Goiânia Noise mapeia música alternativa no Martim Cererê
DM Redação
Publicado em 2 de setembro de 2025 às 20:13 | Atualizado há 7 horas
Embalado pelos seus 30 anos, Noise radiografa cena alternativa brasileira com line-up plural. Público cairá no roquenrol, entre quinta (4/09) e domingo, com poesia maldita e apresentações alternadas em dois palcos
Marcus Vinícius Beck
Com dezenas de shows em sua programação, o resistente Goiânia Noise toma conta do Martim Cererê a partir desta quinta (4/09) ao som de riffs e grooves. Até domingo (7/09), o público cairá no roquenrol ouvindo poesia maldita em apresentações que se alternam em dois palcos.
Do Rio Grande do Sul ao Pará, a música autoral brasileira está representada nesta edição. O line-up pinça um retrato plural do que tem feito a cabeça da galera. Sem escamotear, é óbvio, a genuína vocação do festival nos últimos 30 anos: divulgar e projetar a produção local.
Nessas três décadas, o Noise — como é carinhosamente chamado — projetou bandas que se tornaram referência na cena independente, tal e qual Violins, Black Drawing Chalks, Mechanics e Valentina. Essa tradição continua em 2025, com 26 shows de artistas goianos.
Em percentuais, o número equivale a 60% das atrações. Será, por isso, uma celebração à música feita aqui. Também é uma chance de descobrir novos sons. A Monstro Discos escala todos os dias uma banda goiana para fechar a noite de um dos palcos montados no Cererê.
Três grupos da terra abrem o festival nesta quinta: Sangra D´Água, Abajur Always On e Idos de Março (GO). Na sequência, o power pop de Swave (SP) entra em cena. O rock, então, se revela o combustível para a trilha sonora daqueles dias simples em lugares confortáveis.
Formado em 2023 — com letras em português —, o Swave exibe credenciais que o tornam um supergrupo originado na cena alternativa brazuca: Cris Botarelli (baixo, vocal) e Rafael Brasil (guitarra), do Far From Alaska; Murilo Benites (guitarra) e André Dea (bateria), ambos ex-Violet Soda, e Aline Mendes (vocal), que ainda assina o projeto solo Alinbloom.
Velhos conhecidos findam a primeira noite do Noise. E só podia ser, adivinhe, Carne Doce. Faz a mente da galera, levando corpos a dançar. Os fãs não economizam em adjetivos: som inventivo, sensual, magnético. As letras, dizem, farfalham o público com poesia feminista. A banda transa indie, pop tropical e psicodelia retrô, sob a liderança da vocalista Salma Jô.
O sextou reserva boa música. Além de Tatame, Trio Tunda, Amados Mortos (GO), Tess (RS) – Gótia (GO) e Red Sand King (GO), os Garotos Pobres (SP) anarquizam a porra toda. A banda, criada nos anos 1980, virou lenda pelo escracho anticapitalista e rebeldia punk.
Blasfemando contra o capital e seus símbolos, os paulistanos atacam no clássico “Papai Noel, Velho Batuta”: “Rejeita os miseráveis / Eu quero matá-lo / Aquele porco capitalista.” Narram ainda o cotidiano da classe trabalhadora em “Subúrbio Operário”: “Nasceu num subúrbio operário / De um país subdesenvolvido […] / Sem esperança de uma vida melhor.”
Novidade
Já Mateus Fazeno Rock, também na sexta, canta “com o gosto doce e rarefeito”. “Último resquício dos beijos”, recorda-se o artista cearense, na faixa “Daquilo que Nois Merece”. “Lembrando da tua unha / Cravada na minha bunda / Não me deixa querendo mais.”
Mateus chega embalado. Incensaram-no pelo disco “Jesus Não Voltará”, de 2023. No recém-lançado “Lá na Zárea Todos Querem Viver Bem”, que saiu pela Deck, o artista volta-se ao funk estilo Motown, criando suingues que dialogam com a tradição black.
No sábado, a Banana Bipolar abre os trabalhos, com riffs sujões e letras ácidas que se opõem à caretice na “terra do sertanejo”. Favorece o caos sonoro desvairado, a estética exótica e despretensiosa, o estilão psicodélico e dadaísta, o rockão insurgente à moda New York Dolls.

Depois dos goianos, novidade no cenário local, vai rolar profusão de estilos: Realife (GO), Burning Rage (GO), can sad (GO), Maré Tardia (ES), Corujones (DF), Porno Massacre (SP), Valentina (GO), Jovens Ateus (PR), Fat Drive Factory (GO) e Layse e os Sinceros (PA).
Até que, enfim, o fuzz invade os ouvidos: Overfuzz. Os goianos, na estrada há 15 anos, repassam músicas de seus três discos de estúdio. As letras, como sabem os fãs, carregam força ácida, capaz de corroer ideias caducas, teses pífias e sensações descartáveis.
Aí vem Rogério Skylab, “um cadáver dentro da música popular brasileira”, como ele próprio se define. Desde os anos 1990, o artista desafia estilos, gera reflexões, filosofia e existencialismo. No Noise, um trio o acompanha: João Pedro Marques (guitarra), Gabriel Planas (baixo) e Aécio de Souza (bateria). Skylab diz que irá revisitar seus 34 discos.
Tudo se acaba no domingo — não sem antes, é claro, Mechanics (a única banda a tocar em todos os Noises), Hellbenders (rockão goianiense cru e demencial) e Ratos de Porão. Irremediavelmente lendários, Ratos volta ao festival com fúria, criticidade e pauleira.