Rachas, rixas e o lado satírico da história política – III
Redação DM
Publicado em 10 de janeiro de 2018 às 00:14 | Atualizado há 8 anos
Dentre as pretensões, como a propalada construção do Fórum, quase terminado, pela qual realmente se empenhou, Aderaldo defendia a implantação de uma política industrial na cidade, fundado em incentivos fiscais, apoio do governo e dos deputados federais, Leonardo Vilela e Lúcia Vânia. O barulho nos palanques eleitorais, era ostentoso, ensurdecedor, dando a impressão de que o partido e aliados estavam unidos, fortes e consolidados no município, garantindo futura eleição ou reeleição de Aderado que, de tão absorto no poder, por certo não percebia que o PMDB já se reciclava. Não aparentava divisão como antes. Sobretudo o grupo de Agenor Rezende e sua mulher Laci, motivo maior dos conflitos e brigas internos do Partido, pleiteando prefeitura, estava apaziguado. O Partido como um todo, foi reorganizado. Os conflitos internos, aparentemente desapareceram. Foi assim que Laci conseguiu ser candidata a prefeita pelo PMDB e outras pequenas siglas de aluguel, Partido que deixou posteriormente, com o marido, passando para o Partido Liberal, PL, ligado ao governo, só tempos depois retornando ao ninho pemedebista.
Além de Aderaldo, Laci tinha contra si a forte candidatura de Augusto Carvalho Oliveira, o “Pachá”, do Partido da Frente Liberal (PFL), o mais sagaz e pé-de-boi da República, dirigido pelo Deputado Federal Ronaldo Caiado, ferrenho adversário de Marconi Perillo, que em Mineiros apoiava “Pachá” e falava o diabo do governo que lhe havia tomado inúmeros Diretórios Políticos do Partido, em vários municípios, tratando Aderaldo de modo muito estranho, às vezes ridículo, causando escárnio e irônicos risos na plateia, deixando cócegas em todo mundo.
Se não bastasse a presença de Agenor no pedaço, com as vantagens de ter sido governador e ex-presidente de Câmara e Assembleia Legislativa, atingindo a candidatura de Aderaldo, José Mário Schneider, seu hostil adversário, casado com família udenista da cidade, pecuarista, proprietário de emissora de rádio e forte defensor do agronegócio no Estado, apoiava a candidatura de Pachá e seu grupo, juntamente com o experiente vereador Júlio Carrijo, prenunciando ainda mais a sua derrota, a que realmente aconteceu, conforme narro e descrevo no livro Sombras do Coronelismo na História do Judiciário (2014). Porém, pouco tempo depois, o lado satírico e debochado dessa história deu a resposta fundada na sabedoria popular, defendendo Aderaldo. Frase em uma faixa colocada na Avenida Antônio Carlos Paniago, em 4 de outubro de 2000, no final do governo de Aderaldo Barcelos, quando Laci Rezende, esposa de Agenor Rezende, lhe havia tomado o poder:“Parabéns ao grupo do cherokee e Júlio Carrijo por terem entregado de bandeja a prefeitura ao PMDB”. Cherokee era o veículo grã-fino de José Mário.
Certamente não era a hora do PMDB começar um longo período no poder. Laci, além de deixar o Partido antes de findar o mandato, com o marido, teve o desprazer de assistir Neiba Maria Moraes Barcelos, do PSDB, em final de 2004, ganhar a eleição do vereador José Sávio Costa, candidato do PMDB, filho do saudoso político Hilton da Costa Lima e Maria Rezende Lima, além de fazê-lo contra “Pachá”, do PFL, outro malquerente dos Barcelos. Neiba fez boa e animada gestão no primeiro mandato, chegando a cair nas graças do povo, tornando-se conhecida além do Sudoeste, num momento em que o PMDB havia passado por um novo arruinamento, ainda provocado pelas mesmas brigas e rachas internos de sua cúpula, causando-lhe significativas baixas em seu quadro, inclusive a de Laci, optando pelo Partido Liberal, PL, acima citado, embora houvesse certa versão de que o PMDB havia se unido, estaria em paz, união, contudo, na minha análise, que só ocorreu entre os mais jovens, alguns privilegiados da sorte, que chamo da “nobiliarquia ou nobreza dos doutores”, que se aproveitaram do cochilo dos mais velhos e se arrumaram, dos quais ainda falo.
A baixa causada por Laci e o vereador Edmar Martins Ferreira, “Pinguela”, machucando muito os companheiros do PMDB, está registrada numa entrevista com Dr. José Malaquias Cunha, vice e três vezes presidente do Partido, publicada no jornal local, Gazeta do Araguaia, Outubro/2003, edição válida até 25/11/03, ao responder à indagação do periódico:
O PMDB sofreu significativas baixas em seu quadro, dentre elas a da prefeita Laci Rezende. Mas mesmo assim, parece que o partido está motivado.
“É verdade que perdemos uma prefeita e esse fato machucou muitos companheiros, e de forma geral, todo partido. Quem elegeu a Laci foi o PMDB, foi o eleitor peemedebista, que trabalhou na sua campanha e apostou na sua vitória. Sua saída mobilizou o partido e lideranças expressivas que estavam insatisfeitas e estão de volta ao PMDB, participando das reuniões, dando sugestões, mobilizando pessoas. Na verdade, o PMDB está supermotivado, falando a mesma língua. Vamos manter esse clima de harmonia, de amor ao partido.”
Permaneceram firmes no partido, o vice-prefeito Álvaro e os vereadores Divino Naves Carrijo, José Sávio Costa, Renato Vasques de Souza e Maria das Graças Oliveira, políticos que continuaram leais às tradições pemedebistas, a ponto de, na desinteligência da cúpula, ter o vereador José Savio como candidato na próxima e iminente eleição, convenhamos, muito animada, barulhenta, não raro simpática, Sávio sabendo ouvir, tendo como fortes adversários a então reconhecida liderança de Neiba Barcelos e Augusto Carvalho Oliveira, “Pachá”, tradicional família mineirense, candidato pela segunda vez pelo astucioso PFL, que o povo, irônico e debochado, chamava “grupo do Cherokee”.
Na luta pelo soerguimento do partido, ocorreram algumas estratégias, como a de fazer e distribuir pela cidade um noticioso e intrigante panfleto, chamado “Informativo do PMDB” ou “PMDB O Movimento”, onde, entre outras coisas, tentando ofender e alcançar os brios dos adversários, Neiba e Aderaldo, firmes no poder, satirizava, debochava, indagava, ironizava, dizendo o diabo deles e de suas obras, como a do Frigorífico Estrela, propagando mais renda, emprego e progresso, que chamaram de pura “ilusão”, não passava de um pasto, buracos e um monte de terra denominado terraplanagem!; querendo saber onde estava o “asfalto para todos”; denunciando que o mato toma conta das praças e lotes por toda a cidade; que as pontes estavam caídas e as ruas interditadas, mostrando descaso público; com uma indagaçãozinha no final: “Cadê a verdade?” “A qualidade do asfalto?”, sem omitir o “chega de mentiras”, como se o folhetim representasse a mais pura das verdades, imaginada pelo filósofo Albert Camus.
Foi nesse clima rixoso, para não dizer satírico, que o velho PMDB pensou aprimorar-se, buscando qualidades e valores de ordem cultural, estética e grã-fina para seu grupo e direção, escolhendo para comandá-lo e prestigiá-lo, pessoas mais jovens, com ênfase portadoras de curso superior, como os doutores em medicina, ainda incluindo a ousadia de um jovem advogado, exibindo e configurando o que denomino “nobreza doutoral pemedebista”, também apelidada “Galeria do PMDB”, assim injetando certa qualidade e status de nobreza ao partido, tradicionalmente identificado com os mais pobres e a periferia, sobretudo na gestão do prefeito “Tote” (1961-66), o mais popular dirigente do partido, agora comandado e prestigiado pela presença de doutores, um deles seu filho: Osvaldo José de Souza Filho, médico, vereador e líder da bancada na Câmara; Dra. Norma Condinho Filgueiras Carvalho, médica, membro da executiva do partido, filha de Dr. Francisco Filgueira Júnior, médico famoso, de algum modo ligado ao partido, contudo, nunca visto nos palanques; Dr. Nilton Carvalho Souza, médico e empresário, tradição familiar, dizendo que estava pronto para ajudar o partido; José Malaquias da Cunha, médico e vice-presidente do partido, cujo pai, Pedro Advíncula da Cunha, além de defender o partido, foi amigo pessoal de Pedro Ludovico; e Wagner Ramos Freitas, advogado e Secretário Geral da Sigla, o mais jovem e afoito do grupo, que elaborava editoriais, divulgados, fazendo indagações: cadê a verdade? Nós temos políticos ou politiqueiros? Onde está o asfalto?
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGG, mestre em História Social pela UFG, professor universitário. – martinianojsilva@yahoo.com.br)