Política

Câmara resiste a pressão bolsonarista por anistia em troca do fim do tarifaço

Redação Diário da Manhã

Publicado em 14 de julho de 2025 às 10:39 | Atualizado há 7 horas

João Gabriel e Raphael Di Cunto – Folha Press

A família Bolsonaro e seus principais apoiadores têm centralizado o discurso sobre a tarifa de 50% contra o Brasil, anunciada por Donald Trump, na ideia de que a medida só poderá ser revertida com o avanço no Congresso de uma anistia “ampla, geral e irrestrita” que alcance o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mas, mesmo entre os parlamentares que defendem o projeto de anistia ao 8 de Janeiro, essa estratégia não tem respaldo. Líderes da Câmara dos Deputados consultados pela Folha preferem não misturar os dois assuntos alguns deles avaliam, na verdade, que são as tarifas que devem ter prioridade agora.

As conversas iniciais entre parlamentares aliados ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e deputados de esquerda seguem o entendimento de que o assunto já era complexo e de que não há chance de votá-lo antes do recesso, sob risco de parecer que o Congresso cedeu à ameaça estrangeira.

O deputado Rafael Brito (MDB-AL) ironiza que, se for para aprovar a anistia agora, é melhor pedir ao Trump que anexe o Brasil ao invés do Canadá. “[A carta de Trump] Nem aumenta, nem diminui [as chances da anistia] sepulta!”, avalia o emedebista.
O presidente Lula (PT) tem falado em ataque à soberania nacional e rebatido que o Brasil “não aceitará ser tutelado por ninguém”. Além disso, tem acusado a família Bolsonaro de atuar contra o país.

“A chance de aprovar anistia é zero, zero. Seria desmoralizante para o país, uma rendição à ingerência de um país estrangeiro. Essa é a fala de todo mundo do centrão com quem conversei”, diz o líder do PT na Câmara, o deputado Lindbergh Farias (RJ).
Um importante articulador do centrão afirmou, sob reserva, que as duas coisas devem caminhar separadas e concordou que, se as tarifas tiverem algum efeito sobre a anistia, será o de atrasá-la.

O assunto nem sequer chegou a ser debatido na reunião de líderes para definir a pauta da última semana de trabalho antes do recesso parlamentar. Bolsonaristas também admitem, nos bastidores, que o clima com o centrão para votar o projeto ficou ruim, com a percepção de que, para esse grupo, aprovar a medida seria abaixar a cabeça para a ameaça de um país estrangeiro.

Até então, Motta discutia nos bastidores com bolsonaristas a possibilidade de votar o projeto ainda antes do recesso. Ele negociava um texto que contemplasse exclusivamente condenados pelo 8 de Janeiro que não tiveram papel de organizadores dos ataques.

Essa possibilidade vem sendo descartada por Bolsonaro e sua família. Nos últimos dias, os filhos do ex-presidente foram a público defender que a solução contra as tarifas seria apenas a anistia a ele, que é réu em ação penal no STF (Supremo Tribunal Federal) que trata da tentativa de golpe após as eleições de 2022.

Deputado federal licenciado e atualmente vivendo nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que não há negociação sem uma “anistia ampla, geral e irrestrita”. Ele decidiu morar no país este ano, anunciando que atuaria para buscar sanções ao ministro Alexandre de Moraes do STF.

Em carta divulgada no dia do anúncio do tarifaço, assinada com o ex-apresentador Paulo Figueiredo, réu no caso da trama golpista, Eduardo afirmou que a medida de Trump “confirma o sucesso” do diálogo que mantém com autoridades do governo do republicano.

Já Trump, na carta enviada a Lula a respeito da sobretaxa, afirmou que a forma como o Brasil tem tratado Bolsonaro é uma “vergonha” e que o julgamento contra o ex-presidente é uma “caça às bruxas que precisa ser encerrada”. Irmão de Eduardo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) usou a mesma terminologia em suas declarações recentes. “O primeiro passo que a gente tem que discutir [para resolver a sobretaxa] é sim uma anistia ampla, geral e irrestrita”, afirmou.

Alinhado a esse discurso, Steve Bannon, ideólogo do trumpismo e da extrema direta nos Estados Unidos, disse ao UOL que a condição para o fim da taxação é o fim da investigação contra Bolsonaro: “Derrubem o caso, derrubamos as tarifas”. Bolsonarista e presidente da bancada ruralista, Pedro Lupion (PL-PR) poupou o ex-presidente na crise e também defendeu a anistia, mas ponderou à Folha que “precisa haver essa negociação” em torno das tarifas e que o Brasil precisa usar argumentos técnicos, como o impacto para a vida dos americanos.

“Não é uma questão de atendê-lo ou não atendê-lo [Trump]. Acho que precisa haver essa negociação. Não pode ser [um assunto] simplesmente ignorado”, disse ele na sexta (11). Líder do PL na Câmara, o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ) afirma que o governo Lula é quem deve resolver o problema da tarifa e cobra que o perdão aos condenados pelo 8 de janeiro seja votado logo.

“Eu não acho que o tarifaço nem atrapalha e nem ajuda, a anistia é só uma questão de ser incluída na pauta pelo presidente Hugo Motta”, diz o líder bolsonarista. Já a esquerda e a base do presidente Lula culpam o bolsonarismo e a atuação de Eduardo no EUA pela sobretaxa imposta por Trump.

“Ele [Jair Bolsonaro] sabe que o momento de ser punido está chegando, essa tarifa é uma chantagem que faz o Brasil de refém”, disse a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP). Lula até aqui prega que tentará negociar e, se não houver avanço, usará a lei de reciprocidade, que foi aprovada com amplo apoio do Congresso Nacional este ano. A lei criou mecanismos para o Brasil reagir a medidas unilaterais como essa, e permite ao governo brasileiro reagir com ações equivalentes.

O decreto que regulamenta o mecanismo está em fase final de discussão no Planalto e deve ser publicado nos próximos dias, detalhando as possibilidades de resposta brasileira.

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