Justiça, igualdade e desigualdade
Redação DM
Publicado em 3 de maio de 2016 às 02:02 | Atualizado há 9 anos1
Seria injusto não dividir o pôr do sol com alguém.
Seria triste não ter com quem dividir o pôr do sol.
E trágico, não mais ter o pôr-do-sol.
Seria injusto não dividir o pão-da-noite com alguém.
Seria triste não ter com quem dividir o pão da noite.
E trágico não ter o próprio pão-da-noite.
Seria injusto não dividir os frutos do dia nem as sementes
do amanhã com o outro.
Seria trágico não ter as sementes do amanhã nem os frutos
do dia para dividir.
2
Haja nojo dos corredores de homens em espera sistemática.
Haja nojo dos corredores fétidos da justiça burocrática.
Dos sistemas e leis que falam de direitos e que negam direitos em nome de outras leis.
Vontade de esquecer a própria humanidade, mas não posso, não posso, pois a humanidade sou eu. Como parte, não posso me afastar do todo que é o mundo humano, sem princípio nem fim.
3
Não nasci para ajustar-me aos outros. Ajusto-me aos outros para encontrar uma medida que não é minha. Nos outros, ao ajustar-me, vejo espelhar-se minha diferença, que só vejo quando me ajusto aos outros.
Nasci para ser ante (e não entre) os outros. Mas só entre (e não ante) os outros é que me ajusto e me vejo encontrar-me a mim.
Tal como a justiça, o amor é o bem do outro. A justiça, o amor e a caridade estão acima de todas as ações humanas. A lei da caridade e do amor ao próximo implica benevolência, indulgência e perdão. Não há verdadeira justiça, segundo a lei natural, se não praticados o amor e a caridade que tornam o próximo igual a nós.
O sentimento de justiça é inato, como lei natural, e verifica-se mais entre as pessoas simples do que entre as mais sofisticadas. A consciência do valor da justiça é que varia entre os indivíduos, conforme seus condicionamentos e suas paixões pessoais.
A justiça, como respeito ao direito de cada um, é determinada pelas leis humanas e pelas leis naturais, que devem passar pelo crivo da consciência. Não se deve querer para o outro o que não se quer pa¬ra si mesmo. A igualdade de direitos entre os semelhantes não exime a deferência devida aos mais dotados de virtude e sabedoria.
O fruto do trabalho honesto é um direito natural. Mas toda propriedade deve atender a uma finalidade social. Ser previdente não é ser egoísta, pois segurança não se confunde com ambição. Prevenir-se não é preparar-se contra: é evitar o que vem em contrário.
A mais meritória das virtudes é a da caridade desinteressada. A caridade não exige recompensa, como o bem não nasce do interesse. O interesse pessoal anula até mesmo as qualidades morais de um homem de bem. O desinteresse perde o mérito tal como a prodigalidade, que serve ao desperdício, porque ambos desviam a caridade a quem dela necessita.
Igualdade e desigualdade
A multiplicidade das aptidões humanas está na razão direta das vivências de cada qual e todos devem concorrer para os objetivos do desenvolvimento e do bem comum.
A desigualdade social dos homens desaparecerá com o fim do orgulho e do egoísmo. Só prevalecerá a desigualdade dos méritos alcançados pelos esforços de cada um.
A desigualdade de riqueza é um bem para a sociedade em vista da competição para o progresso. Mas a riqueza não pertence absolutamente ao rico, vez que é para ele a prova da caridade e da abnegação. Qualquer que seja a origem da riqueza, o ato de cobiçá-la de alguém assemelha-se ao roubo e à velhacaria.
Não há pessoas iguais, como não são iguais suas aptidões: a igualdade é a aspiração de um bem comum a todos, mas não é nivelamento de todos a um só padrão.
O homem e a mulher se diferem em suas aptidões, mas se igualam em seus direitos. As aptidões de um se completam com as do outro.
Se todos fossem educados para a equidade e a justiça social, não haveria na mesma sociedade riqueza e miséria como fruto da desigualdade. A desigualdade entre os homens vem antes da diversidade dos seus caracteres e aptidões do que de suas cobiças pessoais.
Quem abusar da inferioridade do mais humilde reencarnará para sofrer a mesma humilhação. A não ser pela diferença do túmulo, todos são iguais perante a morte.
Negligência, imprudência e imprevidência, são causas de muitos males que poderiam ser evitados pelo ser humano. As guerras existirão enquanto os homens não compreenderem a justiça e não praticarem a lei de Deus.
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa – E-mail: [email protected])