Brasil

O hábito de ler

Redação DM

Publicado em 14 de dezembro de 2016 às 01:33 | Atualizado há 9 anos

O costume de ler o brasileiro não tem. Por isso, quase nada vê, pouco ouve, e fala com uma dificuldade espantosa.

Não vejo outra razão, que não seja a falta de leitura, para tanta servilidade de uma nação inteira. É a própria ausência de dignidade ante aqueles de quem se depende.

Aqui, Executivo, Legislativo e Judiciário não são poderes. São patrões. Lamentável constatação que, com certeza, deixaria triste Montesquieu, o idealizador da divisão dos poderes, na mesma proporção vivida por Santos Dumont ao ver a sua criação, o avião, usada na ordem inversa do que sonhava, qual seja, a paz.

O que o hábito de ler poder fazer ao homem?

No primeiro momento, abre a possibilidade de visão pessoal, o que equivale dizer, enxergar o mundo da forma que ele é, e não do jeito que contam que é.

Depois, ensina ouvir conforme alguém expressou e não na intenção distorcida com a qual, muitas vezes, as palavras são usadas.

Finalmente, afasta o bloqueio do não saber e de se manifestar sem conteúdo e reflexão.

De posse desses três requisitos não há quem não aprenda a pensar, fato que evita que aconteça a previsão de Montesquieu: “Quanto menos os homens pensam, mais eles falam”.

Mas também não conheço um homem sequer que consiga raciocinar sem ter o hábito de ler. Sem conhecimento o cérebro é um moinho que apenas tritura o vazio.

Quem não lê não tem ideias ou convicções, porque o seu alcance só vai até o limite que a ignorância permite: nada.

Há sempre um livro pronto para nos ensinar. A questão é que ele é esquecido em cima de um móvel qualquer todo coberto de poeira.

Fossemos um povo letrado aquele que nos governa, por força do hábito, também o seria, e erraria menos. Nação culta não aceita ser conduzida como o gado é levado ao matadouro.

Já vi inúmeras passeatas, o mesmo tanto de protestos, milhares de faixas “Fora” isso ou aquilo nos finais de semana, e, na segunda-feira, segue a vida normalmente como se nada houvesse acontecido. Ou melhor, quando não piora um pouquinho mais. É muita resignação para o meu gosto.

Às vezes, penso que as redes sociais funcionam, para os seus usuários, como vingança suficiente contra os fatos e seus ocasionadores, pois bastam charges, piadinhas, fotos denunciativas para acalmar a fúria quase santa da galera que também participou dos protestos de rua.

Meu amigo, poderes não temem passeatas e nem charges. Governo morre de medo é de povo culto, que lê e sabe dos seus direitos originários. Portanto, vamos ler, com o propósito de saber, que, talvez, daqui cinco décadas essa gente seja varrida da nossa história.

 

(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União)


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