O clima da Revolução Francesa no fim da Idade Moderna chegou ao Brasil
Redação DM
Publicado em 26 de junho de 2016 às 02:38 | Atualizado há 9 anosEstes dias, meu amigo Saulo Freire, de Taguatinga-TO, um dos fiéis leitores de minhas matérias, mandou-me uma mensagem pelo tal zapezape que me fez refletir. Era sobre a situação da França da Idade Moderna e a do Brasil de hoje. Tão marcante foi aquela época, que determinou o fim da Idade Moderna e o início da Contemporânea.
Em 1789, a França era um país falido, pois os exageros da Corte, os excessivos gastos com a manutenção do poder, os privilégios da nobreza e outros fatos, enquanto o povo morria de fome, fez crescer a insatisfação popular. Na época, a sociedade civil compunha-se da nobreza, do clero e da burguesia, e esta última classe era que pagava os escorchantes impostos que custeavam a boa vida das outras classes. E isto veio trazer uma crescente insatisfação popular.
A incapacidade do rei no governo levou o país à bancarrota, e os que mandavam na França estavam pouco se importando com o povo, a ponto de um dos conselheiros do rei, condoído da situação da pobre e sacrificada burguesia, alertou a rainha Maria Antonieta, esposa de Luís XVI, que o povo não tinha pão para comer. E, indiferente à situação, ela apenas respondeu:
– Então, se não tem pão, o povo que coma brioches.
Com tantas injustiças, o país em incontrolável falência, a péssima administração econômica e o controle de todos os setores administrativos, inclusive os tribunais, as condenações injustas e tendo a Bastilha como verdadeiro depósito de presos em condições sub-humanas, o descontentamento popular foi tão grande, que a população, em 14 de julho de 1789, tomou a Bastilha, libertou os prisioneiros e começou a fazer justiça com as próprias mãos, surgindo os girondinos e os jacobinos: os girondinos representavam a alta burguesia e queriam evitar uma participação maior dos trabalhadores urbanos e rurais na política, e os jacobinos representavam a baixa burguesia e defendiam uma maior participação popular no governo. Liderados por Robespierre e Saint-Just, os jacobinos eram radicais e defendiam também profundas mudanças na sociedade que beneficiassem os mais pobres. E a insatisfação popular chegou a tal ponto, que foram guilhotinados após um julgamento sumário e parcial os líderes dos jacobinos, e os próprios soberanos, o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta.
Esta introdução é apenas para traçar um paralelo com a situação do Brasil de hoje, pois se o governo não tomar uma posição firme, não se pode descartar o surgimento de girondinos e jacobinos para preocupá-lo, seja de que partido forem, pois a situação, tanto quanto a da França do fim do Século XVIII, está insustentável: os privilégios têm que acabar, e o povo, tanto quanto a burguesia francesa, está saturado de mordomias pagas pelo contribuinte. E não se vá atribuir apenas ao PT os desvios do Brasil, pois a corrupção e as mordomias são endêmicas e não foram criadas no governo petista. Ele apenas as institucionalizou.
A classe política não está mais dormindo, apavorada com áudios e delações que emanam da podridão governamental, queimando como fogo de monturo. Já existe uma crescente convocação pela internet para reunir, no dia 31 de julho, mais de um milhão de manifestantes, que exigirão a demissão de toda a classe política, com uma lista enorme de reivindicações. Com esses áudios que aparecem a cada minuto, podemos até morrer de susto, mas nunca de tédio.
Será exigido que se extingam as mordomias 0800 nos três Poderes (gabinetes, secretárias, aspones, motoristas, carros, 13º e até 14º salários); a redução do número de senadores, de deputados dos dois níveis, de vereadores (que não deveriam ser remunerados, como era antes); o fim de órgãos como institutos, empresas de atividades-fim injustificáveis e organizações não governamentais (ONGs); acabar com o tal fundo partidário, pois os partidos deveriam viver das cotas recolhidas de seus próprios associados; acabar com motoristas vinte e quatro horas pagos pelo contribuinte para servir a famílias e ex-famílias de autoridades, levando as madames aos salões de beleza, supermercados e “shoppings”, e os filhos para a escola, pagando horas extras aos motoristas; que esses folgados sugadores sejam atendidos pelo SUS, pois o sistema é “único”, e todos são iguais, segundo as leis que eles mesmos criaram, e nada de planos só pra eles… e pagos por nós
O povo certamente vai protestar contra a renovação de frotas de carros seminovos para satisfazer a caprichos até de chefetes daqueles da turma do “você sabe com quem está falando?”; contra o vaivém semanal de políticos de tudo quanto é laia, dos três níveis, em aviões de primeira classe, hospedando-se em hotéis cinco estrelas com despesas pagas pelo sofrido contribuinte, quando não vão se espairecer no exterior, veraneando em Miami e gozando de mordomias em Paris e de Dubai, com a mesma naturalidade com que se vai para Caldas Novas e Pirenópolis. Isto, quando ministros do Executivo e do Judiciário não inventam de participar de eventos para discutir o sexo dos anjos em locais badalados no exterior, acompanhados de esposas, amantes, seguranças, puxa-sacos e afins, com tudo pago pelo contribuinte, que é o pequeno burguês de hoje.
O povo vai exigir que se fiscalizem os agentes públicos, como dirigentes, que, em vez de estarem no local de trabalho, onde são remunerados, consomem o tempo nos seus escritórios grã-finos de consultoria, cuidando exclusivamente de seus interesses pessoais; que se reduzam as descabidas administrações dos hospitais públicos, para agasalhar apadrinhados, muitos dos quais têm mais administradores do que pessoal médico; acabar com os milhares de pareceres técnicos de altíssimo custo, pagos sempre aos mesmos escritórios de fácil acesso aos diversos setores do governo, num escandaloso tráfico de influência para absolver culpados, condenar inocentes, dar a quem não tem direito e tirá-lo de quem o tem.
O povo não vai ficar inerte diante das milionárias aposentadorias de parlamentares que passam rápida e fugazmente pelos legislativos dos três escalões de governo; vai exigir a devolução dos empréstimos compulsórios confiscados do contribuinte e – isto sim – impor a devolução dos milhões que fizeram o enriquecimento ilícito de todos os ladrões que fizeram fortuna às custas dos contribuinte, manipulando preços de licitações forjadas para desviar dinheiro em esquemas sem controle, para viverem à tripa forra com o que foi desviado da educação, da saúde e da segurança pública.
O povo não quer deixar um só bandido de colarinho branco impune, fazendo com que paguem por seus delitos, adequando nossas leis para criar tentáculos que alcancem desde o ladrão de galinha até o magistrado que decide ao sabor das conveniências de quem segurou a escada para, entrando pela janela, levá-lo às Cortes Superiores e aos Tribunais; deve impedir que ex-ministros passem a ser gestores de órgãos e empresas que tenham se beneficiado de fundos públicos e adjudicações decididas por eles; fazer minucioso levantamento para saber do patrimônio antes e depois do exercício um cargo público; fazer com que os bancos sejam convenientemente tributados, assim como algumas igrejas em que a isenção constitucional vem transformando pastores em milionários e em políticos e transformando igrejas em multinacionais da fé.
Há que se proibir repasses e subvenções a toda e qualquer ONG e uma minuciosa devassa nas contas do MST e outros movimentos similares, bem como em todos os partidos políticos, e a redução desses partidos a cinco ou menos, como funciona nos países sérios, onde não existem partidos nanicos, criados apenas para vender espaços na propaganda eleitoral; rever as aposentadorias dos que trabalharam honestamente para a União, Estados e Municípios, que precisam muito mais que esses vagabundos travestidos de “otoridades”, fazendo com que sejam devolvidas as indenizações pagas indevidamente a “perseguidos políticos”, muitos dos quais terroristas e guerrilheiros, apuradas por uma duvidosa “Comissão da Verdade” formada a dedo pelos próprios interessados.
O povo vai querer acabar com todas as mordomias e aposentadorias para ex-governadores, ex-parlamentares e ex-presidentes da República, após um mandato, quando todos nós, vis mortais cá da planície, trabalhamos 35 anos para receber migalhas, sem direito a carro e regalias como eles; o povo vai exigir rigorosa auditoria sobre o perdão das dívidas concedido a vários países e os empréstimos deferidos pelo BNDES a republiquetas de quinta categoria, para construir obras com o dinheiro nosso, sem a mínima possibilidade de retorno e que já chegam lá chancelados com o carimbo da inadimplência; acabar com o direito de o condenado receber mais do que um salário-mínimo por filho menor e, quando falecer, ficar esse benefício para a família, enquanto a vítima do crime nada aufere de benefício; deveria o prisioneiro, como nos países evoluídos, trabalhar para manter-se e para indenizar a família da vítima; vai exigir que não engordem os já milionários rendimentos de apaniguados com a nomeação de quem já. ganha demais para mamar os polpudos “jetons” dos conselhos das empresas do governo.
O povo deve mesmo ir às ruas para, de forma pacífica, protestar por mudanças e mostrar que é necessário passar o Brasil a limpo, sem precisar cometer os excessos da Revolução Francesa, com jacobinos e girondinos promovendo sangrenta “caça às bruxas”, como ocorreu no período conhecido como “o Terror”, que matou rei, rainha, girondinos e até o cientista Lavoisier. O saudoso Ulisses Guimarães já dizia: “O político só tem medo é do povo nas ruas”. E temos as redes sociais para arregimentar o povo. Mesmo pacificamente, é preciso dar uma esporada no governo, seja de que partido for, pois ninguém mais aguenta pagar tanta regalia.
O ambiente no Brasil de hoje é o mesmo da França de 1789, ou talvez pior. E o de 1964 nem chegava perto do de hoje. Há gente que já está com saudade de ver o Congresso fechado e os enganadores cassados (embora haja muita gente boa ali), urgindo passar um pente fino em todos os Poderes. Argumenta-se que militar não é eleito, não se corrompe com facilidade (tanto que os militares saíram pobres e não se falava em superfaturamento de obras), sem se falar na disciplina e no civismo dos homens de farda, que, já escolados, estariam cientes de que não poderiam cometer hoje os mesmos erros de ontem.
Mas o meio mais honrado de a classe política demonstrar que deseja o bem do Brasil seria uma renúncia coletiva das duas Casas do Congresso e a convocação de novas eleições, mas sem direito a reeleição e com a inelegibilidade de parentes de senadores e deputados até o segundo grau. E acabar com o espúrio “quinto constitucional” nos tribunais.
Aí, sim, começaria um novo Brasil.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])