Brasil

Uma visão sobre o feminicídio

Redação DM

Publicado em 3 de dezembro de 2020 às 16:32 | Atualizado há 5 anos

A caracterização como crime passional ou crime contra a honra foi uma das principais formas de se camuflar os homicídios cometidos contra mulheres, no ordenamento jurídico brasileiro, até 2015, quando o Código Penal foi alterado. No caso citado, o primeiro julgamento, ocorrido em 1979, Doca Street foi condenado a dois anos de prisão a serem cumpridos em liberdade. A população já gritava, mas o era “Doca, Cabo Frio está com você”. O apoio popular acontecia em razão da ideia de que Doca tinha o direito de matar a companheira para defender sua honra.

A história é da década de 70, mas não parece ter ficado no passado. O Brasil ocupa, hoje, o 5° lugar no ranking mundial do Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). O Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que o número de mulheres assassinadas no Brasil aumentou nos últimos anos. A alteração promovida em 2015 aconteceu devido à inclusão da Lei 13.104 que tipificou o feminicídio como homicídio, considerado hediondo e com punição mais severa.

O feminicídio é o homicídio contra mulheres pelo simples fato de serem mulheres. A desconstrução dessa prática de ódio passa, certamente, por uma atuação governamental no combate a estes crimes. A mulher é vista como de propriedade, e quase sempre masculina. Os homens, criados em uma sociedade machista, enxergam a mulher como alguém destinado a lhe servir em tudo. E quando se vêm perdendo esse “direito” cometem vários tipos de atrocidades, chegando, inclusive, ao “crime de propriedade”. Fato muito comum em razão a desigualdade de gênero. Acusar e depreciar as mulheres, sob o argumento da honra é um dos absurdos mais comuns na sociedade brasileira. Como disse Carlos Drumond de Andrade, sobre o caso da Ângela Diniz, “aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras”.

A pensadora e feminista Lélia Gonçalez defende que toda essa construção se dá inclusive pela hierarquização de conteúdo. Até dentro dos movimentos feministas acontece, muitas vezes, amparo apenas dos argumentos em defesa da mulher branca, como caso citado no início desse texto. O relatório do CNJ, já citado, aponta que a taxa de assassinato de mulheres negras aumentou 54% frente à queda de 10% dos cometidos contra as mulheres brancas.

As mulheres têm menos direito de voz, as negras especialmente. Cabe então a homens, como eu e você leitor, assumir seu papel nesse processo e além de discutir o tema, promover espaço para a fala de quem tem sido vitimizada por uma construção social milenar. Amor de fato não mata. Mas o ódio sim.

A abdicação de uma vida de privilégios e violência sustentada no “ser homem” dever se a maior contribuição que cada um de nós pode deixar para as gerações futuras. Nesse sentido, como diz Djamila Ribeiro, “pensar a partir de novas premissas é necessário para se desestabilizar verdades.”
Reconhecer que a violência contra as mulheres é uma grave questão em nossa sociedade é urgente. Ter políticas públicas que possam dar resposta à questão é a contrapartida desse reconhecimento que ainda estamos aguardando. Se feminicídios continuam a ser vistos como crimes de amor, precisamos aprender mais sobre feminicídios. E sobre amor também.

Anderson Macena. Graduando em Direito pela UniAraguaia. Professor dos Colégios: Simbios, Visão, Protágoras,Teo e Sinapse. Orientado pela professora Roberta Nascimento Barros.

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