
Sem nenhum glamour, da janela do ônibus lotado, após o dia de trabalho, observam a cidade. Já começa a noite quando muitos podem ter o prazer de chegar em suas casas, localizadas em bairros às margens do município. Estão nos setores que nasceram da necessidade de moradia, ocupações irregulares, às vezes em áreas de risco e carentes em infraestrutura. Para o lazer, a TV ligada, um jogo de futebol no campinho ao lado, sentar na calçada ou em um bom botequim. Bem-vindos ao cotidiano do habitantes da Goiânia pobre.
Na beirada da BR, ao lado do Setor Leste Universitário, está a favela Quebra Caixote. Segundo um dos moradores do local, o aposentado Divino Bruno, 70 anos, o bairro possui este nome, porque há cerca de 30 anos, a maioria das casas do setor eram feitas de madeirite. “Havia muitos trabalhadores de obras. Alguns deles, quando bebiam, arrumavam confusão com outros moradores e, durante a briga, quebravam a casa um do outro. Assim, aqui virou o Quebra Caixote”, esclarece.
Divino recorda que na época do quebra-quebra, a vida no setor era mais tensa. “Aqui tinha muitos maloqueiros, mas nunca ninguém mexeu comigo. Hoje eles foram embora, muitos morreram. Gosto de viver aqui, é próximo do Centro e não há mais violência”, conta ele. Ele vive em uma casa de classe média. As residências mais precárias ficam às margens da BR-153.
Em muitas dessas casas, o lixo toma conta das ruas sem asfalto. A proximidade com a rodovia e a falta de proteção da via, causa insônia nos moradores do local. A auxiliar de serviços gerais Elcy Pereira, por exemplo, mora há mais de 30 anos com as filhas e netas próximo à dodovia. “O perigo aqui são os carros e caminhões caírem aqui embaixo. É só começar o período chuvoso que os acidentes começam a acontecer. Estes dias caiu um caminhão”, diz.
Um dos acidentes nas proximidades chegou a atingir seu muro. Para se livrar do perigo, a auxiliar revela que seu maior desejo é viver em outro local. “Gostaria de sair, a Prefeitura uma vez já retirou alguns moradores e realocou eles em um local seguro”, conta, explicando que gostaria de que, ao menos, colocassem barreiras de proteção neste trecho da rodovia.
A reportagem entrou em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), para saber sobre as barreiras da rodovia, mas, segundo o órgão, a BR-153 não faz parte da jurisdição da autarquia. A Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplan), não deu retorno , até o fechamento da matéria, sobre a situação dos moradores.
Longe de tudo

Moradora do Novo Planalto, região Noroeste, historicamente uma área periférica da cidade, a dona de casa Floripa Ferreira, afirma que não vive grandes problemas como os de Elcy. “A vida aqui é tranquila, gosto de lugares mais afastados e sem movimento”, conta ela, sentada na cadeira de fio na calçada de sua residência, ao lado da irmã, que mora na casa à frente.
Porém, apesar da tranquilidade, ela enfrenta transtornos, como o acesso a produtos e serviços. “Aqui tem um supermercado, mas quando preciso comprar algum eletrodoméstico, ou roupas, tenho que ir até à Avenida Mangalô, que está crescendo muito, ou em Campinas”, reconhece, apontando que a segurança também não deixa de ser uma preocupação. “Coloquei cerca de arame farpado, a polícia não passa muito aqui, tem aquelas seguranças privadas que não paguei, mas, geralmente, não é violento”, afirma.
Centro do povo

Apesar de contar com uma infinidade de produtos e serviços, o Centro de Goiânia, não é mais o foco dos altos investimentos imobiliários, como já foi há 30 anos. A falta de revitalização do setor, afugentou os ricos, tornando-o um espaço de classe média e um reduto da cena alternativa, com a chegada de diversos bares acessíveis e descolados e também por seus diversos centros culturais (como Goiânia Ouro, Teatro Goiânia, Sesc Centro).
Durante o dia, entre as ruas do Centro, os vendedores ambulantes estão por toda parte. Nas calçadas, eles se espremem em busca de garantir o sustento do mês comercializando toda sorte de produtos. Nas paradas de ônibus se apressam para chegar onde querem e precisam e, nas ruas, se encarregam de oferecer produtos ou apenas entreter os motoristas.
Números invisíveis
O Boletim de Desigualdade nas Metrópoles, elaborado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mostra que Goiânia e Região Metropolitana tiveram crescimento da pobreza de 47%, 366,6 mil, em 2020, para 538,7 mil, em 2021. Já as pessoas em extrema pobreza cresceram 80%.
O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 e já defasado, apontou as áreas mais precárias da capital. Setores como Emílio Póvoa, Jardim Botânico, Jardim Botânico II, Área I do Jardim Goiás, Jardim Guanabara I, Quebra Caixote e Rocinha apareceram na lista como os mais pobres.
Para a urbanista Simone Buiate, que é conselheira do Conselho de Arquitetura, a pobreza em Goiânia, historicamente, se concentra no que chama de “franjas da cidade”, que são as regiões noroeste e sudoeste da metrópole.
“Muitos dos pobres, não moram apenas em habitações precárias, como também em regiões irregulares é que historicamente aconteceu no setor Novo Mundo e suas proximidades. Nessas ocupações, famílias residiam em torno da linha férrea, mas hoje quase todas foram retiradas, sobretudo na região Leste”, explica.
Uma solução, de acordo com a urbanista, é a regularização. “A falta de escrituras dessas áreas, que legaliza a presença delas nesses locais, torna tudo mais complicado e dificulta que a população tenha acesso aos serviços básicos de estrutura urbana, saneamento básico, acesso à saúde. Os problemas nesses locais são falta de asfalto, energia elétrica, coleta de lixo e lazer, nem se fala”, argumenta.
O que também seria de extrema importância para atender às necessidades da população mais vulnerável, conforme Simone Buiate, é a atualização do Censo do IBGE de forma adequada. Segundo ela, a pesquisa mostra perfil social, econômico, racial da cidade e pode ajudar na execução de melhorias.
“O IBGE está atrasado há dois anos e o que está sendo feito não contempla uma série de dados que são necessários para entender nossa população. É preciso entender as demandas bairro a bairro e isso ficou muito escancarado na revisão do Plano Diretor de Goiânia. Ter recursos para entender as características, a infraestrutura, conseguimos uma distribuição mais igualitária dos equipamentos”, ressalta.
As ruas e bares do Centro são os pontos escolhidos pelo auxiliar de cozinha Dener Ferreira, que para complementar a renda e sustentar os três filhos, vende pirulitos nas ruas. “Vim de Minas Gerais logo quando cheguei aqui com minha família fui roubado. Mas já consegui sair das ruas, moro no Parque Atheneu e meu sonho é montar minha pizzaria aqui em Goiânia”, diz ele, emendando o número do pix: “Caso alguém queira me ajudar, meu pix é: 08342450600 é o CPF”, detalha.

Números invisíveis
O Boletim de Desigualdade nas Metrópoles, elaborado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mostra que Goiânia e Região Metropolitana tiveram crescimento da pobreza de 47%, 366,6 mil, em 2020, para 538,7 mil, em 2021. Já as pessoas em extrema pobreza cresceram 80%.
O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 e já defasado, apontou as áreas mais precárias da capital. Setores como Emílio Póvoa, Jardim Botânico, Jardim Botânico II, Área I do Jardim Goiás, Jardim Guanabara I, Quebra Caixote e Rocinha apareceram na lista como os mais pobres.
Para a arquiteta e urbanista Simone Buiate, que é conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO), a pobreza em Goiânia historicamente se concentra no que chama de "franjas da cidade", principalmente nas regiões noroeste e sudoeste da metrópole.
"Muitos dos pobres não moram apenas em habitações precárias, como também em regiões irregulares. É o que aconteceu no Novo Mundo e suas proximidades", explica.
Uma solução, de acordo com a urbanista, é a regularização. "A falta de escritura, que legalizaria a presença dos moradores nesses locais, dificulta que a população tenha acesso aos serviços básicos de infraestrutura urbana, como saneamento e acesso à saúde. Também falta asfalto, energia elétrica, coleta de lixo e lazer."
O que também seria de extrema importância para atender às necessidades da população mais vulnerável, conforme Simone Buiate, é a atualização do Censo do IBGE de forma adequada. Segundo ela, a pesquisa mostra perfil social, econômico, racial da cidade e pode ajudar na execução de melhorias.
“O IBGE está atrasado há dez anos e o que está sendo feito não contempla uma série de dados que são necessários para entender nossa população. É preciso entender as demandas bairro a bairro e isso ficou muito escancarado na revisão do Plano Diretor de Goiânia. Com mais recursos para entender as características e a infraestrutura da cidade, é possível conseguir uma distribuição mais igualitária dos equipamentos", ressalta.”, ressalta.
