Brasil

Lojas comerciais da minha infância

Redação DM

Publicado em 21 de julho de 2022 às 15:08 | Atualizado há 3 anos

Quando eu tinha seis anos, minha família foi morar no centro de Montes Claros à Rua Carlos Gomes, 167, apartamento 103, Edifício Genésio Tolentino, de Landes Tolentino. As ruas eram calçadas com paralelepípedos, e algumas delas, bem próximas não tinham pavimentação, como uma parte da Rua São Francisco, que desembocava em frente à Praça de Esportes.

Com meu avô Petronilho Narciso, meu pai Alcides Alves da Cruz abriu a loja de roupas femininas “A Parisiense”. Era uma loja bonita e bem montada, ainda na memória de muitos daqui. Ficava à Rua Simeão Ribeiro, no quarteirão do povo. Meu irmão Helder e eu fomos estudar no Colégio Imaculada Conceição. Milena, a minha mãe e uma comerciária, trabalhavam no balcão. Posteriormente o ramo foi mudado para roupas masculinas. Quando eu tinha 13 anos a loja foi fechada e Milena foi estudar medicina.

O centro de Montes Claros exercia fascínio em mim. A nossa rua, cuja mão era oposta a que é hoje, tinha um ritual sagrado em agosto: a passagem dos catopês, sob o comando do Mestre João Faria. Eram poucos dançantes que maltrapilhos, passavam descalços com pés maltratados pela poeira, mas o batuque batia forte no coração, e ficou para sempre: inigualável.

Em frente ao prédio em que morávamos, havia o Banco do Brasil e seu formigueiro humano buscando dinheiro. A entrada abria para a Praça Dr. Carlos Versiani, onde havia casas antigas, o mercado velho, e aquele ar bucólico de cidade pequena, mas que fugia ao controle das autoridades. Montes Claros nasceu com vigor para ser grande, em especial após o centenário em 03 de julho de 1957. “Coração robusto do sertão mineiro” ela não aceitava freios e crescia garbosa, seguida pelo natural ufanismo dos montes-clarenses aqui nascidos ou chegados, como era o caso do meu pai januarense.

Havia muitas farmácias e pai nos apresentava ao dono de uma delas para que pudéssemos pegar produtos e pagar depois. Lembro-me do constrangimento das moças ao comprar absorvente higiênico em mão de rapazes. Havia duas marcas: Modess e Miss, que ficavam embrulhadas na prateleira com seu formato manjado, como também um comercial numa revista em que uma mulher envergonhada por ser mulher entregava um bilhete ao balconista no qual estava escrito: “Senhor balconista, uma caixa de Modess, por favor.”

A Farmácia Central, de propriedade dos irmãos e farmacêuticos Roberto e Vera Rebello, ficava à Rua Governador Valadares. Era ampla, com cheiro de iodo e outros fármacos, com seu balcão de madeira clara e vidro, onde eu comprava remédios e perfumaria. Tomei inúmeras injeções Benzetacil aplicadas por técnicos de lá. A Farmácia Santa Terezinha ficava à Praça Dr. Carlos.

A Casa Colombo, de Jayme e Maria Clara Rebello tinha fachada com vidros em profusão, vendia tecidos finos e ficava na esquina do mesmo prédio da Farmácia Central. Lembro-me dos panos em peças sendo medidos e cortados, em especial para fazer vestidos. Um tecido verde com algum brilho, para vestir minha mãe, ficou marcado em mim.

A Casa Zacalex vendia tecidos e roupas. Havia a Paramoc, com estoque variado, inclusive com roupas íntimas. Meu primeiro sutiã foi comprado lá. Adiantei-me e o comprei com minhas economias. Era da marca Du Loren, rendado, de cor branca, com uma fitinha azul clara e enchimento de espuma. Era uma delicadeza e a numeração era chamada “menina-moça”.

A Casa Boa Vontade ficava num imóvel antigo na esquina do mercado, bem pertinho de nós. Eu passava em sua porta e via marcantes produtos para a zona rural como botas, chapéus, bacias, cobertores, lampiões e urinóis dependurados na porta.

Outros comércios: Loja Ramos e Cia, grande e completa; Papelaria Barroso, do meu padrinho Ernesto Barroso com material escolar e Brinquedos Estrela; Armarinho Jabbur, com produtos populares embrulhados em jornal; Lojas Fátima com suas roupas caras; Geraldino Boutique com moda para mulheres chiques e elegantes; um punhado de bancos e os passeios de carro à tardinha. Aos 15 anos fui morar perto do Colégio São José onde estudei o científico.

O tempo passava devagar e não existiam telas de dispositivos eletrônicos para nos comer a vida vorazmente como agora, quando precisamos saber de tudo que acontece.

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