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Entrevista

“Houve uma resposta institucional forte”, afirma cientista político e escritor Pedro Célio

Intelectual se prepara para lançar livro literário e diz, em entrevista ao Diário da Manhã, que democracia precisa produzir resultados no plano social

Pé na realidade: pesquisador parte do impacto causado pelo 8 de Janeiro para criar conto Pé na realidade: pesquisador parte do impacto causado pelo 8 de Janeiro para criar conto

O escritor Pedro Célio expectora o besteirol gerado em certa ala da política brasileira. Professor na Faculdade de Ciências Sociais da UFG, o intelectual inicia o conto “O Patriota” descrevendo a pompa e o orgulho do vereador Gennaro Silvestre por ter participado de ato para apoiar Bossalnazi, no Dia da Pátria, em Sabrília. Qualquer semelhança com a realidade não é, por óbvio, meramente coincidência. Ao contrário, trata-se de inequívoca verdade.

Gennaro protagoniza a história que abre o livro “O Patriota, O Filho da Mãe e Outros” (Kelps), com lançamento previsto para ocorrer na sede do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg). É só lhe oferecer uma cerveja para o homem desandar a falar. No ritmo alcoólico, conta detalhes narrativos daquele dia e lembra que foi o primeiro sujeito de sua cidade a apoiar Bossalnazi, uma caricatura de um tal ex-presidente.

O narrador arranca risos do leitor ao detalhar o fanatismo pelo qual Gennaro se guiava. Aos amigos, fala “sobre os perigos que rondam nossa juventude, nossas famílias e o país”. Então, reorganiza suas prioridades. Rotina antiga? Essa ficou, realmente, pra trás. Só queria saber de influenciar a comunidade e, se possível, impactar a opinião pública. Eis aqui um motivo plausível para que o terceiro mandato não fosse inútil, como havia sido os anteriores.


		“Houve uma resposta institucional forte”, afirma cientista político e escritor Pedro Célio
8 de Janeiro: democracia arranhada. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Na esfera íntima, a coisa degringolou de vez: abandonara os encontros íntimos com a esposa e com a secretária de sua loja. Numa das últimas vezes em que trepara, pediu para que a mulher gravasse na coxa direita as iniciais do mito. “Meu tesão ficará maior”, notificou. Além das atividades sexuais cada vez mais escassas, almoços em família agora eram mensais. Nada de consultas ou exames médicos, nem idas à feira ou visitas à mãe.

Solilóquios patrióticos decantam pensamentos anti-ciência, de pouca fé na democracia ou nas instituições, cujo fenômeno social Pedro Célio - em sua faceta cientista social - comenta na entrevista que se segue. Ao Diário da Manhã, ele analisa a conjuntura que favoreceu o 8 de Janeiro, revela seus propósitos com “O Patriota, O Filho da Mãe e Outros” e afirma desconfiar “de que somos um povo despolitizado”. Confira os melhores momentos:

Diário da Manhã - Devo dizer que o conto “O Patriota” me arrancou aquele riso no canto da boca. Como o absurdo te levou a narrar saga do vereador Gennaro Silvestre?

Pedro Célio - Creio que foi o impacto provocado pelo 8 de Janeiro e o comportamento padrão que observei naqueles que aderiram à tentativa do golpe e, principalmente, continuaram a sustentar as teses golpistas nos meses seguintes. A uniformidade nas manifestações dessas pessoas através da raiva, da crença em teorias de conspiração e da argumentação irracional tem sido algo notável. Aos poucos vamos entendendo que isto denota estratégia da extrema direita em dimensão internacional, cujo instrumento irradiador são as redes sociais e a propagação do ódio às instituições. Daí se explora a fé religiosa das pessoas, as visões de família tradicional, o medo de fantasmas desenterrados da idade média e do macartismo, entre outras cantilenas reacionárias. Trata-se de uma enorme capacidade dos algoritmos para moldar afetos e julgamentos políticos, que não pode ser menosprezada. Transpor os tipos que emeregem nesse contexto para a ficção é um desafio grandioso, tamanha a bestialidade e a bizarrice que os compõem.

"Aos poucos vamos entendendo que isto denota estratégia da extrema direita em dimensão internacional, cujo instrumento irradiador são as redes sociais e a propagação do ódio às instituições"

DM - Me parece que o senhor segue tradição consagrada na literatura por Alfred Jarry, que satirizou a estupidez da elite de sua época na peça teatral “Ubu Rei”, encenada em 1896. O que impulsionou o Sr. nesse extenuante trabalho de ficção?

Pedro - Confesso que não consigo me enxergar vinculado a uma linha literária. Até mesmo por ser neófito nesse ramo da linguagem. Venho de um pensamento estruturado na ciência, fundado na pesquisa, em raciocínios dependentes de evidências e do mínimo de razoabilidade lógica. Primeiramente, devo dizer que sou ciente dos limites que essa herança impõe sobre minha escrita. Eu percebo o risco de cair na indefinição entre a ficção e a reportagem, o conto e a crônica. Em segundo lugar, mesmo assim, eu me senti impelido a misturar personagens, situações e turbulências existentes na vida real, mas distantes uns dos outros, e ao mesmo tempo exagerar para o nível da caricatura algumas características, cacoetes e expectativas desses personagens por si já caricaturais. Acho que resultou numa ficção com óbvio paralelo em nosso tempo tão confuso.

DM - Tomando como base esse delírio, o que é preciso para que evitemos ser governados, em 2026, por figuras grotescas como Bossalnazi, personagem do conto “O Patriota”?

Pedro - Agora passamos para a análise política, que depende de prospecção analítica. O que também não é de fácil resposta em meio à confusão que se instalou. Enxergo que houve no Brasil uma resposta institucional forte, ampla e precisa para barrar a escalada autoritária da extrema direita. E que a tarefa maior nessa nova etapa é de reunificar o país, recuperar um patamar de normalidade para que as relações sociais e a vida institucional não sejam balizadas pela raiva, por grosserias e por fundamentalismos. No entanto, as bases alimentadoras desse contexto estão ativas e potentes. Podem se reagrupar assim que perceberem o fiasco que foi a sua adesão à liderança bolsonarista. Como visão estratégica, acredito que o aprofundamento das conquistas sociais são fundamentais para fortalecer a democracia e isolar politicamente esse tipo de ameaça, tirar dela o público disponível para ouvi-lo e seguir seus preceitos.


		“Houve uma resposta institucional forte”, afirma cientista político e escritor Pedro Célio
8 de Janeiro: democracia vilipendiada. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

DM - Na próxima segunda, completa-se um ano do 8 de Janeiro. Como cientista político, o que ainda é preciso fazer para aprimorar a democracia brasileira?

Pedro - Como eu disse, a democracia necessita de produzir resultados no plano social. No caso brasileiro, a chave é a diminuição das desigualdades, matriz de iniquidades que retiram os suportes da democracia. Fortalecem os piores vícios das elites. Há situações em que as carências e desigualdades aproximam-se de um regime de castas, em que os privilégios, a corrupção e outras deformações pré-modernas se reproduzem. Isso é que tem de ser superado.

DM - Qual é a sensação de ter lutado contra a ditadura e, de repente, ver eleito um político com pouco apreço pela democracia que instigou sua base a vilipendiar Brasília?

Pedro - Apesar de todos os avisos do ex-presidente bufão de que executaria o que de fato aconteceu, de maneira geral não se acreditava que a sandice do 8 de janeiro viesse a cabo. Creio que a ascensão desse tipo de extrema direita veio interromper um ciclo de conquistas, consagrado na constituição de 1988. Aos democratas cabe manter a vigilância e aprimorar o zelo com os princípios republicanos pra que isso não se repita.

"Isso repercute nos modos de vida e na cultura dos goianienses. Há a mistura de tipos sociais locais diversificadíssimos"

DM - Na obra “O Patriota, O Filho da Mãe e Outros”, o Sr. cria cenas, evoca memórias da juventude, descreve a goianidade e mostra as incongruências de falsos cristãos que são corrigidos por ateus. Por que Goiânia é uma boa fonte de material literário?

Pedro - Goiânia é capital, uma metrópole com vida cosmopolita em muitos aspectos. Aqui nós vivemos regidos pela dinâmica da internet, tanto no sentido de compartilhar experiências mundializadas como no sentido de fragmentação das socialidades, ao nível da individualização. Isso repercute nos modos de vida e na cultura dos goianienses. Há a mistura de tipos sociais locais diversificadíssimos, alguns forjados em nossa herança rural outros na hiperconectividade incrementada pelas redes sociais. O observador meticuloso dispõe de farto espaço para “pescar” personagens e acontecimentos inusitados.

DM - Há um trecho marcante no microconto “Religiosidade”: “vivemos num tempo estranho em que os ateus se esforçam para explicar aos cristãos que Jesus pregou a solidariedade, o acolhimento e a tolerância”. Como podemos sair dessa confusão?

Pedro - Esse trecho é adaptado de um meme que me chegou nas redes sociais, no auge de prestígio do discurso negacionista. Uma das negações mais estranhas que vi naquele momento foi a dos princípios religiosos mais caros, como a defesa da vida e da solidariedade, à guisa de apoiar menagens de tortura e de morte. Porém, tudo feito em nome de Deus.

DM - No fim da obra, durante o texto “Teste”, o Sr. pede - com a fineza do humor - para que o leitor avalie o nível de informação sobre a política brasileira. Por que se diz que nossa sociedade é tão despolitizada?

Pedro - Eu sempre desconfiei dessa sentença de que somos um povo despolitizado. Nas últimas décadas tivemos sucessivas provas em contrário, com registros de elevado engajamento cívico em diferentes segmentos da população brasileira. Agora mesmo, vivemos uma espécie de hiperpolitização e de opiniões muito polarizadas. A meu ver, essa tendência precisa ser diminuída. O teste que proponho no livro consiste, obviamente, em expor o besteirol gerado em ala dessa forte politização.


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Pedro Célio: "eu sempre desconfiei dessa sentença de que somos um povo despolitizado". Foto: Acervo Pessoal

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