Em tempos de siqueirismo como se fabricava presidente de tribunal no Tocantins
Redação DM
Publicado em 9 de fevereiro de 2018 às 21:33 | Atualizado há 8 anosNo mês de novembro de 2002, recebi um telefonema, de certa forma surpreendente, do Des. Marco Villas Boas, que se achava em Dianópolis, noticiando-me que era candidato à Presidência do Tribunal de Justiça.
– Mas, como, se você é o segundo mais novo desembargador e na sua frente existem pelo menos quatro elegíveis?
De fato: dentre os mais antigos havia os Desembargadores Amado Cilton, Daniel Negry, Dalva Magalhães e Willamara Leila, que ainda não haviam sido Presidentes, e a Lei Orgânica da Magistratura dispõe que só são elegíveis para os cargos de direção de um Tribunal os três desembargadores mais antigos.
Nesse ponto – ainda pelo telefone – ele disse com uma segurança que me surpreendeu:
– Minha candidatura é como um trator de esteira descendo uma ladeira na banguela.
Dois dias depois, retornando de Dianópolis, onde se achava na casa do sogro (meu irmão Nélio), ele me procurou em casa, já de tardezinha, onde me comunicou que, por vontade do Governador, seria candidato a Presidente, substituindo o Des. Luiz Gadotti, quando ponderei que ele era ainda muito jovem, e, apesar de competente e estudioso, precisava ser um pouco mais maduro, principalmente porque seguramente iria causar inveja àqueles que gostariam de estar no seu lugar, pois ninguém perdoa o sucesso dos outros. Mas ele, alegando que teria todo o apoio do Executivo, insistiu na ideia.
Não me surpreendi quando ele me pediu para acompanhá-lo à residência do então Governador Siqueira Campos para conversarmos sobre o assunto. De início, recusei, pois eu não era o presidente do Tribunal, mas daí a pouco o próprio Siqueira estava no celular de Marco insistindo em falar comigo, e, por insistência dele, fui. E lá, sem demonstrar o mínimo entusiasmo, fui até um pouco ríspido quando o Governador falou eufórico:
– Seu sobrinho vai ser Presidente do Tribunal!
– O quê? Isto não é possível, Governador! Ele não está entre os mais antigos. Na verdade, ele é o segundo mais moderno não só em antiguidade como em idade…
Mais novo que ele, só havia a Desª Jacqueline Adorno, que fora escolhida e empossada poucos dias antes, no dia 14 de novembro.
Chegamos a discutir, já com certa aspereza, quando lhe disse que só votaria nele se fosse candidato legalmente elegível, mas que era contra isto, pois eu não iria atropelar a lei e deixar de votar nos candidatos mais antigos.
No meio dessas discussões, as relações se azedaram, quando o Governador alegou que sempre me prestigiara, a ponto de ter-me nomeado sem me conhecer e que se dera muito bem comigo, tanto que só recomendara meu sobrinho para desembargador em consideração à minha pessoa, quando ponderei que minha nomeação já havia sido paga com juros e correção monetária, pelo tanto que já sofrera na implantação do Estado e pelo desgaste de ser considerado siqueirista, ganhando até uma dezena de processos nas costas; e que a nomeação de Marco Villas Boas fora, seguramente, por sua capacidade, e não por ser casado com minha sobrinha e ser afilhado de ca-samento dele-Governador. A última frase que eu disse foi:
– Diante disso, Governador, não vou participar mais de nada no Tribunal e quando deixar a Presidência do TRE vou ficar literalmente “submerso”, pois se o Marco ganhar a eleição não vou querer fazer sombra a ele para tirar os méritos de seu sucesso nem participar de eventual fracasso. Vou hibernar.
E, de fato, renunciei a todos os cargos nas Comissões Permanentes e até devolvi as medalhas e comendas que me haviam sido outorgadas.
Saí dali e foi a última vez que o vi, passando o ano de 2003 inteirinho sem nos avistarmos ou conversarmos nem mesmo por telefone. E esse episódio foi o início do meu rompimento com Siqueira.
No dia 5 de dezembro de 2002 (penúltima sessão do ano), regimentalmente marcado para a eleição do Tribunal, as discussões acerca da inelegibilidade do Des. Amado Cilton levaram o então Presidente, Des. Luiz Gadotti, a suspender a sessão, num ato de autêntico ditador, por discordar da elegibilidade do colega Amado Cilton, apesar das lúcidas ponderações do Des. Carlos Souza, e vendo que os votos garantidos não iriam emplacar o novo candidato, encerrou abruptamente a sessão, adiando a eleição para o dia 19 de dezembro (fato inédito em qualquer Tribunal), pelo que ganhou quinze dias para fazer com o Governador as articulações e tentar reverter a situação.
Nesse intervalo que transcorreu entre as duas sessões, foram intensas as conversações, e no dia 19, quando se decidiria a escolha, o Des. Amado Cilton, já desiludido por duas recusas em eleições seguidas, quando ele foi considerado inelegível, decidiu prudentemente não concorrer, ficando no páreo os Desembargadores Daniel Negry, Dalva Magalhães, Willamara Leila e Marco Villas Boas.
Na hora da votação, o Des. Daniel Negry decidiu não concorrer à Presidência, seguido da Desª Willamara Leila, ficando formada a lista com os Desembargadores Dalva Magalhães e Marco Villas Boas, ganhando este último por um voto. Nas rodadas seguintes, face à recusa das Desembargadoras Dalva e Leila à Vice-Presidência, e à recusa do Des. Daniel (que preferia a Corregedoria), foi eleita a Desª Jacqueline Adorno, com um mês e três dias de ingresso na magistratura, fruto da “renúncia” dos mais antigos, fato inédito que só se viu em conchavos engendrados em política de aldeia. E por exclusão, embora com méritos de sobra para concorrer com outros candidatos para qualquer cargo, foi eleito Corregedor-Geral da Justiça o Des. Daniel Negry, que fez excelente gestão.
Assim foi eleito o segundo dos Presidentes ungidos pelo Executivo o primeiro havia sido Gadotti), os quais, embora com poder e autoridade, sempre administraram com o umbigo pregado no “Palácio Araguaia”, traziam um verniz de bionicidade, pelo atropelamento das regras estabelecidas pela lei específica, o que, de fato, é o que confere a legitimidade que só a escolha normal traz. E – curioso! – quem é escolhido ilegalmente traz no cerne uma boa dose de tirania e outra de narcisismo, pois não tem compromisso com a democracia.
Nenhuma crítica ao Des. Marco Villas Boas, que simplesmente aproveitou uma chance na sua carreira, sem entrar no mérito de sua gestão.
No dia 2 de dezembro de 2004, voltando a ser cumprida a lei, foi eleita presidente a Desª Dalva Magalhães, que se encontrava entre os três mais antigos.
Se viesse mais um “biônico” para presidir o Tribunal, seria melhor fechar as portas.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected])