A denúncia pela arte
Redação DM
Publicado em 3 de fevereiro de 2022 às 15:20 | Atualizado há 4 anos
No quadro “Susana e os Anciãos”, de Artemisia Gentileschi, artista italiana do período barroco, se vê a representação da parábola de Susana do livro do Antigo Testamento – que relata a situação de uma mulher casada com um rico morador da Babilônia, assediada sexualmente por dois juízes que frequentavam sua casa. Ao recusar as investidas dos dois, foi falsamente acusada de adultério. Segundo a Bíblia, Susana só escapou da morte por apedrejamento por intervenção do profeta Daniel. Ele teria sugerido que os dois fossem interrogados separadamente e questionados sobre em que árvore do jardim teriam visto a consumação do adultério. Como não haviam combinado os detalhes da história, caíram em contradição e Susana foi inocentada da acusação.
Em 1611, a artista que pintou o evento traumático de Susana, foi estuprada pelo também pintor, Agostino Tassi. O relato de Artemisia Gentileschi, há mais de quatro séculos, diz que o estuprador “Trancou o quarto a chave e depois me jogou sobre a cama, imobilizando-me com uma mão sobre meu peito e colocando um dos joelhos entre minhas coxas para que não pudesse fechá-las. E levantou minhas roupas, algo que lhe deu muito trabalho. Pôs um pano em minha boca para que não gritasse. Eu arranhei seu rosto e arranquei seus cabelos.”
Artemisia demorou para denunciar seu algoz e quando o fez, viu sua denúncia ser questionada abertamente, sofreu com a indiferença e a rejeição do mundo artístico de sua época por ser mulher e ainda viu seu agressor livre para viver longe do problema, uma vez que o juiz lhe deu a chance de escolher entre uma sentença de cinco anos de trabalhos forçados ou se exilar de Roma. Ele preferiu o exílio.
De toda forma, Gentileschi, com sua arte, ajudou a inscrever na história a violência por ela vivida e, portanto, contribuiu para que os outros recordassem aquilo que eles gostariam de esquecer. Ora, as narrativas históricas, ao “retirarem os esqueletos dos armários”, quando fortemente difundidas, asseguram a consciência crítica das novas gerações, contribuindo para que as violências vividas, registradas e difundidas, não se repitam.