Brasil

O belo

Redação DM

Publicado em 29 de fevereiro de 2016 às 00:43 | Atualizado há 9 anos

Ele pensava que as meninas sonhavam que estavam aos beijos com ele e quando acordavam, caíam no choro por que não era verdade; achava-se loquaz na oratória e nem desconfiava da voz soando fanha, sibilina. Os olhos, de um vesgo intergaláctico, lembravam os do assistente mocorongo do cientista louco dos filmes de terror. Mas se julgava belo. Mais alto que um chimpanzé, destacavam-lhe as pernas finas e braços longos, barriguinha proeminente com uma embirrada cabeleira insistindo em imitar a dos Beatles e escondia uma tatuagem de uma aranha na nuca, tal qual uma tarântula de filme de terror em preto e branco. Ganhou o apelido de “viúvo negro” e se julgava belo. Tinha uma boçal presença de espírito. Se alguém gritasse “ei, por favor, dá um empurrãozinho, aqui” ele acudia e lhe dava um safanão de quebrar costelas e daí se esbaldava num azurro de jegue empacador. Olhava-se no espelho e nuns trejeitos e requebros do Elvis Presley continuava se achando muito belo. Se alguém lhe jogava na cara a verdade nua e crua, de que ele era muito feio, ele caía num mutismo capaz de picotar o coração do Darth Vader, de guerra nas estrelas e o interlocutor tinha que desdizer e afirmar que estava falando era do Freddy Krueguer, da hora do pesadelo e não dele, o Belo.
Resolveram fazer mais sacanagem com o Belo, o Viúvo Negro. Candidataram-no a vereador na sua cidade e o levavam para os comícios e o botavam em cima dum caminhão para discursar, falar das suas propostas. E ele falava. Fanhoso mas falava. Expressava com entusiasmo que ia mandar vestir calças nas éguas e nas jegas pra acabar com aquela pouco vergonha delas ficarem piscando suas vergonhas depois de mijar, fazendo menino agachar e observar curioso e depois correr pra mãe pra perguntar por quê que a senhora num pisca também, mãe! Isso é um desrespeito aos nossos bons costumes e falta de cavalheirismo e brio –– Continuava ele –– Os cavalos, os cachorros e os jegues mostram suas partes pudendas sem a menor cerimônia com os cachorros se engastaiando até na porta das igrejas matando de vergonha as véias, as mulheres casadas, as moiçolas e também às freiras que sumiram daqui e só voltam quando se tomar um jeito de acabar com esse puteiro cavalar e cachorral, tão me entendendo? A machaiada vai ter que usar cuecas e quem desrespeitar, aqui ó!… –– Passando a quina da mão sobre o punho fechado como se estivesse castrando um marrão.
A turma do esculacho achava o máximo, aplaudia e pedia bis e subiam ao caminhão-palanque para ergue-lo nos ombros dizendo que ele seria o campeão, o mais votado. O bestão achava verdade naquilo tudo e que de fato ele estava abafando. Afinal, ninguém nesse país lembrara-se de dar cabo a essa pouca vergonha. E ele viera para moralizar, saibam disso.
Como soe acontecer, um potencial eleitor se acerca do Belo e conversa vai, conversa vem, faz-lhe a proposta de, em troca do seu voto e mais os da família, que o Belo, o futuro vereador mais bonito e competente, fure uma desgrama duma cisterna por que ele não dá conta de pagar taxas pra Saneago mais não, ta combinado?
Não sei não, mas é bem capaz do Belo ainda estar internado num hospício por causa de que, segundo as comadres, tal qual um vampiro, quis beber o sangue dum possível eleitor que lhe pedira, com muita humildade, implorando de joelho, coitadinho, um adjutório mode furar sua cisterna.

(Alcivando Lima, [email protected])

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