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Cidade dentro de Goiânia

Tomar uma cerveja no bar Presuntinho, andar de skate na Praça da Paz ou degustar um bom pastel na feira de domingo da Avenida Sol Nascente. Tudo isso faz parte dos prazeres de quem mora no Setor Nova Esperança. O setor, fruto da luta popular, foi a primeira ocupação organizada da Capital e conseguiu se tornar um polos comerciais da região Noroeste. Por outro lado, a violência e tráfico de drogas ainda ameaçam a paz dos moradores.

O analista de sistemas, que hoje é chefe de gabinete da prefeitura de Goiânia, Paulo César Fornazier, mais conhecido na região como PC, acompanhou de perto a história do Jardim Nova Esperança. Com a família, chegou ao local no início das ocupações da fazenda, em 1979.

Motivados pelo êxodo rural, os pais de PC eram trabalhadores rurais de Turvânia. Chegaram no Jardim Nova Esperança em busca melhorias nas condições de vida e estudos para os filhos.  Nessa época, assim como outros moradores da ocupação, viviam em barraca de lona e a comida era feita em na trempa. “Não tinha energia, nem saneamento. Houve muita pressão para sairmos até a década de 80, a sorte foram os lideres populares, com apoio da igreja católica, conseguiram realizar uma ocupação organizada”, diz PC.

Robinho Martins, que morreu em 1994, era um dos líderes do movimento. Na época da ocupação, era estudante de agronomia e um entusiasta dos movimentos sociais a favor da terra. Na luta, encontrou sua mulher, que trabalhava na Comissão Pastoral da Terra (CPT), Geralda Santa Bárbara Azevedo, que também se tornou uma das líderes do movimento.

“Na época, erámos jovens e víamos aquele problema do trabalhador rural que foi substituído pelas máquinas e chegou a Goiânia sem emprego, sem moradia e formação. Queríamos resolver a problemática. Comecei a ir acompanhando uma colega de trabalho e Robinho nos procurou, porque sabia demarcar terras e queria ajudar. Ele também sabia dirigir e nos levava e assim começamos a namorar”, recorda Geralda.

Além da demarcação dos lotes, Robinho projetou as ruas do Jardim Nova Esperança, que hoje são largas, com escoamento e quarteirões bem definidos. O casal, que se conheceu nessa luta, logo casou e, em conferência, os moradores resolveram presenteá-lo com um terreno no bairro, onde nasceram seus três filhos e passou parte da vida.

Mas, após a regularização do espaço, Geralda conta que foi preciso lutar por melhorias – e muitas -  como, a chegada de energia elétrica – em 1982 -, água e asfalto, que chegou na época do prefeito Darci Accorsi. Já o saneamento básico ainda era um problema até bem pouco atrás.

“Conseguimos colégio estadual, escola municipal, posto de saúde e delegacia. Temos uma instituição boa, a Obras Sociais do Centro Espírita Irmão Áureo (Osceia), que consegue atender jovens e encaminhar para o mercado de trabalho e o Centro de Educação Comunitária de Meninas e Meninos (CECOM) é um centro de formação socioeducativa e cultural”, conta.

Um dos líderes do movimento Robinho Martins ao lado de policiais. Foto: jadim Nova Esperança.

Polo comercial

Com a infraestrutura montada e a proximidade com Campinas, no começo dos anos 2000, o bairro começou a ser atrativo para o comércio. A região noroeste começou a se fortalecer, houve ainda alto índice de ocupação demográfica. Chegou também na região shopping, atacadão, faculdade que também trouxeram novas possibilidades. “Os jovens tinham onde trabalhar e estudar mais perto de casa”, diz.

Antes da Avenida Mangalô e Avenida do Povo, o comércio do Jardim Nova Esperança era  o mais forte da região Noroeste. Na Avenida Central, lojas de eletrodomésticos, pet shops, farmácias, ferragistas pipocaram. E a noite do setor começou a se destacar nos arredores da Praça da Paz, com bares, restaurantes, pamonharias, lanchonetes e pitdogs. Hoje, há diversas opções no local, bem decoradas e que oferecem serviços e comodidades das casas dos setores nobres.

Rock, skate, grafite e hip hop

Júlio era dono do Julio's Blues Bar, que serviu de referência para os bares de rock da capital. Foto: arquivo Pessoal.

Um dos precursores desse movimento reinou durante quase vinte anos na Praça da Paz, o famoso Julio’s Blues Bar. Tratava-se de bar temático de rock, que fechou há dois anos em decorrência da pandemia. Ele foi referência para espaços semelhantes, como o Bar do Kuka.

“Quando comecei, só tinha o asfalto na Praça da Paz fiquei lá. O Julio’s ia na contramão: era um bar de rock na periferia. O bar que mais bombou em um setor que era apático de diversão. Levei bandas de renome nacional, como a banda goiana TNY. Era um bar em que reunia ainda fazedores de arte”, diz Júlio, ex-proprietário do espaço.

E antes da Praça da Paz se tornar o "point" da vida noturna, se tornou referência da cultura de rua. Logo quando foi reformada, ganhou a  primeira pista de skate em área pública no estado de Goiás. “Havia um movimento forte do skate. Hoje tem pessoas que andam, mas precisando de manutenção da praça e do campo de futebol. A pintura também precisa ser atualizada e é necessário melhorar a segurança”, diz PC.

O analista de sistemas, recorda ainda que a Praça da Paz já teve grande influência no grafite e hip hop da cidade. “Quinta-feira existia batalha de rimas, que hoje não existe mais. E não existe nada hoje em andamento. Poderia de ser um ponto de encontro fantástico.”, lamenta PC, acrescentando que a violência, em decorrência do tráfico é um dos maiores problemas atuais.

CURIOSIDADE
Vale lembrar ainda que o Jardim Novo Mundo possui uma das maiores feiras hortifrutigranjeira da Capital. Começa na Rua São Geraldo e segue até a Praça da Paz: ao todo são seis quarteirões de feira. O pastel é um dos maiores sucessos.

“Primeiro erámos invasores, depois posseiros”

Escritora Maria de Jesus já escreveu dois livros sobre história do Jardim Nova Esperança. Para, ela o movimento trouxe diversas melhorias para o setor.

A frase é da escritora Maria de Jesus, que participou da luta pela posse do Jardim Nova Esperança e já escreveu dois livros sobre o assunto. O primeiro, inspirado da literatura de cordel: “Os Dez Anos de Uma Nova Esperança”, publicado na primeira década da conquista. Já o segundo, trata-se do documentário “Retalhos de Lembranças”, que detalha recordações das origens do bairro. E, sobre as motivações e acontecimentos, o DM conversou com a escritora, que falou do medo e espirito de resistência que reinava na época. Confira:

DM- Como vocês se enxergavam na época?}
Maria de Jesus - Primeiro nos chamávamos de invasores, depois posseiros, pois estávamos posse de uma terra que não tinha dono. Primeiro foi a luta, depois vieram os benefícios que transformaram o Jardim Nova Esperança na potência que é hoje.

DM - Como foi parar nessa luta?
MJ -
Cheguei no auge, como todos ali. A situação nos obrigava: estava sem lugar para morar, era época do êxodo rural, no campo não tinha mais espaço e a cidade foi inchando e o jeito foi partir para as ocupações. Não tinha trabalho e nem moradia. Cheguei em setembro quando começaram os ataques. Foi meu marido que falou:  vamos morar numa invasão eu fiquei apavorada. Mas ele decidiu e fomos.

DM – O que viu quando chegou?
MJ -
Vi uma verdadeira confusão: barracas de lona, coisas amontoadas. Pegamos carona com uma carroça e trouxemos só fogão, uma cama e tínhamos três crianças. Passamos a noite em claro, com medo da chegada de soldados a mando do prefeito, que na época era Índio Artiaga. Eles direto vinham com um documento para assinarmos a desistência do terreno. Muita gente assinou, mas depois o movimento começou a ficar forte e começou a resistência no setor.

DM – Como era a resistência?
MJ -
Tiveram dias violentos, mas nossa resistência foi pacífica: resistíamos com palavras e com a barrigada humana. Ficávamos na frente das máquinas e algumas pessoas deitavam nas cisternas, para que não  a entupissem. No dia 4 de outubro de 1979 aconteceu o maior afrontamento.  Teve um dia que vieram e derrubaram mais de 80 barracas. Eles disseram que íam acabar com a invasão, mas se retiraram para almoçar e deixaram as máquinas e, a gente jogou areia em todos os buracos das máquinas, que estragaram.  Tem a suspeita que tenha morrido uma criança em um barracão nesse dia. Temos quase certeza que foi morta, pois ouvimos barulhos e sumiram com a família. Por isso que o aniversário do Nova Esperança é em 4 de outubro. Depois disso, ganhamos o apoio da imprensa e das pessoas.

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