Estátua polêmica acende debate sobre uso da História na Rússia
Redação DM
Publicado em 23 de junho de 2015 às 23:26 | Atualizado há 10 anosMOSCOU — O plano para erguer em Moscou um gigantesco monumento em homenagem ao príncipe Vladimir, figura medieval que se converteu ao cristianismo há mais de um milênio, dividiu a opinião pública da Rússia por razões estéticas, históricas, econômicas e políticas. Vladimir, figura de referência para a introdução do cristianismo no mundo eslavo oriental, morreu em 1015, e tanto a Ucrânia quanto a Rússia comemoram a data.
Fruto de uma iniciativa da Sociedade Histórica Militar da Rússia (SHMR), trata-se de uma escultura de 25 metros de altura destinada a ocupar um mirante próximo à Universidade Estatal de Moscou, em uma zona chamada de Colinas dos Pardais.
Ainda traumatizados por Pedro I — um monumento de 98 metros instalado em 1997 —, os moscovitas se mobilizaram em torno do novo artefato que apareceria em uma magnífico mirante sobre a cidade. Dezenas de milhares de pessoas, entre elas estudantes, professores e vizinhos dos bairros afetados, assinaram petições contra a colocação da estátua. Na internet, o site change.org registrou mais de 64 mil pessoas que, até segunda-feira, haviam apoiado os argumentos técnicos e jurídicos contra a construção, entre eles a instabilidade do terreno e as infrações urbanísticas envolvidas, já que afetaria a perspectiva do edifício central da Universidade, um dos arranha-céus que Stalin mandou construir no fim dos anos 1940. Vários grupos de cristãos ortodoxos se mostraram favoráveis ao monumento.
A polêmica sobre a estátua de Vladimir tem um pano de fundo político. Tanto a Rússia quanto a Ucrânia utilizam o a figura do príncipe para afirmar raízes sobre sua própria História.
— Chegou o momento de reconhecer nosso símbolo nacional, o símbolo do nosso Estado. Sua figura une os povo, não apenas de nosso país, mas também dos Estados irmãos da Bielorrússia e da Ucrânia, o que é muito importante no momento atual — destaca Mikhail Maigkov, diretor científico da SHMR.
De acordo com a lenda, após considerar diversas religiões, Vladimir se converteu ao cristianismo em 988 em Quersoneso, na Crimeia. Após a anexação da península em 2014, o presidente russo Vladimir Putin usou a conversão de Vladimir para justificar um suposto vínculo sagrado entre a Rússia atual e a Crimeia, ainda que o mesmo argumento possa ser empregado pela Ucrânia, já que na época, a capital da Rússia medieval.
— É como se a italianos e franceses brigassem pelo direito de se declararem herdeiros de Júlio César — afirma o historiador Daniil Kotziubinski. — Da mesma forma que o Império Romano deixou de existir com a invasão dos bárbaros, o mundo da Rússia de Kiev deixou de existir com a invasão dos mongóis, e a história de Vladimir não tem uma continuidade direta nos Estados modernos da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia. A influência dos mongóis foi desigual nos territórios que hoje formam esses países.
A SHMR, que tem como sócios fundadores os ministérios da Cultura e da Defesa da Rússia, foi criada por um decreto de Putin em 2012 e, entre suas finalidades está a “consolidação das forças do Estado e da Sociedade” para o estudo da História e para “se opor às intenções de deformá-la”, assim como a promoção da “educação patriótica”. Por trás do projeto dedicado ao príncipe cristianizador, o historiador Vladimir Dolin enxerga “uma homenagem a Putin e uma justificativa de sua política na Ucrânia”. Há, inclusive, quem acredite que seu verdadeiro fim é outro: apoiar uma ideologia monárquica na Rússia.