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O Tribunal de Justiça do Tocantins não cumpre o novo Código de Processo Civil

Redação DM

Publicado em 15 de junho de 2016 às 02:48 | Atualizado há 9 anos

Para quem é do ramo, são conhecidas as já arcaicas formalidades ainda mantidas pelo Judiciário. E muitas delas estão presentes quando da “sustentação oral”. Sustentação  oral são os argumentos desenvolvidos pelos advogados, em forma de discurso, defendendo os direitos do cliente.  Para a sustentação oral nos tribunais os advogados devem usar beca,  uma vestimenta preta, semelhante à extinta batina de padre, traje introduzido na Idade Media e que  persiste até hoje. É elogiável a providência de haver beca de “plantão” nos tribunais, de forma que os advogados não precisam levar uma. Como acontece na maioria dos Estados, a beca deve ser de propriedade da OAB. Com que regularidade são lavadas, ou de alguma forma assepsiadas, não se sabe. O fato é que, com o tempo, o “cc” torna insuportável o manuseio das becas disponíveis aos advogados e advogadas. O tratamento aos magistrados é, obrigatoriamente, de “Excelência”. E por aí vão as “frescuras jurídicas”.

Pela minha experiência, um considerável percentual de magistrados não gosta de sustentação oral, pois os advogados falam muito, normalmente com argumentos repetitivos e desnecessários. Outros tantos, apesar do atraso nos julgamentos,  acham excelente quando há sustentação oral, porquanto permite proferir votos com maior conhecimento sobre o assunto em análise. Ser contra ou favor não importa, pois trata-se de previsão legal. O tempo determinado em lei para a sustentação oral, 15 minutos, é excessivo. São suficientes 5 minutos, quando muito 8, para expor toda uma argumentação lógica e necessária, mesmo porque o essencial já consta dos autos. No início da sustentação é normal todos magistrados prestarem atenção. Mas na medida que o tempo passa, quando o advogado desenvolve argumentos que não interessam aos julgadores, eles vão “desligando” e direcionando seus pensamentos para outras coisas. Sob a ótica do advogado, a sustentação oral é necessária, recomendando-se convidar o cliente para estar presente na sessão a fim de constatar que a defesa de seus direitos está sendo feita de forma eficaz. Muitos defendem que uma sustentação curta e objetiva impede os magistrados de “dormirem” durante o julgamento. Portanto, os advogados devem ter cuidado para não ficar falando “abobrinhas”.

Recentemente, já sob a vigência do  NCPC, fiz sustentação oral de um recurso em uma das Câmaras do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. No Plenário se faziam presentes mais de duas dezenas de advogados que iriam fazer sustentação oral. Constavam da pauta mais de 300 recursos, o que faz presumir que a qualidade seja sacrificada em razão da quantidade. Pelas normas legais devem ser julgados em primeiro lugar os recursos em que há requerimento de sustentação oral. Em seguida, aqueles em que ocorre apenas pedido de preferência, havendo acompanhamento dos interessados. No Tribunal de Justiça do Tocantins essa ordem não é seguida. Em primeiro lugar são julgados os recursos sem sustentação oral e sem interessados presentes. Os julgamentos são em bloco, ou seja  aqueles que apresentam semelhanças, procedimento correto em benefício da rapidez. Depois de algum tempo são relacionados os recursos que serão adiados por falta de tempo. Por último, ficam os recursos de julgamento mais demorado, em razão de haver sustentação oral.

Embora o Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94, art. 7º, XII) estabeleça o direito do advogado falar assentado, no Estado do Tocantins há uma tribuna sem cadeira, que o obriga a falar de pé, em um nível inferior ao dos magistrados. Falar assentado não é nenhum desrespeito aos magistrados. Além, de ser uma norma legal que coloca o advogado em igualdade de condições com magistrados e representantes do Ministério Público (art. 6º da lei citada), pode ser uma situação necessária para advogados em idades mais avançadas.

O atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) teve um ano de vacatio legis (período que decorre entre o dia da publicação e o dia em que a Lei entra em vigor), de maneira que os Desembargadores do Tocantins não podem ignorar o NCPC. O artigo 936 do CPC dita, de forma clara e precisa, a ordem de julgamento dos recursos,  prescrevendo que em primeiro lugar devem ser aqueles em que houver sustentação oral, repetindo norma que já constava no revogado Código de  1973. A inversão do procedimento legal traz uma série de problemas para os advogados. No julgamento referido, no Plenário haviam advogados de Brasília, Goiânia, São Paulo e outras localidades. Conversando com os advogados presentes, muitos alegaram que já haviam comparecido várias vezes, e em razão do “adiantado da hora” tiveram o julgamento de seus recursos adiados. Um deles disse que já havia comparecido 11 vezes, e em todas elas o julgamento foi adiado, acarretando sérios prejuízos profissionais.  O não cumprimento da ordem de julgamento, se não chega a ser desrespeito constitui desconsideração aos advogados. No meu caso, tive que ir um dia antes e voltar no dia seguinte à sessão, em razão da desobediência à ordem de julgamento, para fazer uma sustentação oral em menos de 15 minutos.

É de se perguntar:  o que faz a OAB do Tocantins aceitando tal situação, não exigindo o cumprimento da lei? E ao criticar a postura da OAB tocantinense faço com legitimidade, porquanto era conselheiro da OAB-GO quando ajudei a criar a OAB-TO, instalando a Subseção de Miracema para que fosse a sede da nova Seccional. E é oportuno dizer que a inversão dos julgamento, e não cumprimento do Código de Processo Civil, acontece  sob o olhar beneplácito do Ministério Público, que tem  um representante presente que solenemente participa dos julgamentos, deixando de cumprir sua função de fiscal da lei. Se o Tribunal de Justiça do Tocantins é contra a sequência prevista dos julgamentos de recursos deveria desenvolver providências para mudar a lei, e não simplesmente ignorá-la.

Os comentários jurídicos em todo Brasil é que o Judiciário do Tocantins deixa muito a desejar em seu funcionamento. E tudo decorreria da formação do novo Estado, vez que o primeiro governador, a quem os tocantinenses muito devem em razão de ser o responsável pela criação do Estado, teria tentado controlar o Judiciário, de forma a subordinar o Poder Judiciário ao Poder Executivo. Não deu certo, como realmente não poderia acontecer. Se na época da criação e instalação do Estado do Tocantins fosse seguida uma proposta de entregar a missão de estruturar instalar o Poder Judiciário ao desembargador Júlio Resplande de Araujo, desembargador de Goiás e fervoroso defensor do novo Estado, hoje tudo seria diferente. O folclore jurídico e político  informa que nos primeiros concursos para juiz, além da aprovação no concurso os candidatos eram submetidos a uma análise do governador, para classificar os que seriam nomeados e os que não seriam. Será verdade?

 

(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-G0, professor universitário, escritor)

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