Cultura

Amanda Costa perfila dez artistas goianos em livro

DM Redação

Publicado em 12 de setembro de 2025 às 20:10 | Atualizado há 4 horas

Jornalista mapeia fazedores de cultura em Goiânia com prosa que chega aos olhos um suspiro aliviado - Fotos: Rogério Neves
Jornalista mapeia fazedores de cultura em Goiânia com prosa que chega aos olhos um suspiro aliviado - Fotos: Rogério Neves

Marcus Vinícius Beck

Atenta, sensível, a escritora Amanda Costa perfila gente que vive a cultura produzida em Goiás, com sua pena esperta, sobre a qual repousa histórias de vida. Fala de um poeta e jornalista, agitador das antigas, aí vem outro personagem, é um doutor, o doutor do rock.

Depois dos versos e das guitarras, o palhaço entra em cena — um equilibrista da razão, rindo entre o picadeiro e os aplausos, galhofando como quem leu Nietzsche e Schopenhauer. Levanta, almoça, janta — e, ainda assim, pensa em como usar a arte para salvar vidas.

Já a congueira, essa mulher arretada, quer a igualdade para o seu povo. Goianiense, casou-se, criou filhos e conheceu a cultura popular. A família lhe ensinou a dança de matriz africana. É de berço: segue o pai. Orgulha-se de fazer parte da única congada de Goiânia.

Quem são esses personagens, afinal? Fazem girar a engrenagem da cultura, democratizando acesso à arte (como Carlos Brandão), lançando bandas pros malucos (caso de Léo Bigode), mudando vidas (tipo Maneco Maracá) e enfrentando o racismo (qual Valéria da Congada).

Amanda diz que repórter não deve abrir mão de texto saboroso em sua prática profissional Foto: Rogério Neves

Como o fotógrafo Henri Cartier-Bresson, Amanda escuta o outro atentamente. Pode-se considerá-la discípula de Carl Jung — no sentido de que põe em prática a empatia para conectar-se às pessoas, não apenas extrair delas declarações burocráticas e insossas.

“Perfis de Quem Faz Cultura” (R$ 67,00) marca a estreia de Amanda em livro solo. A publicação, ao todo, reúne dez perfis que descortinam os pensamentos e desnudam as intenções de artistas e produtores culturais goianos na música, circo, teatro e artesanato.

Só fera irrompe no livro: André Franco e Carlos Brandão, Deolinda Taveira e Décio Coutinho, Eduardo de Souza e Eloá Nunes. Tem ainda Flávia Cruvinel e Leo Bigode, Maneco Maracá e Valéria da Congada. Todos operários da cultura, trabalhadores da arte.

Amanda graduou-se na Universidade Federal do Tocantins, fez pós em Comunicação na UFG, mas o que lhe faz a cabeça são os encontros — com as pessoas e suas histórias. Por isso, está mais para Gay Talese e Eliane Brum do que Guga Chacra ou Igor Gielow.

Isto é, sai para lá, jornalismo pirâmide invertida. A repórter, como se vê, suja os pés. Praticando a flânerie, coloca-os na rua. Não basta, segundo o jornalista Humberto Werneck, que a informação seja precisa: “é preciso que ela — e, portanto, o leitor — seja bem tratada.”

“Como entidade narrativa, o jornalista literário utiliza suas estratégias de observação como fez Gay Talese na negativa de Sinatra de não conceder entrevistaAmanda Costa, jornalista

No prefácio de “O Reino e o Poder”, o repórter Gay Talese diz que exerce, em cada um de seus livros, um fascínio pelas verdades “obscuras” da natureza humana. Isso seria, para Talese, um exemplo da necessidade de tocar os nervos e as nuances da vida privada.

Mas Amanda, voltemos ao seu livro, especializou-se em perfis. Tal arte, diz, situa-se na narrativa curta, seja em termos de extensão textual, seja no tempo de validade das observações do jornalista. Ao contrário da biografia, o gênero focaliza momentos da vida.

“Como entidade narrativa, o jornalista literário utiliza suas estratégias de observação como fez Gay Talese na negativa de Sinatra de não conceder entrevista”, explica a autora de “Perfis de Quem Faz Cultura”, que tem tido sessão de autógrafos em livrarias da capital goiana.

Longe de ser atributo dos EUA, a reportagem literária fez sucesso nas bandas de cá. A revista “Realidade”, idealizada pelo editor Paulo Patarra e financiada por Roberto Civita, tornou-se lendária em nossa imprensa com pautas diferentes e reportagens de fôlego.

Amanda parece nivelar-se entre os ensinamentos de Talese e o estilo da “Realidade” – Foto: Rogério Neves

Era um time dos sonhos: Mylton Severiano, Narciso Kalili, Sérgio de Souza, José Hamilton Ribeiro. Craques da reportagem. Mas sem esquecer, claro, o escritor João Antônio — lenda do conto-reportagem, autor de uma obra-prima do jornalismo literário brasileiro.

Sobre “Um Dia no Cais”, o escritor Ronaldo Bressane explica: “grande reportagem sobre o porto de Santos em que João Antônio, que lá viveu um mês para a apuração, usou como foco narrativo duas prostitutas: Odete Cadilaque e Rita Pavuna.” Havia tensão, diálogos, cenas.

Amanda parece nivelar-se entre os ensinamentos de Talese e o estilo da “Realidade”. Para ela, o repórter não pode abrir mão de fazer um bom texto, ainda que, vez ou outra, o cotidiano da profissão o impeça de ter ambições maiores que o lead. “Ter sensibilidade para enxergar os personagens que rendam boas histórias faz parte da atividade do jornalista.”


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