Nobel para Dylan tem pertinência?
Redação DM
Publicado em 14 de outubro de 2016 às 02:30 | Atualizado há 9 anosO prêmio Nobel de Literatura de 2016 foi atribuído a Bob Dylan, “por ter criado novas formas de expressão poéticas no quadro da grande tradição da música americana”, anunciou a Academia Sueca. Bob Dylan é o nome artístico de Robert Allen Zimmerman, nascido em 24 de maio de 1941 – compositor, cantor, pintor, ator e escritor norte-americano e judeu. Ele jamais escreveu um livro. Apenas escreve letras de música, que ele mesmo grava com sua foz fanhosa.
Apesar disso, a revista Rolling Stones o elegeu, em 2004, o maior cantor de todos os tempos. Não se sabe o critério que esta gente usa para definir os maiores e os melhores. Mas Dylan, certamente, não é lá grande coisa como cantor.
Ele é um continuador da tradição dos menestréis, aquele sujeito que, se fazendo acompanhar apenas de sua lira, ou de seu alaúde, sai pelo mundo afora cantando as coisas que viu. Homero, Safo e Hesíodo eram menestréis, ou rapsodos. Compunham versos para serem cantados, não para serem lidos. Ao premiar Dylan por suas canções, a Academia Sueca inova. Literatura, agora, não é apenas o que se lê, mas também o que se ouve.
Nascido no Estado de Minnesota, neto de imigrantes judeus russos, aos 10 anos Dylan escreveu seus primeiros poemas e, ainda adolescente, aprendeu piano e guitarra sozinho. Começou cantando em grupos de rock, imitando Little Richard e Buddy Holly, Mas quando foi para a Universidade de Minnesota, em 1959, voltou-se para a folk music, impressionado com a obra musical do lendário cantor folk Woody Guthrie, a quem foi visitar em Nova York em 1961.
Em 2012, Dylan foi condecorado com a Medalha da Liberdade pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Woody Gootrie foi o maior menestrel das Américas. Não cantava profissionalmente, nem gravava discos. Apresentava-se em assembleias operárias e buscava, em suas letras, incitar o trabalhador à luta. Era um artista comprometido politicamente. Um ativista. Bob Dylan seguiu sua trilha. Apresentando-se apenas com seu violão junbo e sua indefectível gaita diatônica, ou sendo às vezes acompanhado pelo grupo canadense “The Band”, Dylan começou a falar de paz e cantar a vida dos probres, dos marginalizados, dos excluídos do “american dream”.
“How does it feel, to be on your own, a perfect unknown, lile a rolling stone?”. Este é o refrão de uma canção muito conhecida de Dylan. Foi regravada recentemente por Mike Jagger. Ele pergunta, angustiado: “como é se sentir estar entregue a si mesmo, um perfeito desconhecido, como uma pedra rolante, ou seja, um sem eira nem beira?
Mas sua mais célebre canção é “blowing in the Wind”. Ele se pergunta quanto tempo ainda vai levar para os homens pararem de fazer guerra e de se matarem. A resposta vem vindo no vento.
Ela veio na ventania da contracultura americana dos anos 60. Foi um vasto fenômeno comportamental que, de repente, colocou a nova geração contra os pais. Uma geração que começou a questionar os valores em que estavam assentados os Estados Unidos da América. Deu-se a isso o nome de “movimento hippie”, um reducionismo instituído pela imprensa que oculta toda a riqueza do que foram as lutas da juventude rebelde daqueles anos.
A guerra do Vietnan, em que milhares de jovens americanos iam morrer por uma causa que não era deles, despertou na juventude americana dos anos 60 um desejo incontrolável de cair fora. “Tune in, tune on and drop out” era a palavra de ordem do pacifismo lisérgico. Mas não foi só a guerra. A iminência de uma guerra nuclear que destruiria o planeta em segundos levou muita gente a se perguntar se o progresso econômico valia a pena. Se vamos todos morrer amanhã, vivamos intensamente o dia de hoje. Como diria o perta romano Horácio: Carpe diem.
O hedonismo virou, então, outra marca registrada da contracultura. Mas agora estávamos diante de um hedonismo inconformista, contestatário. Para mudar o mundo, é preciso inventar um jeito novo de viver. E os jovens rebeldes dos anos 60 e 70 fizeram isso. O legado dessa geração ainda é objeto de estudos.
Bob Dylan foi o grande inspirador dessa juventude rebelde, radicalmente pacifista e inimiga da sociedade de consumo. As grandes apresentações musicais ao ar livre eram os momentos epifânicos desses jovens. Eram não apenas concertos de música pop, mas incríveis celebrações da vida e protestos contra tudo que tem de errado no mundo. Junto com Conutry Joe Mc Donald and The Fish, Gateful Dead, Jeffesron Arplaine, The mountain, The Mamas and The Papas, ídolos dos hippies, Dylan era aguardado como a maior de todas as atrações.
Sua primeira grande aparição foi no festival de Newport, em 1959. Era um rapaz ainda imberbe, tímido, que subia ao palco empurrado por sua namoradinha, a jovem cantora Joan Baez. Grandes canções de Dylan fizeram sucesso na voz dela. E foi graças a ela que Dylan se tornou um nome conhecido.
Tão conhecido que os Beatles, no auge da fama, foram aos EUA pedir bênção a ele. Os rapazes de Liverpool eram, até então, moços bem comportados, caretas, cantando um ye-ye-ye bem alienadinho. Com Dylan, aprenderam a fumar maconha e tomar LSD. Dylan fez a cabeça deles, sobretudo de John Lennon. Nunca mais foram os mesmos. De cabeça feita, começaram a compor coisas geniais.
O verão de 1967 foi o ponto de virada da cultura pop em todo mundo. Milhares de jovens começaram a ir, de carona, para São Francisco, Califórnia. Todos deixaram cabelo e barba crescer. O LSD corria solto, ainda não tinha sido proibido. Depois de quase uma década produzindo uma música alienada e medíocre, os músicos americanos radicados na Califórnia estavam revolucionando a cultura pop. As bandas californianas eram politizadas, animavam comícios contra a guerra e a discriminação racial. E todos caíram no desbunde. Foi o verão da paz, do amor, da flor. O mundo ficou mais colorido a partir daí.
O evento catalizador desta explosão cultural foi o festival de música pop de Monterey. Todos os grandes astros do underground se apresentaram lá. Foi uma espécie de ensaio geral de Woodstock, que iria acontecer em 1969. A grande estrela deste festival deveria ter sido Bob Dylan. Mas ele não foi lá. Esses festivais eram coisas mambembes. Os artistas se apresentavam apenas pela comida e hospedagem, às vezes nem isso.
Woodstock foi a mesma coisa. Os veteranos de Monterey estavam lá. Nomes novos também apareceram e se projetaram. Mas Bob Dylan, mesmo morando em um sítio em Bethel, nas redondezas de Woodstock, preferiu mais uma vez esnobar o evento. Estavam lá Arlo Gutrie, filho de Woody Gutrie. Estava lá The Band, o grupo que às vezes acomapanhava Dylan.
Ele também não foi à ilha de Wigth, no ano seguinte, em nenhum outro festival pop que aconteceu depois, dentro ou fora dos Estados Unidos. Os grandes festivais hippies saíram de moda, dando lugar aos espúrios Rock´n´Rio da vida. O mundo tinha mudado. Em 1974 os americanos foram expulsos do Vietnan, as colônias africanas foram se tornando independentes e a URSS e os EUA chegaram a uma “detente”, afastando o perigo da guerra nuclear.
Sim, o sonho tinha mesmo acabado, como decretou John Lennon. “Eles”, os caretas, venceram e o sinal se fechou para nós que somos jovens. Ser hippie foi ficando chato. Mesmo assim, Bob Dylan continuou prestigiado e cada vez mais vendendo discos. Tocou guitarra para o papa, João Paulo II. Mas muita coisa já havia se perdido.
O Bob Dylan de hoje é apenas uma risível paródia de si mesmo, uma autocaricatura. O que ele faz hoje em dia não tem mais pertinência política. Ele vive alimentando a nostagia dos que viveram os anos sonhadores das décadas de 60 e 70. Todos ainda querem ouvir Blowing in the Wind.
Não quero ser estraga prazeres, mas, apesar de todo o seu incontestável valor, a poesia de Dylan não tem, por exemplo, a força telúrica dos versos de Jim Morrison. Não tem a grandiosidade sofrida das canções de John Lennon. Não tem o apelo visionário do nosso Geraldo Vandré. Seu protesto político está longe da vive guerreira de Bob Marley. Também esses bem que mereciam um Nobel pelo conjunto da obra.
Mas tudo bem. A premiação a Bob Dylan é reveladora de um panorama sombrio nas letras de todo mundo. A literatura virou um deserto e não há nada de novo que valha a pena. Por isso, o melhor mesmo é ouvir Dylan perguntando: “How does it feel…”