Somos como bicicleta. Parou, caiu!
Redação DM
Publicado em 4 de abril de 2017 às 01:39 | Atualizado há 8 anos
Ursulino Leão, que periodicamente me visita, disse que vai publicar um livro que está terminando e parar de escrever. Disse-lhe que quem tem vários livros publicados, como nós, jamais para de escrever. Somos como bicicleta; parou, caiu! Quando o assunto vem à memória não é como o leite que começa a ferver, vai subindo e o fogo é desligado. Para ficar livre do “incômodo” é meter os dedos nas teclas. Ele sempre somente escreveu à mão.
Disse-lhe que eu continuaria escrevendo, mormente crônicas no Diário da Manhã. Em 1991 o senhor Jaime Câmara recomendou ao Domiciano de Faria que, enquanto ele vivesse, queria nós quatro como cronistas no seu jornal. Estavam presentes: Ursulino, Brasigóis Felício, José Mendonça Teles e eu. E assim se deu, mas quando, recentemente, o Jornal diminuiu de tamanho não nos coube mais.
Conheci Ursulino, aliás, o vi pela primeira vez, em Anápolis, na filial do Bazar Paulistinha. Perguntei-lhe:
– O senhor é o Ursulino Leão? Li e gostei do seu livro Os Mayas.
Em outros encontros perguntei se tinha interesse em fazer parte da Academia Goiana de Letras. Disse que iria consultar a Lena. A Academia fez uma exceção que vigora até hoje: nunca deu posse a nenhum acadêmico fora da Capital, quase sempre na sua sede, algumas no Palácio do Governo. A minha se deu no Museu Zoroastro Artiaga, em 1962. A do Ursulino, no Madre de Deus em Anápolis. Foi presidente da entidade por 16 anos. Nos tornamos compadres, sendo o seu filho Paulinho, meu afilhado. Também foi padrinho de casamento de uma de minhas filhas, a Suely. Quando deputado estadual guardava o seu caro aqui em casa, aliás, na Rua Um – Centro. Companheiro sui generis nas pescarias do Araguaia: não pescava, apenas lia tomando o seu uísque e banhos no rio. Era exímio nadador. Certo dia, estando à margem de Mato Grosso, caiu n’água e foi nadando até a outra margem. Aflito, peguei a canoa e o fui seguindo até sair do outro lado (400 metros). Certa noite saiu com a turma de canoa para uma caçada de “pongada” (iluminando as margens com poderoso celebrim). Mataram uma anta e quando foram puxá-la para a canoa, esta revirou jogando todo mundo dentro d’água. Ursulino, sem largar a minha espingarda (não foi ele quem matou a anta), ainda arrastou para a margem o piloteiro, que não sabia nadar. Ao se secarem em um rancho à margem, Ursulino sempre de óculos, uma senhora idosa ficou sabendo que ele era deputado e indagou, surpresa: E o doutor deputado não perdeu o pincez-nés?
Bem, Ursulino foi e é um escritor sério, respeitado, estilo próprio, fluente, primeiro goiano romancista-historiador, com vários livros sobre vidas de santos, fluente orador, ex-governador do Estado, e o meu prefaciador predileto. Prefaciou os meus livros CHÃO BRUTO, O CORONEL E O DIABO e SHOPPINGS DE CRISTO (Jesus, o nome mais vendido no mundo).
Com a minha Coletânea recém-publicada, completo 50 livros, tendo 17 deles em várias edições, abrangendo quase todos os gêneros. Faltavam-me dois gêneros ainda não escritos: o erótico e o infantil. Mas já completei com CONTOS ERÓTICOS e MENINO PASSARINHO. Nas poesias coloquei melodias e gravei vários discos nas vozes de grandes cantores, como Lindomar Castilho, Ely Camargo, Josaphat Nascimento, Trio da Vitória, Tibagy & Milltinho, José Lopes, Belmonte & Amaraí, Carlos Alberto, Trio Irakitan, Christian & Ralf…
Estão inéditos: O coronel e o diabo – Romance; Shoppings de Cristo (Jesus, o nome mais vendido no mundo); Deus fez tudo certo – Paradidático; Menino passarinho; Contos eróticos; Dois contos-novelas: Coronel Vespesiano (o sonho e a saga nordestina) e Clementino, o usurário no Tribunal Divino.
Como já disse várias vezes que os dois primeiros só os editarei se for por uma editora que tenha condições de ampla divulgação e distribuição. Caso contrário viram obras póstumas.
Agora, como disse, estou voltando aos contos policiais e infantis. Paradidáticos (infanto-juvenis para incentivar o hábito da leitura nas escolas), já tenho 7 publicados. Como o mundo mudou e vem mudando com as novas tecnologias, escrever para crianças não é fácil. Se no aniversário da criança for ofertada uma boneca ou uma bola de futebol, vai ser refutado com veemência: – O que é isso, cara, eu quero é um aplicativo, que iphone já era! Uma senhora perguntou ao vigário da sua Paróquia se ela poderia conversar sobre sexo com a sua filha e o padre perguntou quantos ela tinha:
– A Silvyaninha tem 13 anos.
– Então a senhora não somente deve como tem obrigação, pois a senhora vai aprender muito com ela!
Para não virar bicicleta parada, optei então para escrever, além dos policiais, também sobre os mitos do folclore às crianças. Vamos ver o primeiro trabalho:
O menino Teixerinha e a Mãe-do-Ouro
Para o bisneto Henrique Teixerinha era um menino muito pobre, pobrérrimo mesmo, que o seu sonho, o seu maior desejo era estudar e ele já estava quase passando do tempo, pois completara a poucos dias, 10 anos de idade. O seu pai, o Teixeirão, assim conhecido, abandonara covardemente a mãe de Teixerinha com três irmãozinhos para criar, na mais absoluta pobreza. E como moravam em uma “invasão” e sem escolas, o menino Teixeirinha teria que andar mais de uma légua para ir à escola, se pudesse, que ficava no bairro mais próximo. Mesmo assim, sendo pública a escola, sem precisar pagar, ele não teria dinheiro para o ônibus e nem para comprar os materiais escolares, não falando no uniforme. Lanche, as escolas públicas fornecem.
Um dia ele disse à mãe, Maria Josefa, mais conhecida por dona Mariínha, que um amigo dele, que sabe ler, disse que leu em um livro de um escritor goiano, que as pessoas que foram encantadas, como a Mãe-do-Ouro, o Sacy Pererê e o Lobisomem, falavam no livro. Disse que são os tais mitos do folclore. E que a Mãe-do-Ouro era aquela bola de fogo que a gente sempre via de noite e que desaparecia atrás do Morro da favela. E a Mãe-do-Ouro é descrevida aqui no livro que o meu amigo me emprestou. A senhora sabe ler, não sabe, não?
– É claro que sei! Mas um dia, se Deus quiser, você vai poder ler tudo o que quiser, também. Dê cá esse livro.
E começou a ler em voz alta para que o filho entendesse:
“Todos nós ficamos de olhos fixados, pregados na telinha. Não resistimos às palmas quando a imagem foi dando resolução, aparecendo, não a bola-de-fogo esperada, mas uma mulher das mais lindas, toda enfeitada de ouro, resplandescendo, se retorcendo como uma bailarina, uma odalisca no harém de um sultão. Foi demais! Colares, enormes pulseiras, testeiras e tornoseleiras, tiara, correntes pelo corpo inteiro, tudo de pepitas do mais fino ouro, 24 quilates, no pouco, e pedras preciosas, também”.
– Mas aí no livro não fala adonde que a Mãe-do-Ouro mora, por que que ela chama esse nome aí, Mãe-do-Ouro?
– Tem sim. Vou ler a lenda, que também está aqui no livro: “A mãe-do-ouro é um mito meteorológico, uma bola de fogo (como um meteoro), bola dourada, que se levanta do solo, faz uma curva no espaço, à noite, caindo distante, onde, dizem, há tesouro enterrado, daí o nome: Mãe-do-ouro. O fenômeno é muito comum, muita gente boa já viu, mas a explicação é simples, pois se trata de fogo-fátuo: inflamação de gás metano que sai dos ossos das sepulturas, ou mesmo de onde há uma ossada de gado, e se incendeia em contato com o oxigênio do ar, formando uma bola leve que vai subindo, o vento de leve-levando.”
– Chi, mãe. Que coiserada é essa que eu nunca ‘vi falar?!
– De fato, meu filho, as palavras aqui do livro são complicadas e você só vai entender, ficar sabendo os seus significados, o que elas querem dizer, depois que você entrar na escola e aprender a ler.
– Mas aqui não tem escola, como é que eu vou aprender? Eu nunca vou saber nada do que a senhora leu aí no livro.
– Vai, vai sim, meu filho. Vou fazer todo o sacrifício possível e até impossível de pôr você numa escola. Confio muito em Deus e Ele vai ajudar a gente.
Vou ler mais um pouco, que aqui tem um trecho da passagem da vida dela, da Mãe-do-Ouro. Ela falou assim: “Vou começar falando assim, que fui, no passado, no período do ciclo do ouro, uma mulher bonita e poderosa, tinha todos os requintes de beleza, mas pela minha crueldade, me tornei uma bruxa por encantamento. Um bruxo miserável me encantou. Fui uma das pessoas mais ricas moradoras nas Minas Gerais. Eu minerava e comerciava ouro em grande quantidade. E o pior, também “furtava ou… roubava”, mas eu só queria o que me pertencia. Todos os meus escravos que iam juntando ouro para as suas alforrias, eu sabia que me era roubado, e castigava os infelizes com crueldade, deixando-os amarrados nos troncos até em noites chuvosas de tempestade, alguns morrendo de frio, de fome e de sede. E, para não ser roubada, fui escondendo, enterrando grande quantidade de ouro. Fui ficando velha e muito doente até que me falhou por completo a memória, não sabendo aonde fizera o “enterro”. Quando me desencantei voltou-me a mocidade. Adquiri mais ouro e tornei a ficar encantada, me enfeitei, e desde então saio todas as noites com os meus ouros resplandescendo, iluminando, procurando o lugar do meu tesouro “enterrado”.
– A senhora acabou de ler aí no livro que a Mãe-do-Ouro está procurando um tesouro de ouro enterrado? E se a gente for ajudar ela a achar o tesouro, a gente não vai ter parte nesse ouro, mãe?
– De certo que tem, meu filho.
– Mas de que jeito que a gente vai poder falar com ela?
– Vou dar um jeito. Na noite da Mãe-do-Ouro aparecer, nós vamos ficar lá atrás do morro adonde ela desaparece e levar o enxadão e a picareta que o seu pai deixou aqui. Aí vou levar também o Terço que sempre rezo pra Nossa Senhora da Piedade e a santa vai atender a gente e fazer a Mãe-do-Ouro aparecer e mostrar aonde que ela acha que escondeu, enterrou o ouro.
E assim fizeram. Assim que chegaram ao lugar dona Mariínha começou a rezar o Terço em voz alta e mandou o filho fechar os olhos e só abrirem quando ela mandasse. E assim dona Mariínha rezou o terço inteirinho, 50 ave-marias e 15 Pai Nosso, quando mandou o Teixerinha abrir os olhos. Qual foi o seu espanto em ver a Mãe-do-Ouro ali presente?! A palavra ficou engasgada na garganta e ele não dava conta de falar nada, nem de cumprimentar a magnífica “aparição”. O lugar eram as ruínas de uma cidade do século XVIII (18), completamente destruída, somente com partes de alguns alicerces de pedra e paredes grossas de adobe e de taipa. A senhora da “aparição” disse que era diáfana e não poderia ajudar, mas que ali estariam enterrados três litros-de-vidro cheios de pó de ouro. Se conseguissem encontrá-los o seu “desencanto” seria realizado e ela queria um litro para ela e recomendou para que ele comprasse em casa especializada em embalagens, centenas de frasquinhos de plástico-transparente, enchendo-os do pó do ouro e daria um para cada criança pobre que não tinha, como ele, condições financeiras para estudar. E que fosse ao Banco do Brasil e trocasse todo o ouro do vasilhame em dinheiro e o aplicasse, usando os juros para pagar as prestações de uma boa casa em um bairro que tivesse escola. Com estas propostas Teixeirinha e a mãe Mariínha agarraram as ferramentas e passaram a demolir as paredes grossas, Mariínha sempre rezando o Terço de cor até que a picareta acionada pelo menino triscou e deslizou no vidro de um litro do ouro. Foi aquela alegria, com abraços e mais abraços, inclusive a Mãe-do-Ouro, que se desencantou e saiu correndo com o seu litro de ouro debaixo do braço. A mãe pegou um e Teixeirinha quase não dando conta de carregar o outro, que pesava demais da conta, deixando as ferramentas lá para quem quisesse pegá-las, o que não faltou quem as quisesse, inclusive demolindo todos os restos de paredes de taipa e adobe, mas nada achando, que o ouro enterrado era só aquele da Mãe-do-Ouro.
E hoje se podem ver em quase todas as invasões das periferias da cidade, ótimas escolas, com as placas: ESCOLA TEIXERINHA – ENSINO GRATUITO – PRESIDENTE E DIRETOR: Professor Dr. João Teixeira Filho
Explicações de certas palavras usadas nesta história:
Diáfana – Transparente, sem forma, que não pode ser sentida com as mãos. Taipa – Muro e parede feita de terra socada.
Adobe – Tijolo feito de terra, barro colocado na forma.
Macktub!
(Bariani Ortencio. [email protected])