Brasil

Fraudes contra INSS envolvem roubo de dados, IA e até mortos

DM Redação

Publicado em 7 de agosto de 2025 às 08:05 | Atualizado há 5 horas

Cristiane Gercina – Folha Press

A investigação em torno dos descontos indevidos em benefícios previdenciários feitos por sindicatos e associações envolvendo mais de R$ 6 bilhões descontados da folha de pagamento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) são apenas a ponta do iceberg de golpes contra a Previdência Social.

As atividades fraudulentas envolvem roubo de dados, IA (inteligência artificial), falsificação de documentos, uso e ocultação de cadáveres e até a boa-fé de aposentados e pensionistas, segundo o advogado Rômulo Saraiva, especializado em Previdência e colunista da Folha, que reuniu mais de 400 casos de golpes no livro “Fraudes no INSS – Casos Práticos de Vazamento de Dados, Engenharia Social e Impactos na Proteção Social”.

Dentre os golpes mais comuns estão o da falsa prova de vida, saque após a morte do beneficiário, compra de laudo médico para concessão de benefício por incapacidade, descontos indevidos de mensalidade associativa ou de crédito consignado, roubo de informações sensíveis e documentação falsa.

No livro, que será lançado em São Paulo nesta quinta-feira (7), às 19h, na PUC (Pontifícia Universidade Católica), zona oeste da capital paulista, as fraudes foram divididas por tipo, com casos históricos como o de Jorgina de Freitas e a Máfia da Previdência, casos fiscais, nos quais quadrilhas se apropriam de valores indevidos, e fraudes eletrônicas, bancárias, previdenciárias, de acumulação indevida, relacionadas ao estado de saúde do aposentado, de falsificação ou adulteração de documentos, e suborno, entre outras.

O ponto de partida para o levantamento foram as operações da Polícia Federal envolvendo a Força Tarefa Previdenciária, além da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Previdência, de 1993, e as próprias ações judiciais de aposentados que procuram o seu escritório após ser vítimas.

O levantamento contou ainda com pesquisa de casos na Justiça Federal do Brasil e em notícias de sites e jornais internacionais, mostrando que a engenharia social das fraudes e a corrupção não são problemas exclusivos do Brasil, mas estão em países como Estados Unidos, Suécia, Itália e Japão, entre outros.

Para Saraiva, a tecnologia trouxe desafios aos aposentados e pensionistas, que podem ter seus dados expostos de forma mais fácil. Ele lembra, no entanto, que ainda há muitos casos de segurados que são enganados por criminosos.

Não é possível mensurar o quanto a Previdência e aposentados perderam. Os valores nas investigações são estimativas. “É difícil essa precificação, embora na década de 90, na Máfia da Previdência Social, quando Jorgina de Freitas ‘assaltou’ 15 agências no Rio de Janeiro, criou-se a CPI do Rio de Janeiro e depois a CPI nacional. Naquela altura, foi feita uma estimativa de 50% da arrecadação do INSS, dos quais 7% foram recuperados”, afirma.

CASOS INTERNACIONAIS

O recente caso de dois filhos acusados de manter o corpo do pai morto, de 88 anos, por menos seis meses dentro de uma casa no Rio de Janeiro para receber R$ 5.000 mensais do INSS não é especificidade do Brasil.

Embora não tenha entrado no livro, Saraiva destaca histórias semelhantes em outros países e casos mais antigos em solo brasileiro. Nos Estados Unidos, em Nova Iorque, um filho se vestiu como a mãe morta para receber seu benefício no banco. A fraude ocorreu por cerca de seis anos.

Ele adulterou documentos e forneceu dados falsos à Previdência. Sacou um total de US$ 15 mil em renda previdenciária. Ia ao banco de peruca loura, óculos escuros, vestido e maquiagem.

Em outro caso selecionado, em Chicago o autor diz que a filha colocou o corpo da mãe em um freezer, por dois anos, e escondeu o equipamento em uma parte do condomínio onde morava que não era acessado por moradores.

Na Itália, um homem foi preso por esconder o corpo da mãe por cinco anos para receber seu benefício previdenciário. A mãe de 80 anos foi descoberta mumificada na residência após vizinhos estranharem sua ausência.

No Brasil, o caso da sobrinha que levou o tio morto Tio Paulo ao banco no Rio de Janeiro para fazer empréstimo em seu nome em 2024 é um dos mais conhecidos.

No livro, Saraiva expõe ainda o caso de um homem que matou um casal, de 80 e 57 anos e arrancou a mão do idoso, levando os dedos ao caixa eletrônico para utilizar a biometria do aposentado. Conseguiu sacar um mês de benefício.

FRAUDES NO INSS

  • Quando Lançamento nesta quinta (7/8); às 19h
  • Onde Auditório 239, PUC-SP (r. Monte Alegre, 984, Perdizes)
  • Preço R$ 249,9 (versão impressa) e R$ 175,70 (ebook)
  • Autoria Rômulo Saraiva
  • Editora Juruá
    *
    VEJA AS PRINCIPAIS FRAUDES CONTRA O INSS
    INCAPACITADO DE ALUGUEL OU DUBLÊ DE PERÍCIA
  • Pessoas incapacitadas para o trabalho são aliciadas por quadrilhas para fazer a perícia médica no INSS no lugar de segurados e receber benefício previdenciário
  • Nesta fraude, o grupo confeccionava documentos falsos com a fotografia do dublês, mas os demais dados eram de um requerente segurado da Previdência, que ficava com o dinheiro
    SAQUE APÓS O FALECIMENTO
  • Esse é um dos golpes mais comuns contra a Previdência. Familiares usam senha e cartão do aposentado já falecido para continuar sacando o benefício, mas a medida é crime
  • Quando um segurado da Previdência morre, seu benefício deve ser cessado
  • Só depois pode ser pago a herdeiros caso tenham direito à pensão
    LAUDOS MÉDICOS COMPRADOS
  • Segurados ou quadrilhas obtêm laudos fraudulentos para simular incapacidade para o trabalho, prática que compromete tanto o paciente quanto o profissional de saúde, que pode ter sido enganado ou fazer parte do esquema
  • Neste caso, o segurado prova estar incapacitado e pode ter acesso a benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e BPC (Benefício de Prestação Continuada) da pessoa com deficiência
  • O golpe funciona envolvendo uma quadrilha de profissionais que podem fraudar os documentos ou o uso de tecnologia e/ou inteligência artificial para criar laudos falsos, falsificar números de CRMs, carimbos e até assinaturas
    GOLPE DA CESTA BÁSICA
  • O criminoso entrega uma cesta “gratuita” ao idoso, tira uma foto do beneficiário para comprovar a entrega a uma suposta entidade que enviou a cesta e, com essa biometria facial, abre uma conta digital
  • Com a conta aberta, faz empréstimos consignados em nome do segurado e pode cometer outras fraudes, como ter acesso ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), por meio do saque-aniversário, por exemplo
    GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE
  • Estelionatários prometem reduzir parcelas de um empréstimo consignado ou oferecem dinheiro extra ao fazer a portabilidade do consignado de um banco para outro
  • Na prática, fazem novos empréstimos em nome do aposentado e desviam os valores
  • Há casos ainda nos quais o golpista convence o aposentado a fazer o refinanciamento do seu consignado e, com o dinheiro a mais que o idoso consegue ao refinanciar o crédito, ele paga o “especialista” que o orientou, ou seja, deposita o valor para o criminoso
    GOLPE DA FALSA PROVA DE VIDA
  • É um dos mais conhecidos e pode ocorrer de várias formas
  • Antes, cidadãos tinham de ir ao banco provar que estavam vivos. Agora, o INSS usa informações de banco de dados nacionais para comprovar que o idoso está vivo
  • Com isso, golpistas usam uma técnica chamada de smishing (envio de SMS mais phishing, pescaria de dados), enviando mensagem de texto afirmando que o benefício será cortado se o idoso não atualizar os dados
  • Ao atualizar, clicando em links ou por WhatsApp, o segurado passa os dados ao golpista e pode ser vítima de diversas fraudes financeiras
  • Há ainda outra modalidade, na qual os fraudadores enviam mensagens para os segurados, por carta, email, telefone, SMS ou WhatsApp solicitando documentos para atualização das informações sobre o beneficiário
  • Quem envia a papelada pode se tornar vítima e ficar sem o benefício
    DESCONTOS INDEVIDOS DE MENSALIDADES ASSOCIATIVAS
  • Associações e sindicatos faziam a adesão de aposentados e pensionistas de forma indevida e passavam a realizar descontos em seu benefício
  • Esse é o caso que está sendo investigado na Operação Sem Desconto do INSS, envolvendo R$ 6 bilhões descontados, dos quais o valor fraudulento ainda esta sendo levantado
  • O INSS fechou acordo no STF (Supremo Tribunal Federal) para devolver o dinheiro a quem não reconhece o desconto
  • O golpe funciona de várias formas; há casos de associações de fachada, criadas apenas com esse fim, que roubam os dados do beneficiários e o vinculam à entidade
  • Há os casos nos quais o aposentado assinou papéis da associação, mas foi enganado quanto ao que dizia o documento, sem saber que teria desconto no benefício
  • Há até mesmo a chamada ‘fraude da fraude’, quando a entidade frauda gravações de voz dizendo ser do próprio segurado autorizando, por telefone, o desconto em seu benefício, segundo informou o INSS
    GOLPE DO CONSIGNADO
  • Criminosos entram em contato com aposentados como se fossem instituições financeiras oferecendo empréstimo consignado com condições vantajosas, como taxas de juros bem reduzidas
  • Quando a pessoa se interessa pela oferta e decide contratar o empréstimo, os golpistas pedem que ela faça um depósito antecipado para que o valor seja liberado
  • Em outros casos, supostos funcionários do INSS ligam ou enviam emails para os beneficiários pedindo seus dados pessoais e bancários
  • Ao enviar esses dados, é feito um empréstimo fraudulento
    GOLPE DO CASAMENTO PARA FRAUDAR PENSÃO POR MORTE
  • Idosos aposentados se casam com suas cuidadoras ou com conhecidas para deixar a pensão por morte do INSS
  • Em muitos casos, o golpe envolve outros familiares, que, depois da morte do segurado, dividem a pensão com a suposta viúva
  • O golpe também pode ocorrer com mulheres aposentadas que estejam doentes sendo assediadas por homens mais novos, que se casariam para receber a pensão
  • Para diminuir esse tipo de golpe no Brasil, em 2015, a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou lei com regras para o pagamento da pensão, como tempo mínimo de casamento para ter direito ao benefício
  • Também foi elaborada uma tabela com a duração máxima da pensão conforme a idade do segurado que ficou viúvo ou viúva, acabando com a chamada ‘pensão brotinho’
    VENDA DE LISTAS COM DADOS DE SEGURADOS DO INSS
  • A venda de dados de aposentados da Previdência Social, como nome completo, número de benefício, CPF e data de nascimento não é nova, mas ganhou fôlego com a inteligência artificial
  • A prática consiste na venda de listas com esses dados. Antes, eram impressos em papel, depois passaram a ser comercializados em CDs e/ou pendrives e, agora, a venda é feita online, com os dados separados por inteligência artificial, por CEP, cidades, bairros, regiões ou o que o comprador quiser escolher e puder pagar
  • Com esses dados, é possível abrir contas e realizar diversas operações financeiras
    OSTENTAÇÃO COM BPC
  • Cidadãos fraudam documentos que atestam baixa renda e conseguem receber o BPC, pago a quem faz parte de família cuja renda per capita (por pessoa) seja de até um quarto do salário mínimo
  • A fraude é descoberta porque, em muitos casos, os golpistas ostentam situação financeira de alto luxo, como ter viagens, carros e vida incompatível com a renda
    BENEFÍCIO RURAL INDEVIDO
  • A fraude parecida com a do BPC; o cidadão consegue falsificar comprovantes atestando ter direito à aposentadoria rural, paga para segurados com idade menor do que as dos demais trabalhadores
  • Na aposentadoria rural, segurados especiais não precisam ter contribuído com o INSS, basta apenas comprovar trabalho no campo
  • A fraude também é descoberta por haver ostentação de padrão de vida incompatível com a renda um trabalhador rural
  • Em um dos casos, a Justiça descobriu, em postagens em rede social feitas pelos pais do aposentado entre 2015 e 2021, carros de luxo, como por exemplo um Camaro, e outros que tinham até teto solar
  • Nas postagens, ele apareceria utilizando acessórios de alto valor, como anéis, pulseiras, colares, óculos de sol e relógios
    BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE SEM ESTAR INCAPACITADO
  • Segurados levam laudos falsos à perícia médica e conseguem receber o benefício por incapacidade
  • Os principais casos envolvem o auxílio-doença, pago a quem está temporariamente incapacitado para o trabalho, mas há também aposentadorias por invalidez
  • No entanto, esses beneficiários levam vida incompatível e realizam viagens, vão à academia, shopping, praia; há casos de pessoas que trabalham
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