David Gilmour vira gladiador da guitarra nos cinemas goianos
DM Redação
Publicado em 15 de setembro de 2025 às 19:47 | Atualizado há 3 horas
Marcus Vinícius Beck
Muita gente gosta de Roger Waters. Muita gente acha que o som funcionava mesmo na época de Syd Barrett. Há quem veja Rick Wright como o melhor músico do grupo. Só Nick Mason, coitado, esse aí não tem jeito: desconheço alguém capaz de fazê-lo protagonista.
Com David Gilmour é diferente, gostemos ou não. Minha preferência, vou logo avisando, sempre reincidiu sobre ele. Desde que o ouvi pela primeira vez, enlouqueci: que sintaxe é essa? Que timbre é esse? E esse léxico? Prosódia de um dialeto próprio, gilmouriano.
“Tem uns cinco no mundo assim”, alertou o crítico Jotabê Medeiros, em 2015. No entanto, como Medeiros explica, ir por aí é fácil demais. Raras vezes escutei uma guitarra tão aflita mas precisa quanto a que Gilmour toca em “Time”. Poucas foram as ocasiões em que ouvi um vocal tão sereno como aquele de “Breathe”. Gilmour tem Eddie Floyd consigo.
Ao contrário de Roger Waters — pirotécnico, coreografado e teatral —, é contido. Prefere música à exposição, pluga-se na energia do rock, jorra lirismo pelos acordes e notas de sua Stratocaster. “Eu sou David Gilmour e sou uma lenda do caralho”, provoca o guitarrista, em entrevista ao jornal italiano “Corriere Della Sera” para divulgar “Live at the Circus Maximus, Rome”, que estreia nesta quarta (17/09), em Goiânia.
Gilmour e Waters juntos? Embora interprete canções do Pink Floyd no show, o guitarrista evita falar em reatar com o ex-parceiro de banda. “Acabou, acabou”, diz, contando que perdeu contato com o baixista, de quem se distanciou nos últimos anos por razões políticas. “Foi melhor assim”, acredita o vocalista, antipático a Nicolás Maduro e Vladimir Putin.
Como se percebe, é improvável vê-los juntos. Gilmour se posiciona pró-Ucrânia e Israel, enquanto Waters critica Volodymyr Zelensky e Benjamin Netanyahu. Já referiu-se a Netanyahu como “assassino em massa” e, no mesmo tom, atacou a indústria bélica. “Não criamos filhos para fornecer forragem a canhões”, declarou, sobre a guerra entre Zelensky e Putin.
Gilmour limitou-se a dizer que estava “desapontado”, conforme entrevista ao “The Guardian”. Seguiu adiante, unindo-se aos velhos amigos do Pink Floyd (sem Roger Waters, é claro) para lançar uma música: “Nunca mais tocarei com alguém que apoia ditadores.”

Artisticamente, além de tudo, a separação tomou jeito irreversível. Waters regozija-se com seus delírios operísticos, divagações conceituais e distopias totalitárias. Aprecia a ficção científica, o discurso. Gilmour busca o som, como um mar agitado ou um refúgio confortável, mas sem desprender-se da beleza — parece um tanto schopenhaueriano.
Introspectivo, solta-se e, então, vê o equilíbrio: a filha Romany Rose Gilmour, 23, a caçula de seus sete filhos, acompanha-o com um solo de harpa. Para o jornalista italiano Paolo Baldini, no texto “Gladiatore Rock al Circo Massimo”, “sua presença no palco, com uma banda unida e vencedora, é tanto uma ponte entre gerações quanto um sinal de ternura”.
Timbre sereno
Embora não dispense tiradas jocosas, Gilmour trata bem sua guitarra. Até aí, ora veja, nada demais — sempre destacou-se por tocá-la como quem procura o zíper para abrir o vestido da pessoa amada. Seu timbre ressoa pelo histórico Circus Maximus, em Roma, como o faz mundo afora há meio século: evocativo. O fraseado, ciciante, entoa virginal: aveludado.
Ali, tudo é bem executado, orgânico, ritmado. Como um gladiador da guitarra, Gilmour atemporaliza-se. De “Time” e “Wish You Were Here” aos solos de “Comfortably Numb”, o guitarrista exibe virtuosismo — é o lirismo de sua música, embora evite replicá-los.
“Toda noite surge algo diferente”, avisa o músico de 79 anos, pai de sete filhos e autor de sete discos. Ele está num cenário que tira o fôlego, numa antiga arena de gladiadores. O palco, gigante e espartano, tem fundo preto iluminado por um telão que lembra a vida pretérita no Pink Floyd: feixes de luz, lâminas de laser, sons completos. Psicodelia total.
Pode ser que a voz esteja incerta? Pode, é fato. Ainda assim, o que se vê é domínio técnico. As notas não são tocadas com velocidade, como um adorno broxante, e sim com alma, nuances e texturas. São cerca de 20 músicas que se inspiram no repertório do novo disco, “Luck and Strange”, lançado no ano passado.
Sem perspectiva de shows no Brasil, “Live at the Circus Maximus, Rome” nos oferece a oportunidade de assistir, na tela grande, a um dos melhores guitarristas de sua geração — e de todos os tempos. O show foi dirigido por Gavin Elder. “Mal posso esperar para que vocês vivam o que foram — para mim — os melhores shows da minha carreira”, diz Gilmour.
LIVE AT THE CIRCUS MAXIMUS, ROME
Quando: nesta quarta-feira (17/09)
Onde: nos cinemas