Lembranças dos tempos de escola Parte – XXVI
Redação DM
Publicado em 22 de março de 2016 às 23:52 | Atualizado há 9 anos
Num belo fim de semana, Cal, Ámer, Vando e eu resolvemos ir visitar os pais de Cal que moravam numa fazenda. Foi numa cinzenta manhã de domingo chuvoso quando o cunhado de Cal partiu num jipe, conosco, rumo à fazenda. A viagem foi muito boa, porém, demorada. Cheguei a pensar que não chegaríamos ao destino pretendido, mas depois de vencermos poças de lama, chuviscos e outros obstáculos chegamos. A receptividade foi estupenda, uma vez que o pai de Cal tinha um belíssimo senso de humor, a mãe uma atenção agradabilíssima e demais irmãos comportavam-se a caráter.
Aconteceu que no início da semana, antecedente a nossa viagem, como Cal já sabia que iríamos, ele pediu para que seus pais capturassem e aprisionassem uma ave doméstica para comermos. Sugeriu que fosse um galo, preferencialmente grande. Quando chegamos à fazenda, a primeira coisa que Cal foi nos mostrar foi o galináceo numa espécie de arapuca gigante. Mais tarde, Cal me convidou para ajudá-lo a retirar o animal da arapuca. Combinamos para que eu erguesse a armadilha, enquanto ele avançasse nas pernas da ave. Desta forma foi feito: quando Cal agachou para apanhar o animal eu suspendi a arapuca. Neste momento o animal não desperdiçou a chance, aproveitou de nosso despreparo e ziguezagueando entre as pernas de Cal saiu em vôo rasante, capoeira adentro. Fugiu em alto grau de esperteza, como lúcifer corre da cruz. Bem que um dos cães tentou alcançá-lo, mas a tentativa foi frustrada. A ave se escondeu numa imensa plantação de capim. Subimos na cancela, observamos durante muito tempo à procura de uma pista do fujão, mas o galo desapareceu. Vimos apenas o bailar do pasto, com o vento, numa dança suave. Desistimos.
Cal não gostou da ação que gerou a fuga de parte da nossa comida. Pude perceber isso em seu semblante. Apesar de aquilo não ter sido culpa minha, fiquei demasiadamente envergonhado, me dirigir para um galpão afastado da sede, onde aquela família estacionava o seu veículo e, apesar de Vando ter ido lá várias vezes insistindo para eu me juntar ao restante do povo, contentei em me isolar, só sair de lar em horário do almoço, depois de Vando, Ámer e Cal insistirem muito. Na realidade, o que me impedia de me juntar aos outros dentro de casa, não era tanto a vergonha e sim o medo de ser hostilizado, mesmo de brincadeira, pois o pai de Cal era muito brincalhão e eu não queria que ninguém gozasse de mim pela fuga do esperto.
Durante o almoço, nenhuma palavra foi mencionada a respeito de tal. A algazarra aconteceu quando o pai de Cal despejou uma garrafa de molho de pimenta sobre a comida de Ámer. O coitado ficou vermelho como uma malagueta madura! Soluçou, tossiu, lacrimejou, choramingou e ingeriu bastante líquido, mas nada adiantou. Por pouco não teve um colapso ou uma overdose causado pelo ardor da malagueta. Os presentes ficaram estatelados de rirem. Particularmente não achei graça nenhuma naquilo, não sei se foi porque eu já estava meio sem jeito.
Ao cair da tarde, quando percebemos manchas de sangue deixada em todo o céu pelo sol que morria aos poucos horizonte adentro voltamos para a cidade e quando chegamos já era noite.
Hoje percebo que o episódio foi realmente engraçado, não sei se é por achar que pimenta no negocinho dos outros seja como doce em minha boca.
(Gilson Vasco, escritor)