Cultura

Paulo Leminski fascina novos leitores

Redação Diário da Manhã

Publicado em 5 de julho de 2025 às 19:03 | Atualizado há 15 horas

Autor experimentou as principais formas de expressão do seu tempo - Foto: Dico Kremer/ Divulgação
Autor experimentou as principais formas de expressão do seu tempo - Foto: Dico Kremer/ Divulgação

Em alta, poeta curitibano Paulo Leminski volta no próximo mês às livrarias goianas com livro ‘Gozo Fabuloso’. Ele será homenageado neste ano durante a tradicional Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)

Marcus Vinícius Beck

Como no velho poema, Paulo Leminski se dava conta de que tudo o irritava quando ouvia Rita Lee. Amava o pop, curtia Beatles e Stones, fecundava estilo voraz e beatnik. 

Era um bandido, o Leminski. Um bandido que sabia latim, grego e francês, dominava as línguas inglesa, russa e japonesa, dava aula de Literatura e Redação em cursinho pré-vestibular, foi professor de judô e, nos anos 80, jornalista na “Folha de S. Paulo”. 

Segundo a pesquisadora Ana Érica Reis, em dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal de Goiás (UFG), o ensaísmo do poeta lhe conferia um exercício cuja função era pensar sua literatura. Mas não só: Leminski ainda analisava a conjuntura política. 

“Além da poesia, a produção de Leminski se revela em outra faceta, a do ensaio crítico, que desenvolveu em paralelo à escrita poética”, diz Érica Reis, destacando que, além do gênero reflexivo, Leminski traduziu, biografou, criou poesia e fez epístolas aos amigos.

No terreno da não-ficção, reconstruiu personagens históricos. “A vida se manifesta, de repente, sob a forma de Trótski, ou de Bashô, ou de Cruz e Souza, ou de Jesus”, filosofou, em depoimento encontrado pela poeta Alice Ruiz entre os escritos esparsos do ex-marido.

Leminski será homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) – Foto: Macaxeira/Divulgação

Homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, Leminski foi poeta-síntese dos anos 70. Experimentou as principais formas de expressão do seu tempo — da poesia visual à letra de música, do haicai à alta literatura, do rock aos sons afro-baianos.

Para a filósofa Ana Lima Cecilio, curadora literária da Flip neste ano, o paranaense virou embaixador da relação entre poesia e música no Brasil. Nos anos 80, criou canções em parceria com Moraes Moreira e Itamar Assumpção. Foi um poeta cerebral, sintético.

A escrita leminskiana, por isso, atrai leitores. É o que faz a gangorra editorial girar, justificando lançamentos e estudos acadêmicos. No início da última década, por exemplo, a Companhia das Letras reuniu toda a produção poética do curitibano em “Toda Poesia”.

Apareceu por semanas entre os mais vendidos. Houve também a exposição “Múltiplo Leminski”, que registra desde 2013 pelo menos 700 mil visitantes em 19 montagens durante 12 anos. A mostra passou pelo Oscar Niemeyer, em Goiânia, no ano em que estreara.

Alice Ruiz, ex-esposa do poeta, està frente de livro que irá sair pela Todavia – Foto: Divulgação

Morto no dia 8 de junho de 1989, aos 44 anos, Leminski volta às livrarias goianas. Ruiz está à frente de “Gozo Fabuloso”, em pré-venda pelo site da editora Todavia. Nessa obra, prevista para ser lançada no dia 8 do próximo mês, o paranaense se revela ficcionista habilidoso. 

Tal e qual toda a obra leminskiana, trata-se de livro erudito e pop, cômico e lírico, poliédrico e sintético. Uma fotografia verbal desenhada por um parnasiano chic, um guerrilheiro da linguagem, um samurai malandro que desfere golpes verbais como quem está no tatame.

Segundo o poeta, “Gozo Fabuloso” seria “delírio combinatório de extrair do restrito infinito dos entrechos possíveis história sem par, delícia só comparável à de cantar canção bonita”.

Concretistas

Ao ligar-se aos concretistas nos anos 60, Paulo Leminski fertilizou um contato amoroso com Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos. “Rolou conversa com Caetano Veloso, que o visitava sempre que ia a Curitiba”, afirmou o crítico Régis Bonvicino, em 89, na “Folha”.

Ora, questionava-se o poeta, “será preciso explicar o sorriso de Mona Lisa para que você acredite em mim quando digo que o tempo passa?” É, meu velho, a única certeza é que aceleraremos na estrada dos anos e das décadas. Chegaremos, assim, a algum lugar. 

Ou, ao menos, desejamos — essa é a verdade. Os primeiros textos de Leminski saíram na revista concretista “Invenção”, nos contraculturais e hipongos anos 60. Em 76, editou “Catatau”, no qual tecia uma prosa experimental sobre o personagem Cartésio. 

Há que se falar, naturalmente, das abundantes referências culturais — do filósofo René Descartes, racionalista, a James Joyce, revolucionário. Aventa, inclusive, a plausível chance de Descartes ter dado um rolê pelo Brasil colonial sob o domínio de Maurício de Nassau.

Isso faz tempo — século 17. Mas o romance-ideia manda àquele lugar a narrativa convencional, é certo. Leminski ombreia-se à criação máxima de Guimarães Rosa, revirando-a ao avesso da lógica. Ao lê-la, Glauber Rocha foi à terra em transe.

‘Catatau’: Capa de romance experimental que transformou literatura – Foto: Iluminuras/ Divulgação

Glauber Rocha escrevia ao poeta para elogiá-lo, que passou, então, a publicar seus livros em pequenas tiragens. “Quarenta Clics em Curitiba” (76), por exemplo, é dessa fase. Em termos nacionais, explodiu quando a Brasiliense publicou “Caprichos e Relaxos”, nos anos 80. 

“A vida de Leminski é sintética, o ritmo do poema é sintético: aquela é curta para mais de um sonho, este é curto para mais de uma frase”, analisa o crítico Rafael Fava Belúzio. 

Na dissertação “Quatro Clics em Paulo Leminski”, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fava Belúzio perfila Leminski. “Nascido no final da Segunda Guerra, viver com a intensidade da arte o levou à morte no ano da queda do Muro de Berlim.” 

Sim, Paulo Leminski deixou muito escrito. Compreendia que a arte deveria ser democrática e, claro, provocativa — como as harmonias dos Beatles e os riffs dos Stones. Sobre Leminski, o ensaísta José Miguel Wisnik declarou que o poeta loco paca destacou-se em sua geração. 

“O silêncio da poesia fala muito mais alto. Principalmente no caso de Paulo Leminski. A obra dele é múltipla, muito viva. Ele disfarçou grande poesia em poemas aparentemente pequenos”, teorizou Wisnik à “Folha de S. Paulo” quando Leminski morreu, em 1989. 


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