Gabriel Nascente: o poeta da inquietação
Redação DM
Publicado em 29 de junho de 2016 às 02:48 | Atualizado há 9 anos
Uma das mais significativas alegrias que me proporcionou a atividade cultural no Tribunal de Justiça de Goiás foi conhecer pessoalmente o poeta Gabriel Nascente, e privar de sua amizade, estreitando laços de recíproca afeição. É claro que já o conhecia, de longe, porque não existe diletante da literatura ou leitor de jornal em Goiás que não tenha ouvido falar de Gabriel, poeta e cronista com cinquenta anos de incessante atividade literária na capital goiana.
Imortal da Academia Goiana de Letras e da União Brasileira de Escritores-Seção de Goiás, com dezenas de obras publicadas, em sua maioria do gênero poesia, premiado pela Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra poética, Gabriel Nascente é hoje figura essencial em qualquer estudo que se realize sobre a evolução e a significação da literatura produzida em Goiás. Sua produção literária tem como marcas a criatividade crepitante, a inquietude de espírito, uma rebeldia algo romântica, que o tempo contribuiu para arrefecer, mas que nunca conseguiu extinguir completamente, graças a Deus, ainda que a maturidade haja contribuído para densificar o seu lirismo. Desde o primeiro livro, intitulado Os gatos, de 1966, é possível visualizar na sua poética a mesma chama que alimentou o indomável Rimbau, o enfant terrible da poesia francesa, e o engajamento destemido da lírica de Maiakovski. Já se disse que sua poesia guarda os ecos da grande lírica universal, na vertente de Charles Baudelaire, Pablo Neruda, Evtushenko, Maiakoviski e Thiago de Mello. Uma poesia militante, em permanente briga com a vida e com os padrões burgueses de conduta. Poeta em efervescência poética vinte e quatro horas por dia, Gabriel, nosso querido Bié, é também, por isso ou em razão disso, um ledor voraz e insaciável. Levanta-se ainda nos albores da madrugada para embevecer-se na leitura dos clássicos, que alterna com o conhecimento das novidades da poesia mundial. Nessa inquietação constante, verte diariamente as pérolas de sua lírica, produzindo crônicas e poemas que logo estarão incandescentes nas páginas dos jornais da Capital, pois é colaborador, há décadas, do Diário da Manhã (antes de O Cinco de Março), de propriedade do seu velho amigo Batista Custódio, e cronista semanal, há vários anos, do jornal O Popular.
Sua linguagem, oscilando entre erudição proveniente de sua incansável leitura e o coloquial, condizente com o seu estilo informal e irrequieto, fascina e seduz, sobremodo porque veicula uma visão de mundo de alta voltagem poética, irônica, amorosa, a seu modo, e salpicada de suave ceticismo. No contato pessoal, é hilário, espontâneo, transparente e persistentemente hiperativo. Parece não se cansar, naquele vaivém entre as redações dos jornais, as visitas aos artistas e sua atividade de fomento à cultura no âmbito do Tribunal de Justiça. Com inteligência aguçada, conseguiu integrar-se no âmbito formal do Tribunal, sem perder a leveza e a franqueza da espontaneidade mas respeitando os limites que uma cristalizada solenidade sempre impôs nos salões da Justiça. E é um executivo, um homem de agir, de realizar, coisa inesperada quando se cuida de um poeta, um escritor, cujo estereótipo aponta para um reflexivo, um ser mais pensante que executante.
Gabriel já deu início ao inventário de sua produção literária. E haja papel para registrar tão intensa atividade, tão prolífica escritura. Seu A árvore dos escritos é um catatau impressionante, são mais de mil páginas de fortuna crítica, de noticiário na imprensa, de entrevistas e correspondência da mais variada procedência e destinação. Ele encarna, de certa forma, a máxima de que “santo de casa não faz milagre”, no sentido de que, por mais miraculoso que seja, o santo da terra não recebe o aplauso que merece. Deveria o vate, leitor compulsivo dos grandes poetas da humanidade, ser consagrado nos sodalícios da cultura e nas praças públicas como uma das vozes mais ardentes da poesia das paragens centrais do Brasil. Afinal, é uma vida inteira dedicada ao lirismo, ofertada à deusa das letras, sacrificada (para o gozo íntimo) no panteão das musas. Um ser de tempestades na alma, poderia ser um epíteto para esse lépido poeta, que já proclamou, em alto e bom som, a representação do lirismo em sua vida, cultivando a expressão: “Poesia, pão do espírito para o homem.”
Sobre sua poesia, o historiador e teórico da literatura, Nelson Werneck Sodré, ponderou: “Não é apenas bela pelo que tem de forma; ela encanta e desperta aplauso pelo que encerra, pelo conteúdo. Desejo que continue a escrever assim e ajude o nosso povo a caminhar.” Edival Lourenço, bardo inspirado e romancista premiado, confrade de Gabriel na AGL, presidente da UBE/GO usou a metáfora, definindo-o como “um barco de palavras incendiadas”, insuflado dia e noite pelas musas.
A telúrica e vigorosa poeta Cora Coralina, cuja memória é festejada em todos os quadrantes literários de Goiás, exclamou embevecida, à leitura dos seus versos flamejantes: “Gabriel é o Castro Alves da poesia goiana.” Carlos Nejar, imortal da Academia Brasileira de Letras, poeta de primeira grandeza, a ele se referiu como “um poeta em estado fonético. E também em estado puro”.
O que não faltam são críticas elogiosas e estudos analíticos e reverenciais ao labor literário desse infatigável bardo goiano.
O poeta e jornalista Reynaldo Jardim, autor de Sangradas escrituras, depois de destacar a riqueza metafórica do texto de Gabriel, resumiu em uma afirmativa peremptória e verdadeira: “Gabriel Nascente é um poeta de verdade. Imanente ou transcendente.”
Para este cronista, uma das mais tocantes homenagens prestadas a Gabriel Nascente, pela delicadeza das imagens e precisão dos conceitos, foi esta pequena jóia literária, subscrita pelo poeta Sinésio Dioliveira:
“Bié é bardo
que sabe o caminho das metáforas.
Vem das flores
a tinta do seu verbo
(mesmo quando fala em abismo).
Dom Quixote (e Rocinante de si)
vai cavalgando, sereno,
pelas veredas da poesia.
Se parar
su’ alma morre.
(Itaney F. Campos, ecritor)