Brasil

O (3º) PRÍNCIPE DOS POETAS GOIANOS

Redação DM

Publicado em 26 de junho de 2016 às 02:31 | Atualizado há 9 anos

JOSÉ XAVIER DE ALMEIDA JÚNIOR

O século vinte engatinhava,/nos becos da Goiás, olhos de rio,

quando da luz, gestada na poesia,/nasceu, entre arcos e marcos do  palácio

– “Velha morada do tempo” -,/José Xavier de Almeida Júnior.

Cor de casca da castanheira,/seus olhos cortejaram o Araguaia

– “Plácido curso de água verde-clara” -,/e festejaram a vasta cabeleira

do “Flamboyant, ilusória Primavera”,/que encantava o ‘Príncipe dos Poetas’.

LÊDA SELMA

(Escritora Presidente da Academia Goiana de Letras – AGL)

 

Poemas do médico, escritor José Xavier de Almeida Júnior – Xavier Júnior (Cidade de Goiás – GO. 20/10/1902. Goiânia – GO. 08/04/1979). Fundador da Cad. 13 da AGL.

 

CHUVAS DE OURO

As chuvas de ouro da avenida

Cobriam-se de fores…

Dos galhos abertos em leque

Pendem- os cachos amarelos,

Leves como se fossem plumas,

Louros como os raios do sol…

 

Ao vento que soprou pela manhã,

Muitas pétalas caíram

E, ora espalhadas pelo chão,

Parecem “canfetti”…

As árvores, também, gostam do Carnaval!

 

A tarde cai.

Imóveis e brilhantes, ao crepúsculo,

Enquanto a paisagem se torna,

A pouco e pouco, pardacenta,

Elas retêm os últimos fulgores

Do sol que morre.

 

E o plenilúnio,

Assomando entre as árvores mais altas

Dos pomares vizinhos,

Cobre de uma chuva de prata

As chuvas de ouro…

 

ARAGUAIA

Plácido curso de água verde-clara,

Mar sem ondas e rio sem cachoeiras,

Quem seus matizes trêmulos pintara,

Do sol às lentas luzes derradeiras?

 

Se do leito surgisse alguma iara,

Lascivo o gesto e as formas feiticeiras,

Quem sabe, aos seus encantos se entregara

O índio que busca as ermas ribanceiras?

 

Dança a ubá sobre a tona, leve e esguia.

O índio, de pé na proa, o arco distende

E sonda o fundo com a mirada fria.

 

A emoção de ferir um peixe enorme

Sacode o corpo todo ao brônzeo duende.

E a noite desce… e o grande rio dorme.

 

FLAMBOYANT

Flamboyant, que ilusória primavera

Enfeita de esperança e de quimera,

Quase encobrindo a tua idade austera;

Flamboyant, que te elevas paternal!

 

Muita vez, nestes límpidos luares,

Me esqueço, imerso em lânguidos cismares,

Sentindo a leve placidez dos ares,

Embaixo à tua paz de catedral…

 

Vês? À saudade as lágrimas oferto.

Leva-as, leva-as, em seiva, para o incerto

Balanço de teus ramos viridentes.

 

Delas faze uma nuvem que, fugindo,

Voe pelo espaço… e vá, depois, caindo,

Molhar de minha amada as mãos tremente.

 

A CANÇÃO DO PLANALTO

Das convulsões telúricas primevas

Brotei, rocha de fogo, enorme e alcantilada!

Quando me aplaino e alargo pelos ermos,

A extensão das campinas que revestem

Meu dorso, como as ondas ao Atlântico,

Desfaz-se no horizonte,

Embebe-se de azul,

Tinge de verde o céu, no indeciso limite…

E o próprio sol, quando agoniza,

 

É uma poeira de ouro,

Para o engano da vista deslumbrada,

Sobre o mistério verde-azul

Do ocaso indefinido.

 

Quando me precipito e dilacero

Em socavões e grotas,

Esses desvãos da minha estrutura vulcânica

Enchem-se de ouro e pedrarias,

Eternizando a lenda do El-Dorado.

Das rugas do meu solo imenso e rico

Nascem caudais buscando o oceano:

 

Ora, pausadas rolam, verdes e tranquilas,

No leito do Araguaia,

Sereno como um lago

E desmedido como o próprio mar…

Escaldam-se nos crepúsculos

Tropicais,

Iluminam-se na hesitação

Das cores,

Estremecem à luz de todos os matizes,

 

E tênues ou profundas,

Sobre bancos de areia

Ou nos braços de pedra,

Que os travessões tentaculares

Apertam delirantes,

No furor do combate,

E desfazem, de manso,

Exaustos, rasgados, cobertos de espuma…

Prosseguem…

 

Irmanadas no Tocantins,

Glorioso de mais áspero caminho,

Enlaçam a Marajó,

E se misturam na peleja

Ao rio das Amazonas,

Restrugindo, gemendo, esbravejando,

Repelindo a invasão do largo oceano…

E abrem um sulco de doçura

Entre as ondas amargas…

 

Ora, saudando o oriente,

Rumo do São Francisco,

Arrepiadas e trêmulas,

Descem,

Pressentindo o esplendor de Paulo Afonso!

 

[…]

 

E o sertanejo vitorioso

Há de abrir aos povos todos do universo

O coração do Brasil,

Deste Brasil tão grande,

Que os seus filhos tiveram

De alongar as bandeiras pelo azul,

 

As asas dominando a imensidade,

A cruz dos aeroplanos

Sob o Cruzeiro do Sul,

Para unir na distância os limites da Pátria!

 

GOIÂNIA

Na elevada planura a cidade aparece,

Palácios ostentando e moradas modernas,

Como as que junto à areia, ante as ondas eternas

Ouvem do oceano a voz, que se alteia e esmoece.

 

Enquanto arranhacéus e bangalôs alternas,

Escutas, ó Goiânia, as campinas em prece,

E os aplausos da mata ao sertão que floresce,

E a sereia estridente e a voz das aves ternas,

 

A civilização avança alvissareira,

Abrindo no sertão a esplêndida clareira

De grande cidade erguida no planalto.

 

Renova-se o valor audaz dos bandeirantes,

E, junto do esplendor das selvas luxuriantes,

O progresso desdobra os seus lençóis de asfalto.

 

CABELOS DE OURO AO LUAR

(Soneto ao namoro)

Eu quisera escrever uma balada,

Lembrando a Idade Média e os trovadores,

Para cantar a noite enluarada,

Em que se misturaram dois fulgores:

 

O luar de prata acentuando alvores

E a tua cabeleira de ouro, amada,

Que surgiste aos meus olhos pecadores,

Para remir esta alma torturada…

 

Quanto esplendor viria à minha vida,

Se os teus cabelos de ouro refulgissem

Na casa que parece estranha ermida!

 

E que tranquilidade imaculada,

Se os teus carinhos, como um luar, ungissem

As últimas etapas da jornada!

 

A CASA CHATA*

Casa onde nasci…

Velha morada do tempo

do Conde dos Arcos.

 

*Designação dada ao Palácio Conde dos Arcos,

(onde o poeta nasceu, na Cidade de Goiás), por

sua estrutura arquitetônica baixa e achatada.

No passado era chamado, pelos cronistas

setecentistas, de “casa chata”

(Informações do Prof. Dr. Bento Fleury)

 

PULSEIRA DE ESCRAVA

Uma pulseira de escrava

Meu amor lhe ofereceu.

Mas, durante cinco lustros,

Quem foi escravo fui eu.

 

A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritora e acadêmica Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã. Esta é a 227ª edição (desde 08/01/2012). [email protected]


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia