Hamilton de Holanda dialoga com sax de Chris Potter em ‘Live in NYC’
Redação Diário da Manhã
Publicado em 2 de junho de 2025 às 12:07 | Atualizado há 24 horas
No lendário Dizzy´s Club, em Nova York, nos Estados Unidos, bandolinista brasileiro grava disco com músico aclamado. Ao Diário da Manhã, Hamilton fala dos bastidores e detalha papel que lhe imputaram: embaixador mundial da nossa música
Marcus Vinícius Beck
Sob a luz do Dizzy´s Club, em Nova York, nos Estados Unidos, o bandolinista Hamilton de Holanda dedilha notas brasileiras em seu instrumento. Sensibiliza, hipnotiza. Virtuoso, leva adiante o legado de Pixinguinha, Jacob Bandolim e Baden Powell.
Um saxofone entra em cena: metálico. Timbre expressivo combinando força e limpidez. O jazzista norte-americano Chris Potter levanta a bola para o improviso de Hamilton. A música dá voltas, balança, dribla, como o ataque da seleção brasileira na Copa de 1970.
Hamilton é o Pelé do bandolim. Beija a harmonia, mas não a sufoca. Abraça a harmonia, mas não a tolhe. Caminha sinuoso. Chris é o Rivelino do saxofone. Parceiro de ataque, mas também gênio. Camisa onze, mas firme. Patada musical ao vivo. Tabelinha de choro.
Ressoa poderoso o sax: “Afro Choro” saindo da caixa de som. Sopro se mistura ao bandolim, que se mistura ao sax, que se mistura ao bandolim. Mais uma parceria entre eles: “Todo Dia é um Recomeço”. Os músicos são conscientes do próprio fluxo. A invenção é constante, o trajeto soa labiríntico, breques e viradas aparecem: “Flying Chicken” voando no Spotify.

Gravado em outubro de 2024 e agora lançado nas plataformas de streaming, o disco “Hamilton de Holanda Trio — Live in NYC” imortaliza uma noite memorável. Dizzy´s Club já recebeu lendas do jazz, como Thelonious Monk, Miles Davis e Louis Armstrong.
Tocar no Dizzy´s é como jogar no Maracanã. A vista dá para o Central Park. NY é um outdoor com luzes de néon, táxis amarelos, prédios enormes e ruas retas numeradas, NY é Miles e seu “Kind of Blue”, é Thelonious e seus sonhos, Louis e seus clássicos.
NY é também Hamilton de Holanda Trio, formado por Hamilton (bandolim de 10 cordas), Thiago “Big” Rabello (bateria) e Salomão Soares (teclado e Moog). Eles se entregam à música durante uma hora e oito minutos de improvisação e simbiose rítmico-melódica.
Sim, fazem mais do que um show. Fazem o retrato sonoro de uma jornada. Os músicos chegaram a NY após Nashville, Chicago, Washington e Minneapolis. A estrada os amadureceu. Aprimorou-lhes o repertório e levou-os a vivências traduzidas em som.

Sorridente, Hamilton diz a este repórter que a estrada ensina. “Ensina a ouvir mais, a confiar no outro, a entregar e a receber com humildade”, afirma o músico. “Tudo isso faz parte da música que tocamos naquela noite em Nova York. A convivência diária nos mostra quando liderar e quando dar suporte. Isso cria um som coletivo vivo, verdadeiro, contagiante.”
A participação de Chris exemplifica o que fala Hamilton. Nas três faixas em que participa, o saxofonista dialoga de forma fluente com o bandolinista. Isso produz momentos de eletricidade musical excitante, como na canção “Todo Dia é um Recomeço”, eleita single do projeto. Essa química entre eles foi registrada no disco “Maxixe Samba Groove” (2022).
Improvisos
Nesse trabalho, os artistas reafirmaram a afinidade sonora para improvisos enigmáticos, algo que se ouve no recém-lançado “Hamilton de Holanda Trio — Live in NYC”. “Fizemos uma turnê boa juntos. Que cara educado [o Chris]! Joga para o time”, salienta o brasileiro, descrito certa vez por um jornal norte-americano como “o Jimi Hendrix do bandolim”.
Chris Potter diz ser uma alegria fazer música com o Hamilton de Holanda, a quem classifica como “monstro do bandolim” e um dos espíritos musicais mais brilhantes que conheceu em sua vida. “Foi preciso toda a minha habilidade e percepção para acompanhar esses caras! Espero que a alegria que senti ao tocar com eles seja sentida por quem escutar esse álbum.”
Ninguém é comparado a Jimi Hendrix à toa. Desde os seis anos, Hamilton explicita seu virtuosismo nas oito cordas. Demonstrou que é possível utilizar o bandolim para tocar valsa, jazz, frevo, baião — sempre à base do improviso e da liberdade. Quando passou para o instrumento de dez cordas, ampliou suas possibilidades com um timbre mais grave.

Fã do clarinetista Paulo Moura e do pianista Keith Jarrett, o músico brasileiro reúne o lirismo de Jacob do Bandolim com a técnica veloz de Luperce Miranda, estilo que o insere na tradição rica do choro. Leva essa base sólida para o universo sonoro contemporâneo, com conversas musicais ousadas — tal e qual as de “Hamilton de Holanda Trio — Live in NYC”.
Como quando tocou com Chris, Hamilton foi além da fusão de estilos. O que importa, para ele, é a conversa rítmico-melódica estabelecida com sensibilidade e liberdade criativa. Dois mundos — o jazz e o choro — se manifestam com a potência da música produzida pelo trio. É a tradição brasileira conversando com um idioma musical atual e, ao mesmo tempo, jazzy.
Sem contar que essa língua — a música — produziu um dos momentos mais emocionantes da noite no Dizzy´s Club. Hamilton ensinou a melodia ao público, que o respondeu em coro. Criou-se um laço entre culturas. É a força dos sons, a beleza do improviso. Resta aguardar o artista em Goiânia. “Sempre fui muito bem recebido aí. Tem um movimento forte de choro.”