Brasil

Descrições, memórias e sentimentos

Redação DM

Publicado em 18 de janeiro de 2017 às 01:35 | Atualizado há 7 meses

Nas páginas antológicas da terra goiana, há vários escritores que deixaram suas marcas importantes em nosso meio e que não podem ser esquecidos; muito embora haja um cânone que determina os estilos de cada um; seja em memórias, descrições, biografias, crônicas em relatos de dias passados.

Esses autores merecem todo nosso respeito e admiração, mas ficaram perdidos no tempo em amareladas páginas antológicas.

Os seus trabalhos tão antigos se perderam no emaranhado dos dias e seus nomes também foram olvidados na onda avassaladora dos dias de agora.

Assim, na voragem do tempo tudo parece se perder, não fosse o registro que fica, nas páginas simples, amarelas e esquecidas dos velhos alfarrábios.

Derval Alves de Castro foi um poeta, contista e historiógrafo goiano, destacado por sua preocupação, na época, com a evocação do Cerrado, das espécies nativas, com a devastação, num tempo ainda que tais fatos pareciam absurdos e a natureza goiana inabalável ante a ação depredadora do homem.

Nasceu este escritor na Cidade de Goiás, antiga capital do Estado, em 28 de abril de 1896, filho de Augusto Alves de Castro e Delfina Maria de Castro. Estudou com a mestra Inhola, além do Lyceu de Goiás. Também estudou no Ginásio Diocesano de Uberaba, diplomando-se mais tarde na Faculdade de Engenharia de Juiz de Fora e ainda depois, em 1936, em Direito, em Goiás.  Trabalhou em Pernambuco e foi funcionário da Estrada de Ferro Goiás. Pertenceu à Academia Goiana de Letras e faleceu no Rio de Janeiro em 1952, aos 56 anos de idade. Escreveu os livros Anais da comarca do Rio das Pedras e Páginas do meu sertão.

Neste último, em grande parte do mesmo, evoca, com singeleza e lirismo, os elementos constituintes da cultura cerradeira, os costumes, hábitos, modismos, folclore, fauna e flora sertanejas, com destaque para as flores e as orquídeas nativas. A começar pelo próprio título, o autor configura o sertão encerrado na literatura em páginas de admiração e singularidade, com a pena a serviço da análise da paisagem goiana num tempo em que se começava, ao certo, a exploração desenfreada dos recursos naturais e o sertão ia aos poucos saindo do ideário do sonho e do fabulário, para se constituir, economicamente, como celeiro do país.

Até mesmo singularidades de certas plantas foram destacadas: “Dentre eles o cipó-d’água, o mata-sede que é preciso conhecer e saber aproveitar, pois se cortado em baixo terá toda a sua seiva benéfica e refrigerante imediatamente sugada no alto”.

Ainda sobre o cipó, d’água, o autor evoca com singeleza e romantismo, próprios do texto literário, ao propiciar características singularmente humanas aos seres de outra categoria, fato possível apenas na ficção. Há beleza e singularidade ao destacar sobre a planta: “As flores, com o findar da primavera, vão perdendo a coloração. De rubro-vivas que são, passam, a roxo-violáceas, para depois murcharem numa lassidão fúnebre de poesia morta. Agora, ei-lo a mitigar-nos a sede com a água salda do tronco sinuoso. São lágrimas que verte como que pranteando a primavera que o verão enterrou, num esplendor de luz e athermasia. E a gente, então, tem pena do cipó-d’água”.

Mas, não só de lirismo exacerbado e romântico viveu o narrador. Também, o mesmo evocou a vida difícil do homem do campo com suas mazelas, abandono sofrimento e tristezas, ao fazer uma comparação com a guariroba: “Razão tinha, dizia seu Bino, o Moisés Santana, em afirmar que o sertanejo é um ser essencialmente sofredor e que não só come a margosa guariroba, como suporta pacientemente os amargos da vida”.

Derval de Castro destaca ainda em sua obra antiga e desconhecida das atuais gerações goianas sobre os cheiros, perfumes e essências das plantas do Cerrado que, infelizmente, são bem mais raras nos dias atuais, dada a crescente destruição desse importante Bioma: “marmelada-cachorra Marmelada-de-cachorro: “Bem perto desse campo, escondida pelas moitas das marmeladas-cachorras, entrelaçadas pela ramada verde-negra de baunilhas recendentes”.

Derval de Castro é um nome singular para a Literatura feita em Goiás, no que tange ao regional e ao local, numa produção eivada pelo lirismo e pela linguagem rebuscada, propiciando uma bela descrição das variedades e da riqueza do Cerrado no tempo do ontem.

E o regional se constitui como uma tríade dimensional, em que aparece apenas com nuances geográficas, telúricas e universais; a saber, a dimensão e o desenvolvimento ao longo do tempo, na recriação dos conceitos humanos. No caso específico de Derval de Castro, se configurara como o telúrico. Não havia, naquele tempo, o destaque universalizante.

Outro nome admirável foi Zoroastro Artiaga.

Ilustre pesquisador, ele deixou uma obra de relevo que ainda hoje engrandece os estudos dessa importante ciência e demonstra o quão prodigiosa foi sua pena e sua lavra, no que tange aos primeiros estudos sobre as possibilidades econômicas, estatísticas, físicas e culturais de Goiás.

Natural da antiga Curralinho, hoje Itaberaí, Zoroastro Artiaga se destacou desde cedo em seus estudos realizados na antiga capital, Cidade de Goiás, tornando-se um pesquisador nato. De origem humilde, para custear seus estudos e permanência em terra estranha, trabalhou nos Correios e Telégrafos e, mais tarde, como telegrafista; oportunidade em que conheceu diferentes realidades e utilizou esse conhecimento ao bem da Geografia.

Fixando-se em Catalão, ali fundou jornal e iniciou suas pesquisas e foi escrivão do crime por oito anos. Por perseguições políticas que não toleravam sua inteligência e suas cobranças, mudou-se de Catalão novamente para a Cidade de Goiás. Continuou como pesquisador, como funcionário público e como jornalista. Deixou na imprensa goiana um rastro luminoso de sua passagem em estudos acurados sobre as possibilidades históricas e geográficas de nosso Estado. Foi um dos primeiros a estudar, também, profundamente o Bioma Cerrado.

Era, também, advogado; fundou a Associação Goiana de Imprensa e a Academia Goiana de Letras, como autêntico pioneiro. Na área da Geografia deixou os seguintes livros: Geologia Econômica de Goiás; Dos índios do Brasil Central; Riqueza Vegetal do Planalto Central; Contribuição para a História de Goiás; Monografia Histórica e Geográfica da Nova capital; Geografia Econômica; Dos minérios de Radium de Goiás; História de Goiás, em 5 volumes; Revolução de 1909; Etnologia Goiana e Rios Araguaia e Tocantins.

Durante sua trajetória, o historiador passou por fases distintas, chegando inclusive a fundar em sua terra natal, o periódi¬co O Repórter, que pouco durou. Envolvido com a histó¬ria, seus dados biográficos re¬gistram passagens por fun¬ções bem distanciadas como escriturário, telegrafista e professor de Direito, profissão que abraçou em 1929, data em que se formou na Facul¬dade de Direito de Vila Boa.

Uma pessoa atuante que ti¬nha um interesse especial pe¬la geologia. Por esse motivo, em 1933, Zoroastro Artiaga acabou por ser co-fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

Incansável, Zoroastro Artiaga colaborou com 37 órgãos, entre jornais e revistas, no seu processo de vivência. Deixou inéditas obras como: História de Goiás, III, VI e V; Origem dos índios do Brasil Central, Caçadas e Pescarias, Usos e costumes de Goiás, Minérios e minerais de Goiás; Fauna Ictológica de Goiás, Valor e heroísmo do soldado goiano; Vida de Dom Eduardo Duarte da Silva em Goiás, Influências civilizadoras do clero e da Igreja Católica nos primórdios de Goiás.

Como geólogo, Zoroastro Artiaga conseguiu enumerar varias jazidas dentro das fronteiras goianas. Um homem múltiplo, que exerceu funções díspares, como suplente de delegado de policia, em algumas cidades do interior goiano.

A obra de Zoroastro Artiaga em todo o seu conjunto de significados, muito representa para a história da Geografia em Goiás. Num trabalho de resgate da memória goiana e de suas potencialidades econômicas e geográficas foi o grande acervo desse pesquisador incansável.

Durante sua trajetória, Zoroastro Artiaga foi múltiplo, jornalista, geógrafo, historiador, pesquisador, escritor, advogado. Era um polemista e desagradava os donos do poder. Urna pessoa atuante que ti¬nha um interesse especial pe¬la geologia. Na imprensa colaborava quase que diariamente, ao destacar coisas e fatos de Goiás.

Lutador, Zoroastro Artiaga colaborou com 37 órgãos, entre jornais e revistas, na sua longa e proveitosa vida. Como geólogo, conseguiu enumerar várias jazidas dentro das fronteiras goianas. Um homem múltiplo, que exerceu funções díspares, como suplente de delegado de policia, em algumas cidades do interior goiano. Não tinha medo do trabalho e, também, lecionou Geografia no Lyceu de Goyaz por alguns anos.

De sua lavra, podem ser destacados importantes trabalhos que, ao longo do tempo, se fizeram importantes em relação ao Cerrado, como a destacar o valor medicinal de nossas madeiras e nossas florestas e campos cerradeiros: “Grande é a nossa riqueza e essências florestais. O revestimento florístico é variadíssimo e contém inúmeros indivíduos que ocorrem nas mesmas latitudes do outro lado da terra com caracteres diversos devido às suas condiões mesológicas”.

Zoroastro Artiaga  enumerou as plantas medicinais existentes no Cerrado do Brasil Central, catalogou e estudou as mesmas ao bem da medicina e da Geografia em todo o mundo: Amarelinha, alecrim, almécegas, arnica, açafrão, Azedinha, amaro leite, amaranto, arruda, amendoirana, avenca, articum, algodãozinho, almecegueira, artimígio, baunilha, amburana, barbatimão, batatinha, bico de urubu, beldroegas, cânfora, cardamomo, cana de macaco, copaíba, canela de ema, coroa de frade, caroba, carrapicho, chá de mineiro, congonha, catuaba, cagaiteira, cipó carijó, caraíba, cotócotó, caracaxá, cordão de frade, cambará branco, calunga, douradinha, capeba, cainça, crista de galo, cidreira, caraíba branca, capim navalha, funcho, fícus, fava, fumo, genciana, genipapo manso, goabeirinha do campo, gengibre, gravatá, erva andorinha, erva benta, erva de bicho, erva de passarinho, erva de rato, conta de lágrimas, hortelã, imbaúba, inhame, jatobá, joá, jurubeba, jalapa, laranjeira do campo, lixeira, lixinha do campo, leite vermelho, losna, malva, manacá, mostarda, Mangerona, marcela, mangaba, marapuama, mandioquinha do campo, mandioca brava, mata pasto, manjericão, milhomes, melissa, mentrasto, ovo de pomba, ora-pro-nobis, olho de santa Luzia, perpétua roxa, purga de lagarto, poaia, plumeira, purga de pinhão, panaceia do mato, pimentinha, parreirinha, pé de perdiz, resina de jatobá, ruibarbo, samambaia, sassafraz, salfato do campo, suma, salsaparrilha, sucupira, tomba, tiborna, timbó, tamarindo, torruda, tucum, tripa de galinha, tacarí, urucum, unha de boi, velame, vassourinha.

De todas essas plantas, ainda no ano de 1947, Zoroastro Artiaga estudou cada uma; enumerou seus dados científicos, sua área de concentração no Cerrado, os usos medicinais e os dados terapêuticos. De fato, um trabalho de fôlego.

Também, Zoroastro Artiaga enumerou e classificou as “madeiras existentes em Goiás, nos revestimentos florísticos de cobertura, de cerradão e matas”, como assim determinou: Aroeira vermelha, aroeira branca, areoeirinha, Angelim, angico branco, antambu, amburana, baru, bálsamo, breu do campo, barbatimão, braúna, caparosa branca e amarela, cega machado, cedro, cangica, carijó, canela amarela, canela preta, carvoeiro do mato, carvoeiro do campo, cascudo, capitão do mato, coração de negro, capoeirão, cazil, folha de bolo, gencelim, genipapo do mato, ingá, garapa, calumbi, chapada, conde do mato, casco de anta, cabiú, caraíba, faveira, gameleira, goibeira, invira, ipê, imbirussu, imbaúba, jacarandá, jatobá, jacaré, jangada, louro, landi, lixeira, limoeiro, mutuqueira, Moreira, Maria preta, marinheiro, mutamba, mandiocão, nó de porco, óleo pardo, pau d’óleo, olho de cabra, pau de areia, pau Brasil, pau d’alho, pau roxo, pau ferro do mato, pau de sasafraz, pau rosa, papirus, paineiras, pitangueira, pindaíba, piqui, piuna, peroba, pau terra, quina, Santana, sucupira, sapucaia, tamboril, vinhático do mato, vinhático do campo, vaqueta.

Em todas, o autor enumerou, classificou cientificamente, destacou as qualidades, o uso econômico e até histórias de algumas, com curiosidades e folclore. Em algumas ressalta inclusive o surgimento.

Em seguida, Artiaga ressaltou a relação das palmeiras existentes nos matos e cerrados de Goiás como dendê plassava, rasteira, sagu do Cerrado, palmito do brejo, bacaba, palmito de mata virgem, guariroba ou gueroba, maquiné, gerivá, babaçu do mato, babaçu do campo, coqueiro catarro, macaúba, indaiá, ariri, tucum do mato, acuman, buriti de gaiola, espinho de agulha.

Assim, o autor ressalta sobre cada qualidade de plantas do Cerrado, com o intuito de informar, preservar e elucidar sobre suas histórias; algumas bem interessantes.

Também de grande valor foi a obra de Hermano Ribeiro da Silva.

Jornalista na capital de São Paulo, mas nascido no ano de 1902, em Ribeirão Preto, Hermano Ribeiro da Silva foi um notável escritor e defensor dos índios e dos povos do Cerrado. Fez acurados estudos sobre os usos e costumes dos povos cerradeiros, sendo um pioneiro nesse ramo.

Formou, nos anos de 1930, uma expedição para penetrar no território dos então temidos índios Xavantes. Seu livro Nos sertões do Araguaia, foi um dos primeiros a desvendar os mistérios do grande oeste, região bravia então. A obra teve repercussão nacional e serviu para abrir ao litoral brasileiro, o ideário de sertão, até então equivocado e sobre as peculiaridades do Cerrado.

Hermano Ribeiro da Silva faleceu em plena expedição no dia 24 de novembro de 1937, aos 35 anos de idade, em Cocalinho, sendo sepultado em Leopoldina, hoje Aruanã.

A narrativa do livro Nos sertões do Araguaia, escrito nos anos de 1930 pelo escritor paulista Hermano Ribeiro da Silva, coloca o Cerrado em destaque em suas longas e acuradas descrições, em especial o Araguaia de outros tempos,a partir da perspectiva geográfica do Porto de Leopoldina, hoje Aruanã.

Sua narrativa recheada de tons e nuanças literárias, conta sua chegada a Aruanã com um amigo, a compra de uma canoa velha que foi calafetada, a viagem até a Ilha do Bananal com descrições da vegetação da região, a desistência do amigo paulista nesse trecho da viagem e a chegada a Santana do Araguaia.

Daí em diante, Hermano segue num batelão conduzido por índios conhecedores da região, que se divertem jogando cascas de banana no chão para o viajante cair. Identifica, na descrição, o Cerrado, as plantas altas vistas a partir do batelão, as árvores das matas ciliares, os frutos de jatobá, caídos no rio, outros frutos dos campos também descritos pelos índios no uso cotidiano; toda a riqueza do Cerrado goiano, destacada por meio de um jogo de perguntas e respostas com os índios. Hoje se identifica, historicamente, que a maior parte dos povos indígenas do Cerrado concentra-se no Parque Indígena do Xingu. Com 26,4 mil quilômetros quadrados no norte do Mato Grosso, na transição entre o Cerrado e a floresta Amazônica, o parque foi criado, em 1960, graças aos irmãos sertanistas Villas Bôas, e abriga 16 povos.

Silva, também narra sobre alguns bichos do Cerrado, diferentes, em especial o lobo guará, que naquele tempo era comum nas matas e campos goianos e também de Mato Grosso. Narra o mesmo que este animal deveria ser símbolo do Cerrado, destacado como um ser solitário, diferente, esquivo, arredio, sem bando, que só se aproximava cautelosamente dos humanos na busca de comida e nem assim. Foi também descrito por Carmo Bernardes como “um cachorrão natural dos campos gerais, responsável, com seu urro bufado, pela melancolia das noites geralinas”.

O autor lembra o projeto de Couto de Magalhães no século XIX sobre a navegação do Rio Araguaia, e o princípio de imensas erosões, ainda naquele tempo, há 85 anos, que começavam a se formar, fato também descrito mais tarde por José Mauro de Vasconcelos em seus romances sobre os índios e os costumes da região do Araguaia, assim como Leolídio Di Ramos Caiado, nosso sertanista maior.

São as imensas voçorocas de hoje, que chegam a mais de cem, cada qual com quilômetros de extensão e dezenas de metros de profundidade. Tudo fruto da ganância humana em desmatar as margens na construção de pastagens ou lavoura. E ainda é um problema natural, pois a região é do período Quaternário e tem um problema de dejeção de areia de baixo para cima.

O autor, em 1930, ainda destaca sobre o perigo do desmatamento sucessivo e do mau uso da terra, com o perigo de desaparecer o Cerrado. Não imaginaria ele a verdade de seu relato, já que, hoje, 85 anos depois, o Cerrado parece condenado, já que foi quase totalmente destruído pelo recente avanço da cana-de-açúcar que acelerou ainda mais o desmatamento nos dois estados de Mato Grosso, além de Goiás, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia, quando a expansão poderia perfeitamente acontecer em áreas de pastagens, em que o índice de degradação está em torno de 70% do total. A produção de carvão para siderúrgicas é outro sério problema. Tudo isso concorre para a perda da biodiversidade, com devastações terríveis a começar pelo clima e pela água.

E, talvez, todo esse drama silencioso e sem alarde do fim do Cerrado venha do ideário de inutilidade do mesmo, como paisagem triste, árvores feias, cascudas e tortas; vegetação inútil e desagradável, campos sujos, macega, capoeira; no pensamento de que, não servindo para nada, pode ser dizimado.

A narrativa de Hermano Ribeiro da Silva serve, a seu tempo, como alerta ao fim de uma geração, de um povo e de uma cultura.

Outro autor a destacar sobre Goiás foi Guilherme Ferreira Coelho, que nasceu em 1895 na Cidade de Goiás, filho de Joaquim Ferreira Coelho e Antonia Ludovico de Almeida. Formado em Direito, advogado, realizou viagem pelo antigo norte goiano no ano de 1937, quando narrou as peripécias da mesma em um diário, publicado no mesmo ano, em que,em certos momentos, realça os detalhes da paisagem do Cerrado nesses perdidos rincões.

Inicialmente, o narrador delineia historicamente o Estado de Goiás de então, seus limites geográficos, sua posição no Brasil. Em seguida, destaca sobre o Rio Araguaia distante, ao evocar sua solidão até então perene, entrecortada pelo barulho das embarcações numerosas que o singram: “Na actualidade, já não é só o barulho das águas e o roçar da briza nas ramagens que põem termo ao silêncio da solidão, daquela estrada em movimentação. No seu leito, velozes singram, várias embarcações”.

Ao ser destacado juiz municipal de São José do Duro, hoje Dianópolis, Estado do Tocantins, Guilherme Ferreira Coelho enfrentou mais de novicentos quilômetros de viagem sertão adentro, ocasião em que narrou as peripécias e as paisagens por onde passou. É um importante relato sobre o antigo norte goiano de quase cem anos passados, já que a viagem teve início no dia 30 de julho de 1918.

Nos seus cismares ao sair de sua terra e enfrentar a inospidez dos sertões em pleno conflito – era tempo do “Barulho no Duro” – revolução que houve no antigo norte goiano, narrada no romance O tronco, de Bernardo Élis, o autor evoca a natureza rústica para narrar seus pensamentos conturbados: “Pus-me a ouvir o marulhar das águas de um rio e a observar, distante, as grimpas da Serra Dourada, já clareadas pela lua. Junto a uma árvore, que o estio lhe arrebatara a folhagem, em atitude de meditação, pus-me a scismar”.

Ao relatar sobre a seca no sertão e nos cerrados, o autor ressalta sobre a força da natureza a suportar a canícula dos dias ensolarados, ao dotar as árvores de sentimentos humanos, fato típico dos textos literários ou ficcionais: “Quando em transito, na manhã seguinte, da grimpa da serra negra, contemplamos os primeiros clarões do sol que trazia ressequida a terra. Os galhos dos arbustos despidos das roupagens que lhes dão as folhagens, voltados para cima, pareciam implorar ao Todo Poderoso, a vinda do líquido precioso, que lhes traria, as que o estio lhes tomara, e, jogadas ao solo, motivavam a superfície cobrir-se de lucto,com o desaparecimento da baixa vegetação, consumida pelo fogo lançado por mãos impiedosas”.

Continua o narrador com seus toques poéticos dos antigos Cerrados hoje destruídos: “As cigarras entoavam os seus primeiros cantos. E na várzea da baixada contígua, na fímbria da serra, os pássaros, contentemente, saudavam aquele bello amanhecer, com harmoniosos piados”.

Na passagem do Rio Maranhão, o autor destaca a beleza das matas que ainda existiam nas margens dos rios de então: “No porto, às margens desse lindo rio, alvas praias se alongavam sombreadas, aqui e acolá, pelas ramagens de velhíssimas e frondosas gameleiras e outras seculares árvores. A montante e a jusante dessas mattas cobrem os terrenos marginaes, attestando mais a sua inigualável riqueza”. É a visão do autor, em relação à natureza intocada até então, quando as margens dos rios eram preservadas e não havia tanta destruição como se acelerou, infelizmente nos últimos cem anos pela incúria humana.

Cumprindo sua missão, Guilherme Ferreira Coelho descreve todo o norte, abrindo um apêndice para narrar o conflito em São José do Duro, hoje Dianópolis, assim como para evocar a beleza do sertão no norte, tão longe e esquecido, como uma parte apagada do Brasil daquele tempo.

Outro destacado estudioso desse tema foi o Padre Victor Coelho de Almeida.

Personalidade sui generes nas letras e na historiografia goiana, Victor Coelho de Almeida se destaca pela profundidade e pelo senso de observação acurada de seus estudos sobre o Estado de Goiás. Carioca, nasceu em 8 de setembro de 1879, filho de Aristides de Melo Moraes e Maria Noelina Coelho de Almeida e Silva. Estudou ele no Lyceu de São Cristóvão, seguiu para Paris, onde estudou numa escola presbiteriana.

Numa mudança brusca, ao voltar para o Brasil, matriculou-se no Seminário Santa Cruz de Goiás, da velha Vila Boa, onde se ordenou padre em 1895. Viajou para Roma onde estudou no Colégio Pio Americano. No Rio de Janeiro foi Reitor do Seminário e cônego da Catedral Metropolitana. Numa nova mudança, em 1914, largou o celibato, se casou e teve uma filha.

Transferindo-se para Salvador, voltou a frequentar a Igreja Batista, passou a ser pregador, fundando no Rio de Janeiro uma igreja Presbiteriana. Numa nova mudança, passou a ser católico novamente e em 1928 voltou a Goiás, passando a residir em Anápolis, depois Silvânia, eleito Deputado Estadual, professor, escritor e fundador da Academia Goiana de Letras. Faleceu em Campinas, bairro de Goiânia, em 1944, aos 65 anos de idade.

No ano do Batismo Cultural de Goiânia, 1942, Victor Coelho de Almeida publicou seu livro Goyaz, usos, costumes, riquezas naturais – Estudos e impressões pessoais, com o selo da Livraria Revista dos Tribunais de São Paulo, com a chancela do governo do Estado, Pedro Ludovico Teixeira. Na capa do mesmo, a efígie da Pedra Goyania, símbolo geológico maior do Estado, de insuperável equilíbrio, na Serra Dourada, criminosamente destruído mais tarde. No ideário do autor, a mesma representava o coração da terra doando ao mundo o nome de Goyaz.

A obra inicia-se com a revivescência histórica da formação do povo goiano, depois o relato de uma viagem em 1892 em que Goyaz era “semideserta região, selvagem, com índios bravios ou mansos cruzando os sertões, com onças e bichos”, além de descrições de vilas como Abóboras, Alemão, Crixás; a descrição dos costumes sertanejos, a dança do catira, os reinados, reisados, folias, cavalhadas, a velha Vila Boa, a demografia e os aspectos urbanos da antiga capital.

Na viagem de 1892, além das descrições técnicas e científicas dos lugares, como literato e poeta, descreve o cenário sertanejo e a paisagem rural, com indescritível lirismo e cadência de uma linguagem derramada em plurissignificaçao: “Para o viajante em suas longas jornadas cálidas através dos chapadões, o buriti anuncia o oásis, em que, certamente encontrará um manancial de água potável. Essa palmeira só vegeta em lugares frescos, nas cabeceiras e no percurso dos córregos, formando de ordinário extensas e belíssimas veredas, franqueadas de prados virentes. Numa dessas veredas, entre os rios Verdinho e Turvo, avistamos ao longe, um cervo branco, pastando. O cervo totalmente branco é considerado grande raridade”.

E comenta ainda o autor sobre o buriti, seu valor para a região, não somente com as suas veredas de rara beleza, como, também, suas variedades e o potencial econômico. Poético ainda, destaca o mesmo como “uma das mais formosas palmeiras de Goyaz com caule erecto, reto, ligeiramente cilíndrico desde a sua base, com rica folhagem bem distribuída, tendo cada folha uma haste de mais de metro e meio, terminada em duplo leque amplo e muito elegante”.

O buriti tem destaque na literatura nacional. Belíssimas descrições foram feitas por Afonso Arinos em O buriti perdido, em que os evoca como se fossem “uma tribo de índios em marcha”, tal alinhamento apresentam na planura do Cerrado, ou como em seu livro de memórias, os evocou como buritis em fila, caminhantes dos ermos, tal a beleza sugestiva que apresentam, ou como cantou o poeta José Bonifácio, o velho: “Ainda restam sobreviventes buritis, como guerreiros de emplumados elmos”.

Páginas seguintes, destaca Victor Coelho de Almeida sobre o valor das plantas como remédio no sertão, como o gengibre, o açafrão, a lixeira, jatobá do Cerrado como planta medicinal, a congonha que “vegeta nos cerrados e nos campos. Logo se destaca pelas suas folhas grandes, grossas e enrugadas, quebradiças e barulhentas, dando-lhe também o nome de bate caixa”. Relata ainda sobre a cortiça, a arnica, o mate do mato, a baunilha, a poaia e o barbatimão. Fala ainda das árvores das matas mais altas, dos campos e dos arbustos do Campo sujo.

Poeticamente, destaca também Almeida (1944, p. 182) sobre o canto da acauã, sonoro e triste, nos campos e cerrados de Goiás: “Acauã. A mais barulhenta das aves do sertão. Vive em pequenos bandos, pousada em altas árvores, perto de desbarrancados ou dos matos. Dali, em coro, o bando solta sons estrídulos, como de pranto ou de brados de socorro. O povo supersticioso tem-na por ave agourenta. O acauã, contudo, é benéfico, mata e come cobras”.

A obra de Victor Coelho de Almeida se destaca pelo cuidadoso estudo sobre a flora do Cerrado e a investigação das peculiaridades sertanejas numa época já bastante remota e esquecida.

Esses autores, tão esquecidos no tempo atual, possuem páginas de extrema beleza e nostalgia em relação à terra goiana e merecem o nosso reconhecimento e respeito pelo muito que legaram nos sonhos e narrativas que se eternizaram no tempo.

 

(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado é graduado em Letras e Linguística pela UFG. Pós-graduado em Literatura Comparada pela UFG. Mestre em Literatura pela UFG. Mestre em Geografia pela UFG. Doutorando em Geografia pela UFG. Escritor, professor e poeta). [email protected])

 

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