reforça a importância da vacinação e afirma que os imunizantes disponíveis hoje no país são amplamente estudados e seguros. “É importante lembrar que não existe nenhuma associação significativa entre as vacinas e os casos de autismo”, acrescenta, sobre polêmica recente. “Vacinar é salvar vidas.”