Economia

Empresas estrangeiras deixam Argentina

Redação Online

Publicado em 21 de julho de 2025 às 11:36 | Atualizado há 8 horas

DOUGLAS GAVRAS

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Como reflexo da queda da inflação e sob a promessa de recuperação após a derrubada da atividade com as medidas de ajustes tomadas pelo governo de Javier Milei, empresas brasileiras voltaram a olhar para o país e estão aumentando o número de funcionários e de lojas, ainda que de forma cautelosa.
Javier Milei derrotou o peronismo e começou a governar a Argentina em dezembro de 2023, impondo um duro corte de gastos que derrubou a inflação (em maio, foi de 1,5% mensal), mas também esfriou a atividade econômica. A promessa do governo é de volta dos investimentos e recuperação, terminado o primeiro ano de mandato.
No ano passado, o primeiro ano em que ele governou por completo, o fluxo de investimentos diretos do Brasil na Argentina foi de US$ 131,4 milhões (alta de 66,8% em relação a 2023), de acordo com dados da Camex (Câmara de Comércio Exterior) a partir de números do Banco Central.
De janeiro a março de 2025, esse montante foi de US$ 10,6 milhões, menos de um quarto dos aportes vistos em 2024. Os números não incluem regressos de dinheiro, operações intercompanhia (entre matriz e filiais de uma empresa) e reinvestimentos de lucros.
“Temos as maiores empresas de turismo do Brasil e da Argentina. Então, se a gente não está vendendo para que os brasileiros viagem para a Argentina, a gente está vendendo na Argentina para que eles venham ao Brasil. De algum jeito, ganhamos”, diz à reportagem o CEO da CVC, Fábio Godinho.
“Quando falamos de Argentina, o mercado em 2024 foi recessivo para o consumo em geral, pelos ajustes que estão sendo feitos. A gente dobrou a venda no primeiro trimestre deste ano, tanto de argentinos vindo para o Brasil quanto viajando para outros países, ante o primeiro trimestre de 2024.”
A brasileira comprou a Almundo, marca que atua no mercado argentino, em 2019. Em 2024, a companhia anunciou a fusão da Avantrip com a Almundo.
“No fim de 2024, a companhia tinha 120 lojas no país, mais do que antes da pandemia. A gente falou: ‘esse cara está fazendo a coisa certa.’ Investimos por volta de R$ 30 milhões na Argentina, três vezes mais do que geralmente investimos, e agora estamos captando na veia essa subida das vendas.”
“Pelo menos olhando do Brasil, a expectativa dos empresários daqui é muito grande em relação às reformas que foram feitas, toda essa discussão da inflação, que era um grande problema e que foi deixando de ser tão assustadora”, avalia o CEO da Kepler Weber, Bernardo Nogueira.
A empresa, que tem fábricas no Rio Grande do Sul (a três horas da fronteira com a Argentina) e no Mato Grosso do Sul, atua no agronegócio, na etapa pós-colheita da cadeia produtiva de grãos. Segundo Nogueira, havia uma demanda reprimida por parte do agricultor argentino, que agora, com o peso mais forte, tem poder de compra para investir em maquinário e melhorias das propriedades.
“A Argentina, apesar de ser um dos maiores países agrícolas do mundo, e ter uma agricultura bastante profissional e competitiva, há tempos não investia. No nosso negócio, apesar de termos centenas de unidades lá, a gente não tinha nem demanda para trocas de peças. O país ficou fechado durante alguns anos.”
Segundo ele, após as vendas começarem a despertar em 2023 e 2024, neste ano a Argentina briga para ser o maior importador da empresa, roubando o lugar do Paraguai. “O momento é de observar o que vai acontecer. O histórico deles é que, talvez, isso volte para o zero, como ocorreu em momentos passados.”
“A Argentina voltou ao radar”, disse Rodrigo Stefanini, CEO das operações latino-americanas do Grupo Stefanini à agência Reuters, em fevereiro. A multinacional brasileira de tecnologia viu as vendas saltarem 15% na Argentina em 2024 e aumentou seu quadro local de funcionários em 10%, para cerca de 1,5 mil pessoas.
A Câmara de Comércio Argentino-Brasileira estima em cerca de 150 as empresas brasileiras de maior relevância que mantêm presença na Argentina ao longo dos anos, apesar de algumas terem reduzido suas operações.
Embora mostrem uma recuperação da confiança ante o período do antecessor de Milei, Alberto Fernández, os números ainda estão muito distantes do pico de investimentos brasileiros em 2018, de US$ 1,18 bilhão, quando o então presidente Mauricio Macri conseguiu um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional), como Milei acaba de conseguir em abril, apontando que a aposta dos investidores ainda é cautelosa.
Em 2017, a JBS vendeu por US$ 300 milhões todas as ações de suas subsidiárias com operações de carne bovina na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Os papéis foram comprados por subsidiárias da Minerva. Questionada se pretende voltar a investir no país, a companhia não respondeu.
Em 2024, multinacionais de diferentes países retiraram investimentos da Argentina. Ao menos sete grandes multinacionais deixaram a Argentina. Entre elas está a Clorox, que vendeu sua divisão de consumo para o grupo Apex Capital, o que incluiu fábricas em Buenos Aires e San Juan, além de várias marcas.
A Xerox vendeu seus negócios no país e no Chile para o Grupo Datco, que também adquiriu a operação local da Internexa, uma operadora colombiana. No setor agrícola, a canadense Nutrien anunciou a saída de sua operação de varejo na Argentina, voltando-se para operações no Brasil.
No setor de seguros, o Grupo ST assumiu a operação local da Prudential Financial, que estava no país desde 1998. No setor bancário, o HSBC confirmou a venda de sua operação o Grupo Galicia, por US$ 550 milhões, com a fusão criando um dos bancos mais importantes do país.
A Procter & Gamble vendeu sua operação para a argentina Newsan, apontando altos custos de produção e queda no consumo, que tornaram o mercado local menos atraente.
Mais recentemente, a petroleira Raízen iniciou a venda de seus ativos, contratando o JP Morgan para ajudar na avaliação e liquidação. A empresa pretende vender a refinaria Dock Sud, a mais antiga do país, com capacidade de 100 mil barris por dia, além de sua rede de mais de 700 postos de gasolina da marca Shell, que representa 18% das vendas de combustíveis na Argentina.
Nos últimos dias, o JP Morgan também esteve no centro das notícias negativas do governo, ao aconselhar seus clientes a diminuir a compra de títulos do Tesouro argentino, alertando que alguns fatores que antes ajudaram a estabilidade financeira do país estão diminuindo.
Em um relatório chamado “Argentina: Dando uma pausa”, o banco destacou que, embora o processo de desinflação e a melhora fiscal sejam positivos, existem riscos como a queda nas receitas do setor agropecuário, saídas de divisas do turismo e incertezas eleitorais que podem piorar.
Agora, o JP Morgan mudou sua abordagem, mencionando que os altos ganhos das exportações agrícolas são do passado e que o turismo está pressionando a demanda por dólares. Em outubro, os argentinos vão as urnas para as eleições legislativas, e o banco alerta que o pleito tende a aumentar a volatilidade dos ativos locais.
Apesar disso, o banco se mantém otimista para o médio prazo, destacando a desaceleração da inflação e o afrouxamento das restrições para a compra de dólares para pessoas físicas.
TURISTA BRASILEIRO TROCA ARGENTINA POR OUTROS PAÍSES
Enquanto as empresas voltam a olhar para o país vizinho, os turistas brasileiros, impactados pelos preços altos em dólares na Argentina, passaram a trocar as férias em Buenos Aires, Mendoza e Bariloche por outros destinos na América do Sul.
Em abril, 7,6 mil brasileiros viajaram à Argentina a turismo (queda de 18,2% em relação a um ano antes), enquanto 235,9 mil argentinos aproveitaram os preços mais baixos no Brasil, com um aumento de 59,1%. Os brasileiros agora estão atrás dos uruguaios entre os principais visitantes.
No Chile, com a chegada do inverno, a tendência é de alta, mas mesmo em meses mais quentes, o movimento está ocorrendo. No último trimestre de 2024, 157,1 mil turistas brasileiros visitaram o Chile, de acordo com o governo do país (um aumento de 18,5% em relação a igual período de 2023).
“Nos anos anteriores, a gente estava ganhando com viagens do Brasil para a Argentina, até 2023 ou a metade de 2024. Antes a rota era 60% de brasileiro, 40% de argentino, ou 70% brasileiro, 30% de argentino. Hoje inverteu”, diz Godinho, da CVC. “A gente começou a canalizar muita demanda, então teve substituição da Argentina para o Chile, tanto para lugares com neve quanto para conhecer a capital, Santiago.”
Segundo ele, Peru e Colômbia também são países com bastante potencial para o turismo de brasileiros. “Eles contam com uma boa malha aérea da Avianca, para a Colômbia, e da Latam, para o Peru. Então, existem excelentes oportunidades.”


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