Brasil

Do dito pelo não dito

Redação DM

Publicado em 17 de julho de 2015 às 23:25 | Atualizado há 10 anos

Toda palavra é um instrumento político. É do ser da palavra produzir convivência, continuidade, descontinuidades ou rupturas daí a relação intensa, profunda e profundamente íntima da palavra com a política. A palavra é dessa maneira, o instrumento primaz e primordial da política.

Pela palavra construo alianças, consensos e unidades. Reforço convivências e garanto forma e vida para novas. Mais do que um ajuntamento de signos com sentido objetivo e pratico a palavra é fluxo ininterrupto de símbolos e historicidades que confere existência inteligente e sensível àquele que a emite bem como àquele que a recebe e inevitavelmente a internaliza. Por isso, ouvir algo pode ser uma experiência profundamente perigosa.

A palavra é enfim, a nervura mais sutil da política e, definitivamente, não existe palavra sem uma densa substância política que lhe garanta conteúdo e autonomia. Não é estranho dizer que fazer política, e seja em que nível ou dimensão for, é de outro modo, disputar palavras, seus sentidos e compreensões visando alterá-las em favor de si, de algo ou de alguma causa.

Não casualmente os “melhores” políticos são os que mais e melhor sabem andar nos delicados labirintos das palavras porque se bem entendidas, enunciadas e comunicadas, elas, as palavras, adentram nos juízos alheios, impregnam as sensibilidades daqueles que as internalizam e a metamorfose mais fantástica e impressionante ocorre no interior deste ser humano porque a “química das palavras” faz e refaz compreensões, condiciona comportamentos, altera sociabilidades.

Desse processo, verdades são desfeitas, outras e novas surgem, convicções desaparecem enquanto outras se afirmam, as percepções do indivíduo em causa são aprimoradas e as eternas auto-avaliações são intensificadas e, enfim, um indizível rebuliço interno de valores e contra-valores se juntam, se anulam e se completam nos interstícios da interminável subjetividade humana.

O que faz o marketing moderno? Diz palavras com cores, nuanças e efeitos especiais. Dá sabor para o texto, põe nuvens, praias e muito prazer em todas as sílabas de uma palavra. Em todas as palavras de uma oração e em todas as orações de uma ideia geral. O marketing adoça o que não tem gosto, põe fragrâncias naquilo que é inodoro e garante lastro para vazios presentes nos vernáculos. Daí vende pedra como se fora pão, imundícies como se alimentos fossem.

Por exemplo… Vejam oradores em seus discursos! Observem a sua lógica, como palavras são encadeadas tal qual elos de uma corrente, identifiquem entonações e sentimentalismos que escoam sobre as palavras e como isso atinge aos ouvintes. Não tem jeito… Palavra é poder. Mas não é poder por si, porque o poder nunca e jamais é por si, ele é feito e compreendido pela articulação coerente e bem engendrada de potencias ou potencialidades humanas que passam a operar em prol e função de determinado tipo ou modalidade de poder.

Outa característica deste poder é que seus tributários operam, mesmo que não percebam, no seu serviço, na sua reparação, constituição e manutenção cotidiana, permanente e quase sempre inconsciente.

Assim são as palavras. Esses universos particulares cheios de crimes e culpas inconfessáveis ditas por mim, por você e por todos nós nos acionamentos automáticos da vida, que as emitimos sem identificarmos que na maioria das vezes vocábulos expressam e garantem força e legitimidade para determinado ordenamento social, político e econômico.

Por fim, palavras não são e jamais serão neutras. Sejam as ditas por mim, pelo jornalista do periódico matinal cioso por audiência, pelo religioso sempre entusiasmado por mais fieis ou pelo parlamentar interessado no próximo pleito eleitoral.

 

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

 

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