Governo proíbe uso do Bolsa Família em apostas esportivas e impõe novas regras ao setor
Redação Diário da Manhã
Publicado em 4 de julho de 2025 às 14:57 | Atualizado há 11 horasDesde 2024, o governo federal vem adotando uma série de medidas para impedir o uso do benefício do Bolsa Família em apostas esportivas online, após constatar que milhões de beneficiários estariam apostando parte do auxílio em plataformas legalizadas e clandestinas. A preocupação social e política levou à criação de normas, bloqueios e fiscalizações, num esforço para proteger famílias vulneráveis e controlar o avanço do setor de apostas no país.
Licenciamento e regras das apostas no Brasil
Com a entrada em vigor da Lei 14.790/2023, o mercado de apostas esportivas foi oficialmente regulamentado no Brasil. Desde janeiro de 2025, apenas casas com licença do Ministério da Fazenda podem operar legalmente, em domínios terminados em .bet.br. Essas empresas devem cumprir exigências como pagamento de outorga, verificação da identidade do usuário e uso exclusivo de contas bancárias em nome do apostador. Além disso, transações com cartões de crédito foram proibidas, e as plataformas devem pagar prêmios em até 15 minutos.
Pela legislação, apenas pessoas com mais de 18 anos podem apostar, e eventos esportivos exclusivamente infantis estão fora do escopo permitido. Apostadores devem usar recursos próprios, identificáveis e transferidos por meios eletrônicos legais.
O Bolsa Família e seus beneficiários
O Bolsa Família é o principal programa de transferência de renda do país, voltado a famílias em situação de pobreza. Em 2024, cerca de 20 milhões de famílias recebiam o benefício, com valor médio de R$ 682 mensais. O programa é voltado especialmente a mães chefes de família, e o pagamento é feito por meio de cartão da Caixa Econômica ou crédito em conta.
O problema: uso do benefício em apostas
Levantamentos do Banco Central mostraram que, em agosto de 2024, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões em um único mês para plataformas de apostas – a maior parte por meio do Pix. O dado mais preocupante: aproximadamente 70% desses valores partiram de chefes de família.
O uso direto do Cartão Bolsa Família nas apostas foi mais restrito, representando apenas 3,4% dos casos, segundo o governo. Ainda assim, o volume geral chamou atenção de autoridades, que passaram a investigar se haveria fraude, lavagem de dinheiro ou uso indevido de CPFs cadastrados no programa.
Cronologia das medidas adotadas
As ações para coibir esse uso começaram em setembro de 2024, com a apresentação do PL 3703/2024, que propunha proibir beneficiários de programas sociais de apostar. Em outubro, o governo federal anunciou o bloqueio do Cartão Bolsa Família para transações com casas de apostas e iniciou discussões com bancos e operadoras de pagamento.
Em novembro, o STF ordenou que o governo implementasse medidas para evitar o uso do Bolsa Família em apostas. Em dezembro, o TCU reforçou a ordem e exigiu ação imediata. Já em janeiro de 2025, o governo proibiu o uso de cartões pós-pagos para apostas e criou um sistema de monitoramento por CPF (SIGAP), que permite rastrear todas as apostas feitas por brasileiros, inclusive de beneficiários.
Em junho de 2025, uma decisão da Justiça Federal obrigou dez grandes plataformas de apostas a exibirem avisos informando que é proibido usar recursos do Bolsa Família e do BPC para jogar. A liminar também previa multa de R$ 500 mil por descumprimento.
Medidas efetivas e desafios
As medidas mais eficazes foram a proibição do uso do cartão Bolsa Família, o bloqueio de cartões de crédito, a criação do sistema de rastreamento por CPF e a obrigação de avisos educativos nas plataformas. Por outro lado, propostas mais radicais, como cortar o benefício de quem apostasse, não foram implementadas. O governo alegou que ainda estuda formas de diferenciar recursos do Bolsa de outras rendas pessoais.
Impacto nas casas de apostas e no setor
As plataformas tiveram que se adequar às novas regras, reforçando seus sistemas de verificação de identidade, bloqueando meios de pagamento indevidos e cooperando com o governo no compartilhamento de dados. Embora a maior parte dos apostadores não seja beneficiária do programa social, o setor se viu pressionado a reforçar práticas de jogo responsável.
O mercado legalizado movimenta cerca de R$ 30 bilhões por mês em apostas, com 93% dos valores retornando em prêmios. As medidas não causaram queda visível no faturamento, mas reduziram o acesso de beneficiários ao sistema, especialmente aqueles que usavam diretamente o cartão do Bolsa.
Questões sociais e debates
Enquanto o governo argumenta que as restrições protegem o “mínimo existencial” das famílias, especialistas alertam para o risco de estigmatização e excesso de controle sobre a vida privada dos mais pobres. Também há receio de que a proibição incentive o uso de sites clandestinos, onde não há controle, nem proteção.
De um lado, as medidas buscam impedir o desvio de recursos públicos. De outro, acendem um debate sobre autonomia, vigilância financeira e dignidade. O governo segue estudando novas regras e monitorando os impactos sociais, econômicos e regulatórios do avanço das apostas no Brasil.