Bolsonaro mira TSE para justificar reuniões golpistas e se distancia até de sua defesa
Redação Diário da Manhã
Publicado em 14 de julho de 2025 às 08:16 | Atualizado há 7 horas
Renata Galf – Folha Press
Quem assistiu ao depoimento de Jair Bolsonaro (PL) ao STF (Supremo Tribunal Federal) no processo da trama golpista ouviu o ex-presidente afirmar que teria discutido alternativas após a derrota eleitoral com comandantes militares, como estado de sítio e de defesa, depois de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aplicar uma multa milionária ao seu partido -que tinha pedido para invalidar os votos de parte das urnas.
Segundo ele, só ocorreu a conversa sobre “essas outras hipóteses constitucionais tendo em vista o TSE ter fechado as portas para a gente com aquela multa”. Ao buscar rebater as acusações no Supremo, entre as quais de tentativa de golpe e abolição do Estado democrático de Direito, o ex-presidente também tem afirmado que a corte teria sido disfuncional e parcial na condução da eleição de 2022.
Na defesa técnica do ex-presidente apresentada até aqui, por outro lado, essas argumentações ainda não apareceram -falta apresentar apenas as alegações finais. Além de argumentar que há uma série de nulidades processuais, seus advogados sustentam que não há provas que conectem Bolsonaro ao 8 de Janeiro, que ele não assinou nenhum decreto prevendo medidas como estado de sítio e que as condutas descritas na denúncia contra o ex-presidente não chegam a configurar crime.
Não menciona, por sua vez, a multa aplicada ao PL tampouco a atuação do TSE. Classifica as falas de Bolsonaro sobre as urnas como opinião, mas evita fazer maiores considerações a respeito. A Folha perguntou à defesa de Bolsonaro se gostaria de comentar tais diferenças de discurso, mas não houve resposta.
Apesar de a atuação do TSE não estar em julgamento, ela tem sido constantemente trazida à tona por Bolsonaro -que segue explorando inclusive sua bandeira de questionamento à confiança das urnas. Renato Stanziola Vieira, que é advogado e doutor em direito processual penal pela USP, afirma que não se sustenta o argumento de Bolsonaro de que, por causa da multa, ele poderia procurar as Forças Armadas.
“Ele não escolheu seguir pelo mundo jurídico. Ele claramente fez um divórcio dos caminhos processuais cabíveis e previstos e decidiu partir dali para o rompimento das instituições”, diz. Por isso, Vieira entende que esse é um ponto que não seria muito estratégico para a defesa técnica explorar.
No fim de novembro de 2022, após semanas de atos clamando por intervenção militar pelo país, o PL entrou com uma ação pedindo a invalidação dos votos de parte das urnas alegando mau funcionamento. Apesar de o problema alegado ter ocorrido em ambos os turnos, a sigla mirava apenas o segundo turno da eleição presidencial.
O ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE e agora relator da ação em que Bolsonaro é réu, exigiu que o partido incluísse o primeiro turno. O PL respondeu que isso parecia ser uma “medida açodada”.
Moraes multou o partido por litigância de má-fé, acusando-o de tentar tumultuar a democracia. O recurso da sigla para revogar a multa de quase R$ 23 milhões foi negado pelo plenário do TSE em dezembro.
Bolsonaro também vem alegando em discursos que a eleição de 2022 teria sido disfuncional e que sua campanha teria sido prejudicada. “Eu fui tolhido. O maior prejuízo que eu tive, no meu entender, foi não poder usar imagens do 7 de Setembro”, disse ele no interrogatório no STF, apontando ainda a proibição de realizar lives no Palácio do Alvorada ou de usar discurso na Embaixada em Londres durante viagem para o enterro da rainha Elizabeth 2ª.
Essas decisões foram concedidas em caráter provisório pelo tribunal após candidatos rivais ingressarem com ações contra Bolsonaro, sob alegação de abuso de poder. “O TSE não proibiu o uso das imagens por proibir. O fundamento da proibição é o uso de bens e serviços públicos em prol da campanha do Bolsonaro”, explica Carla Nicolini, advogada especialista em direito eleitoral e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
No caso das ações sobre o 7 de Setembro de 2022, Bolsonaro chegou a ser declarado inelegível –condenação que se juntou à do processo pela reunião com embaixadores. O ex-presidente também tem contestado em seus discursos decisões que limitaram sua propaganda eleitoral, assim como ordens atingindo páginas de direita de modo geral.
Bolsonaro não cita, entretanto, que também o campo adversário teve restrições, ainda que em menor volume. Até mesmo temas em que ele obteve decisões favoráveis, como os conteúdos que o associavam à pedofilia, acabam sendo citados.
Entre os casos sobre os quais Bolsonaro reclamou, nos últimos meses, há situações de evidente desinformação ou manipulação -como a ordem que restringiu vídeo que misturava diferentes momentos de uma entrevista de Lula para dar a entender que ele tinha dito que pessoas roubam celulares para depois irem tomar uma cerveja.
Parte dos vereditos no tribunal envolvendo desinformação, por outro lado, tiveram placares apertados –privilegiando por vezes uma atuação que chegou a ser descrita como profilática em vez de mínima intervenção no discurso.
“A quantidade de multas e sanções depende da quantidade de ações que são movidas e da quantidade de ilícitos que é praticada”, diz Luiz Gustavo de Andrade, advogado eleitoral e membro da Abradep. “E não é que o Lula foi absolvido em tudo e o Bolsonaro condenado em tudo. Não, isso não aconteceu.”
Carla Nicolini aponta como fora do padrão o veto, até que ocorresse a eleição, à veiculação de documentário sobre a facada de Bolsonaro pela produtora Brasil Paralelo.
Ao atuar para coibir o problema da desinformação em diferentes frentes e em meio à inação dos órgãos de controle, o TSE acumulou medidas controversas, parte delas também explorada por Bolsonaro.
A corte editou, por exemplo, entre o primeiro e o segundo turno, uma resolução que ampliava seus próprios poderes para agir contra a desinformação. Além disso, a munição para críticas ao tribunal ganhou força por causa de mensagens daquele período entre assessores de Moraes no TSE e no STF, depois reveladas pela Folha, mostrando pedidos entre eles para realização de relatórios que mais tarde embasariam decisões do ministro.
Após o segundo turno, à medida que movimentos de cunho golpista se espalharam pelo país, o gabinete de Moraes emitiu uma série de ordens sigilosas para suspensão de perfis e derrubada de conteúdos organizando ou incentivando tais atos.
Da parte de Bolsonaro, mesmo réu por suas condutas ao longo do mandato, entre as quais os inúmeros discursos que fomentaram movimentos de contestação das urnas, ele segue reiterando esse tipo de questionamento. Em depoimento ao STF, por exemplo, ele afirmou que, “para o bem da democracia”, seria bom que algo fosse aperfeiçoado no sistema eleitoral para que não houvesse dúvidas.