Angela Ro Ro fez blues adquirir sotaque tropical com voz rouca
DM Redação
Publicado em 8 de setembro de 2025 às 20:29 | Atualizado há 8 horas
Marcus Vinícius Beck
Angela Ro Ro, a Billie Holiday de Copacabana, morreu nesta segunda (08/09), aos 75 anos, no Rio de Janeiro. Com dificuldades financeiras no fim da vida, Ro Ro chegou a pedir aos fãs doações por Pix. Estava internada desde julho, quando foi submetida a uma traqueostomia.
A ex-namorada, Laninha Braga, confirmou a notícia ao jornal “O Globo”. Segundo o diário carioca, que publicou a informação no início da tarde, o coração da cantora parou de bater após um procedimento cirúrgico. Seu estado físico se agravou nos últimos meses.
Devassa das mil rosas roubadas, Ro Ro tinha recursos escassos para tratar um quadro de saúde delicado. Rumores apontavam problemas pulmonares e renais, o que a teria levado para a hemodiálise. Falou-se até em chance de câncer, embora nada tenha sido confirmado.
Angela Maria Diniz Gonsalves nasceu no dia 5 de dezembro de 1949. Filha única, tudo o que oferecia era seu calor, seu endereço, como confessa na música “Amor, Meu Grande Amor”. “A vida do teu filho, desde o fim até o começo”, vocaliza, com sua voz ardida de amor.

Iniciou-se nos estudos de piano clássico na infância, época na qual recebeu, em razão da voz rouca, o apelido de Ro Ro. Segundo a cantora carioca, esse timbre foi herdado da mãe, enfermeira. O pai era policial civil. Nessa época, começou a se interessar por Maysa, Elis Regina e Ella Fitzgerald — ainda que o blues de Bessie Smith já se fizesse presente nela.
No início dos anos 1970, com mochila nas costas e ideias libertárias na cabeça, foi para a Europa. Passou por Roma, mas se estabeleceu em Londres, onde surgira na década anterior os Rolling Stones. Stoniana, roqueira, Ro Ro assumia-se fã do guitarrista Keith Richards.
O cineasta Glauber Rocha, de quem ficou amiga nos tempos italianos, conhecia Caetano Veloso. Glauber intermediou a participação da carioca no álbum “Transa”, obra-prima de Caetano, em que toca gaita na música “Nostalgia (That’s What Rock and Roll Is All About)”. Mesmo assim, o baiano não a creditou no encarte do elepê de 1971.
Ao voltar ao Brasil, na segunda metade dos anos 1970, inseriu-se no meio dos festivais. Esteve, em 1976, no furdunço que se viu em Saquarema (RJ). No entanto, não queria ser cantora. “Sabia que ia dar merda [me lançar]”, dizia, justificando por que fugia da fama.
A carreira decolou apenas em 1979, quando saiu o bolachão “Angela Ro Ro”. O lançamento ocorreu na loja Fiorucci, no Rio de Janeiro, num evento abarrotado de jornalistas. “Fiquei até com medo de tanto fotógrafo e os flashes espocando”, debochou a diva biriteira, na ocasião.
Cru e rasgante, o disco de estreia traz um repertório autobiográfico. O eu lírico afoga as lágrimas em doses de uísque sem gelo. Ama sem esconder sua homossexualidade. Saboreia coquetéis com alto teor musical: balada, bolero, samba-canção, boogie-woogie, samba.
Esses estilos são degustados em canções como “Amor, Meu Grande Amor”, “A Mim e a Mais Ninguém”, “Cheirando a Amor” e “Gota de Sangue”, esta última regravada por Maria Bethânia. Ro Ro rendia-se à santíssima trindade: blues, birita e mulheres.
Celebrada como compositora — Marina interpretou “Não Há Cabeça”, em “Simples Como Fogo”, de 1979 —, Ro Ro escandalizava a sociedade carioca. Foi detida numa manhã de abril de 1981, em frente à casa da cantora Zizi Possi, na zona sul do Rio. Acusou os policiais de agressão. Viu-se obrigada, assim, a revidar. Apenas os xingou, no entanto.
Birita
Como ocorrera com Maysa, todos entendiam que Ro Ro andava bebendo demais. Conforme as más línguas, enchia a cara pra valer na noite. Comportava-se tal e qual uma maldita. Desdenhava dos caretas e tinha piedade dos covardes. Era a Janis Joplin dos trópicos.
Desbocada e irônica, abre o elepê “Escândalo”, de 1981, e repetia quatro vezes: “Perdoai-os, Pai, eles só sabem o que fazem.” Na estrofe seguinte, alude à birita — seu grande mal. “Eu quero uma cruz de pinho selvagem / alguma bebida pra me dar coragem”, entoa.
Mas em seguida, com estilo, erotizava-se: “A droga do seu beijo / até você me envenenar / manchar a sua boca”, declama, em “Na Cama”. Ainda se vivia sob ditadura. Lançou, em 1985, o disco “Eu Desatino”, no qual celebra a obra da cantora norte-americana Janis Joplin.
Entre 1979 e 1985, Ro Ro publicou os primeiros seis títulos de sua discografia. Desde então, a cantora seguia em frente. Jogou-se, em 1993, aos pés do produtor Ezequiel Neves no show “Angela Ro Ro Ao Vivo – Nosso Amor ao Armagedon”, lançado pela Som Livre.
O último disco, “Selvagem”, saiu em 2017. Fazia, em seus anos derradeiros, shows intimistas — durante a pandemia, apresentou-se no projeto Música no Câmpus, da UFG. No ano passado, lançou dois singles. Angela Ro Ro fez o blues adquirir sotaque tropical com sua voz rouca.