A carta de Bernardo Élis e as de Carmo Bernardes são meus troféus
Redação DM
Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 02:26 | Atualizado há 8 anos
Faz uns trinta e tantos anos, recebi uma carta do nosso imortal Bernardo Élis, cujas obras, a exemplo das do nosso saudoso Carmo Bernardes, são mastigadas e degustadas sempre que posso reler. Surpreendi-me com a missiva do nosso imortal que, do alto de sua importância no cenário nacional, veio dar atenção a este mequetrefe cronista sertanejo, com palavras que me ficaram encalacradas aqui na goela, de emoção; criei alma nova, renovando ainda mais por que o Carmo Bernardes sempre me tratava com igual distinção.
O engraçado é que, avesso a publicidade, eu sempre me acanhava de procurar o Bernardo Élis, receando “dar com os burros n’água”, pois gente do calibre dele costuma ser assoberbada pelos compromissos e não vai, e com razão, dar ligança pra um bariru qualquer de São José do Duro.
O encontro com o Carmo Bernardo foi capricho, pois desde Belo Horizonte mantínhamos correspondência, e nada mais justo que travarmos conhecimentos pessoalmente, o que me foi como um achado; além da nossa identidade de espírito, foi Carmo Bernardes que apresentou este anônimo escrevinhador ao “Diário da Manhã”, quando o jornal ainda estava na 24 de Outubro.
Pela preciosa carta que me enviou Bernardo Élis, descobri um novo espirito gêmeo, gostador das coisas lá do mato e desde a meninice identificado com as coisas da terra. E essa identidade é que abriu a porteira que minha timidez e acanhamento matuto teimavam em manter fechada a estrada real de nossas relações.
Eu, sinceramente, temia que o ir procurá-lo poderia ser interpretado como espécie de apadrinhamento. Mas fiquei a cavaleiro para trocarmos cartas e impressões e quiçá ele passasse a ler meus rabiscos ainda inéditos, vez que meus artigos insossos ele me alegrou com a informação de que os guardava todos.
Enquanto Carmo Bernardes e Bernardo Élis ficavam, por imposição de seus quefazeres, no corre-corre da cidade grande, eu cá ficava assuntando o sertão e “cronicando”, por que se não houver quem retrate o que ainda resta, vai acabar é passando em brancas nuvens. Feliz e oportuna foi a passagem em que, em sua carta, Bernardo Élis diz: “Até hoje não fui a Dianópolis, ou seja: São José do Duro, que é uma segunda cidade natal minha; entretanto, antes que um de nós (eu ou Dianópolis) acabe, a visitarei. Por sinal, acho que só indo a Dianópolis para conhecer meu amigo Liberato, por quem sempre indago quando topo o Mourinha ou o Carlos Alberto Santa Cruz”.
Taí: o acanhamento faz é coisa! Tantas vezes estivera aqui em Goiânia, e a bestagem de sertanejo me cutucava pra não ir on’tava o homem. Até que não seria má idéia o Bernardo Élis fazer-nos uma visitinha a nosso torrão palco de seu monumental “O Tronco”, espécie de carta de alforria lá do Duro, pois só depois de seu livro é que Dianópolis nasceu em termos de história, e a parir dele é que os filhos da terra começaram a pesquisar sobre a grandeza de nossos antecedentes, como Osvaldo Póvoa, que, a partir da publicação (O Tronco”), dedicou-se à pesquisa, escrevendo “Quinta-Feira Sangrenta” e, mais recentemente, “Crônicas de Outros Tempos”, “História do Tocantins” e outras obras.
Cá de minha parte, vou briquitando com meus causos brejeiros, ressuscitando tipos e retratando passagens do nosso dia-a-dia, coisas que estão na meninice e que devem de ser restauradas para que os jovens de hoje tomem conhecimento. Mas tudo é escrito despretensiosamente, atendendo a uma vocação de escriba.
Mas, a cada dia, mais me dá vontade de escrever, porque sinto que já tenho leitores que perdem uns minutinhos para correr as vistas nestas mal traçadas linhas, vazias de erudição, mas cheias de simplicidade. Lá no Tocantins, em Goiânia e em outras cidades deve haver quem me leia, e o meu estilozinho caipira vai se sedimentando: aqui, é um que me recorda uma passagem humoristica; ali, é outro me indagando sobre um nome ou expressão; acolá, é um e-mail ou um zape-zape vindos de outro lugar, dando atestado de que a penetração da literatura e do jornal leva longe as coisas, e no lombo do jornal e das obrinhas despretensiosas, vou fazendo minhas cavalgadas através das paragens tocantinenses, sendo puxado à força do anonimato.
Depois de muito militar em Minas Gerais por vários anos com esse mesmo estilozinho numa coluna diária, entremeando colunas de crítica literária (onde Bernardes Élis, Carmo Bernardes, Chico de Brito, Bariani Ortêncio, os dois Mendonça Teles, o Luiz Fernando Valadares tomaram a frente dos autores mineiros nas minhas colunas), arrebanhei os meninos, juntei os meus quase-nada e ganhei a estrada de volta, que meu lugar era lá nas paragens onde se panha caju nos morros e puçá nas chapadas.
Ficou lá nas alterosas uma espécie de umbigo fincado, que uma convivência nos meios literários e jornalísticos a gente não joga no mato assim, e vez por outra um reclama minha volta, mas estou na filosofia do “fico”. A princípio pensava que se um dia as coisas se azedassem por lá, iria pra Brasília, que ficava mais perto de minhas coisas, meu povinho dá-cá-minha-cuia, mais perto de tudo que me torna agradável a vida. Ficou lá nas alterosas o rastro de uma dúzia e meia de livrinhos, de contos, crônicas, romance, palavreado roceiro e literatura infantil, já preparando os futuros leitores, pois os jurídicos não ponho na conta.
Mas o ingresso na magistratura capou as pretensões de andejo, e fiquei na terra dos xerentes um bando de tempo.
É isto aí. Todas as cartas de leitores eram respondidas com carinho e o mais imediato possível, e algumas foram guardadas debaixo de sete capas, pela preciosidade que encerram, como é o caso das de Carmo Bernardes e desta última, de Bernardo Élis, que assume o papel de autêntico troféu.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])