Brasil

DE NOVO O NOVO

Redação DM

Publicado em 15 de janeiro de 2017 às 00:15 | Atualizado há 7 meses

“Dai-me Senhor a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida par um novo avanço”

GABRIELA MISTRAL

(Poetisa Chilena)

 

Caro leitor

que, o terrível, 2016 seja como as ondas do mar, a que se refere Mistral: um impulso para novos avanços que virão em 2017.

 

Feliz Ano Novo

Elizabeth Caldeira Brito

 

NESTAS FESTAS DE FIM DE ANO

cumprimos solidárias promessas,

sonhos humanos de estima fraterna

e desinteressado amor.

Invocamos os mitos amorosos de esperados profetas,

crentes nas possíveis manhãs para renascer.

Por momentos, enquanto é farto o pão,

embriagante o vinho,

infinitas as luzes,

vivemos dias sem remorsos.

Não estão à nossa mesa os desterrados do mundo,

os desertados do amor.

Não vêm à ceia abastada

os miseráveis das ruas, os refugiados sem abrigo.

Nossos gritos de exaltação,

nossas salvas e vivas não incluem a mudez

que cala a injustiça.

Fazemos votos de amor perene

e de perene encontro de corações e almas.

Nada disso nos absolve.

Nada nos conduz

à utopia original que desenhamos

no abandono humilde de uma manjedoura de Belém.

Nada disso nos comove mais.

E de alguma cruz de atroz e luminosa memória

amanhã, outra vez, conciliados,

NOS ESQUECEREMOS.

O TEMPO

o tempo

tecendo vento

tecido-tempo

ora eterno

ora momento

ora vento…

 

a ter flores nas mãos

LETRAS

Depois de dormido o dia apagado,

Sonhar com o amanhã novo,

Repouso, em voo baixo,

Toda a carga oprimida das letras.

O teclado é imenso.

OS ANOS

Os anos

Aonde foram os anos

Chama dos espelhos

Girassóis na garganta

Beijo

Frio toque de mármore?

 

Espigas cintilavam

Buliam pássaros no arroio

Sobre árvores inquietas

Pássaros

 

Que sombra

Encantada cheia de revérberos

Na boca

Os meses

Expunham os seus frutos

E a época do amor era construída

De todos eles Primavera que nunca

Refluía uma beleza perene

O gosto do mel nos dedos

Guardava o perfume da flor e

Seu hálito de intimidade

Quase humano

Os anos

Aonde foram os anos?

A LÁGRIMA E O BÚSIO

Em tudo o que desponta,

auspicioso e novo,

perdura o velho, falso morto.

 

É isso

que  me diz a onda

agasalhando a maresia.

 

É essa

a lição do infinito

que recebo das ilhas.

 

Nada em nós

é mais antigo que o mar.

 

Eis porque nascemos num pranto:

– a lágrima

é uma semente do oceano.

ANO NOVO

fui ver a avenida

a multidão sorria e se

cumprimentava,

meus amigos

conversavam…

e eu,

eu me sentindo um nada

(afim de voltar pra casa)

 

ano novo…

eu, o mesmo

É TEMPO DE PERDÃO

É tempo de perdão pelo tempo perdido

É a perda de tempo que nos mantém cativos

Não o tempo sem valor ou a chance fria

Mas o tempo do coração em queda livre

É tempo de perdão pela vida no exílio

Tempo sem razão do obscurantismo

Tempo escoado pela falta de um grito

A fala enterrada do tempo partido

É tempo de perdão pelo que poderia ter sido

Por jogarmos o tempo pela janela de vidro

Onde não vemos o tempo que o vento sibila

E perdemos a canção sem tempo nem brilho

É tempo de perdão pelo poema sem sentido

A palavra que o tempo repassa sem ruído

Pelo tempo que arranjamos longe do espírito

Esse tempo não redime o estranho convívio

É tempo de perdão para dizer meu amigo

De construir uma fogueira do tempo antigo

Que se aviste de longe, no tempo redivivo

E que nos faça curar o tempo e sua ferida

É tempo de perdão no ano que se fina

Tempo de comunhão mesmo que termine

Quando temos tempo no instante tísico

É só um aperto de mão no tempo assassino

É tempo de perdão, venha ter comigo

Algum tempo que desperte a pedra insensível

E que tenha tempo composto no capricho

mesmo que o tempo devore seus filhos

É tempo de perdão e não de arrependidos

É tempo de oração, do pão que é repartido

Lugar comum do tempo, feito de granito

Onde pousamos o rosto do tempo infinito

Do livro PARTIMOS DE MANHÃ

(IEL/Corag, 2012)

 

A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritora, acadêmica Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã. Esta é a 253ª edição (desde 08/01/2012). [email protected]

 


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