Acusado de construir discurso contra urnas, Ramagem será julgado em duas etapas
DM Redação
Publicado em 26 de agosto de 2025 às 07:29 | Atualizado há 6 horas
Cézar Feitoza – Folha Press
Ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem será julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob acusação de ser um dos responsáveis por preparar o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra as urnas eletrônicas.
A denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) diz que a busca por descredibilizar o sistema eletrônico de votação foi a etapa inicial de um plano para manter Bolsonaro no comando do Palácio do Planalto mesmo em caso de uma eventual derrota nas eleições presidenciais.
Quando já ocupava o cargo deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, Ramagem teve sua denúncia aceita pela Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele foi acusado de cometer cinco crimes, mas a Câmara dos Deputados, em embate com o Supremo, decidiu suspender parte da ação penal contra o deputado -aquela que tratava dos crimes que teriam sido cometidos após a diplomação dele como parlamentar.
Por isso, como acusado de integrar o núcleo central da trama golpista, Ramagem será julgado a partir do próximo dia 2 pela acusação dos crimes de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa armada.
Só quando deixar de ser deputado ele poderá ser julgado pelos crimes de dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado, ambos relacionados aos ataques de 8 Janeiro.
VEJA O QUE PESA CONTRA ALEXANDRE RAMAGEM, SEGUNDO A DENÚNCIA DA PGR:
CONSTRUÇÃO DA MENSAGEM GOLPISTA
A Polícia Federal encontrou em material apreendido com Ramagem quatro arquivos de texto com críticas ao sistema eleitoral. Eles eram escritos em primeira pessoa e indicavam que o destinatário seria Bolsonaro.
Os arquivos foram salvos com os nomes “Bom dia Presidente.docx”, “Presidente TSE Informa.docx”, “PR Presidente” e Presidente.docx”. Os indícios de que seu interlocutor era Bolsonaro estão também em frases escritas por Ramagem, como “parabéns, presidente”, “estou à disposição” e “conte sempre comigo”.
Em um dos textos, Ramagem diz que mesmo antes da eleição já havia como “concluir que será apontada vulnerabilidade na transparência técnica e na governança exclusiva do tribunal”. Em outro trecho, diz ter “total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do Sr. no primeiro turno”.
“Entendo que argumento de anulação de votos não seja uma boa linha de ataque às urnas. Na realidade, a urna já se encontra em total descrédito perante a população. Deve-se enaltecer essa questão já consolidada subjetivamente”, escreveu o então diretor da Abin.
As propostas de ataque às urnas também foram encontradas em um print que seria de uma conversa entre Ramagem e Bolsonaro. O chefe da Abin dizia que “as maiores autoridades em computação já conseguiram identificar diversas falhas e vulnerabilidades”.
Segundo a PGR, os arquivos revelaram a “intensa atuação [de Ramagem] para transmitir informações sem base confiável e desestabilizar as instituições democráticas”.
“A predileção pelo assunto eleitoral não era fortuita. A intensa dedicação em demonstrar supostas falhas no sistema eleitoral brasileiro atendia diretamente aos interesses de Jair Bolsonaro. Prova disso é que as orientações de Alexandre Ramagem foram amplamente utilizadas em pronunciamentos públicos do então presidente”, afirma Paulo Gonet nas alegações finais.
A defesa de Ramagem, feita pelo advogado Paulo Renato Cintra, diz que o conteúdo dos arquivos tinha convergência com o que já era propagado por Bolsonaro havia anos. Não faria sentido, portanto, imputar ao ex-diretor da Abin a responsabilidade de construir a narrativa contra as urnas. Segundo Cintra, os arquivos expressavam somente a opinião pessoal de Ramagem.
ESPIONAGEM ILEGAL
A denúncia acusa Ramagem de montar uma estrutura paralela na Abin para realizar ataques virtuais. O núcleo atuaria como uma central de contrainteligência, que produzia desinformação contra os opositores da organização criminosa.
Segundo a PGR, o grupo comandado por Ramagem utilizava ferramentas à disposição da agência, como o sistema FirstMile, que permite monitorar a localização de celulares. Foram alvo das ações clandestinas, de acordo com as investigações, ministros do Supremo, deputados e jornalistas.
Ramagem ainda é acusado de, no comando da Abin, determinar monitoramento sobre suspeitas envolvendo Renan Bolsonaro, filho do ex-presidente. A defesa do deputado diz que os fatos não foram descritos corretamente pela Procuradoria e que tampouco os crimes podem ser atribuídos a Ramagem.
Ela destaca que o FirstMile foi adquirido pela Abin antes do início do governo Bolsonaro e diz que, quando Ramagem assumiu a direção da agência, identificou uma possível utilização indevida do sistema e “provocou as autoridades administrativas competentes para que verificassem a licitude de sua utilização”.
Interferência na Polícia Federal
Em um dos arquivos encontrados no celular de Ramagem, com o título “ataque às urnas e aos Poderes”, o ex-diretor da Abin sugere que a AGU (Advocacia-Geral da União) fosse usada para produzir pareceres que respaldassem a Polícia Federal a descumprir de ordens de buscas e prisões. “As unidades da PF […] necessitam apenas de respaldo legal e comando hierárquico para cumprir ou não as medidas do STF manifestamente contrárias à lei”, completa.
A defesa de Ramagem ressalta o uso da expressão “para cumprir ou não” e argumenta que isso passaria ela análise jurídica da AGU. “É importante registrar que a AGU não foi acionada. Não houve crime. Ainda que a mensagem tivesse sido efetivamente transmitida ao então presidente -e não há evidência nesse sentido-, a proposta jamais foi levada adiante, não havendo materialidade”, completa.