Corrupção plantada nos canteiros de Goiânia
Diário da Manhã
Publicado em 14 de junho de 2016 às 12:52 | Atualizado há 4 mesesO empresário Raimundo Rairton Paulo de Assunção consegue sobreviver como fornecedor da Prefeitura de Goiânia e faturar milhões de reais todos os anos mesmo após o Ministério Público mover ação de improbidade administrativa contra ele, suas empresas e ex-dirigentes da Comurg.
Somente em grama esmeralda ele faturou mais de R$ 2 milhões nos últimos meses em nome de uma empresa que está em nome de um laranja seu.
A Tropical Viveiro e Material de Construção é uma microempresa instalada no longínquo Jardim Tropical, em Aparecida de Goiânia, que venceu uma licitação para fornecer grama para a Comurg em outubro de 2015.
O certame, na modalidade pregão eletrônico, realizado virtualmente, sem presença de vendedor nem comprador, habilitou a pequena empresa a fornecer para a Comurg mais de R$ 2 milhões em grama dos tipos esmeralda e batatais. O detalhe que mais chamou a atenção é que a Tropical não planta nem meio metro quadrado de grama, mas se tornou o principal fornecedor dos últimos anos da municipalidade.
O proprietário da Tropical se apresenta como Claudionor Pereira da Silva e sustenta ser legitimamente o dono da microempresa junto a sua esposa.
Entretanto, ele não sabe explicar a razão de todos os indicativos o ligarem intimamente a Raimundo Rairton.
O primeiro é que o lote onde funciona a empresa de Claudionor, mais conhecido como Bola, é de Rairton. “Isso é verdade. Eu pago aluguel para ele do lote”, confessa.
O telefone que consta no cartão do CNPJ é 4005-6455. Qualquer pessoa que se habilite a ligar nesse número não terá mais dúvida: a atendente diz rapidamente “Nacional Cardans, boa tarde”. Nacional é a principal empresa de Raimundo Rairton e base de suas operações com a Comurg.
Antes da Tropical Raimundo Rairton se valia de outra empresa do mesmo ramo para fornecer artigos para paisagismo. A Vale Ambiental também tinha a mesma destinação, endereço e telefone da Nacional Cardans.
Mas a participação da Tropical nas vendas para a Comurg já foi muito maior. Antes dessa licitação considerada pequena ela venceu outro pregão eletrônico para fornecer 1,8 milhão de metros quadrados de grama esmeralda e outros 500 metros quadrados de grama batatais para a Comurg. Isso é grama suficiente para cobrir quase 400 campos de futebol.
“É claro que não foi entregue toda essa grama para a Prefeitura de Goiânia”, diz um empresário que planta grama e nunca conseguiu vender para o município porque os concorrentes mergulham no preço. Segundo esse empresário rural o preço praticado pelos fornecedores é abaixo do custo de produção. “Não há milagre nisso. Ninguém consegue vender abaixo do preço de custo porque senão quebra. A diferença vem em outra forma de negociar”, explica.
Essa “diferença”, que faz fornecedores cumprirem o contrato e entregar produtos abaixo do preço é que existe uma muito bem montada rede de corrupção em escalões menores do serviço público.
Funciona de forma até simplória e difícil de ser fiscalizada: a entrega do produto é fraudada, constando uma quantidade muito abaixo da realidade, ou seja, entrega 100 metros e consta da nota 300 metros. Para isto é preciso ter em quem atesta o recebimento total cumplicidade. Presidente da Comurg, Controle Interno, prefeito, ninguém consegue fiscalizar isto tudo e o dinheiro público vai pelo ralo.
Indisponibilidade
As empresas de Raimundo Rairton até poderiam fornecer para a Prefeitura de Goiânia, não fosse o fato dele ter sido acionado pelo Ministério Público junto aos ex-presidentes da Comurg, como Wagner Siqueira, Luciano de Castro e outros dirigentes da Prefeitura em negociatas muito pouco republicanas.
O saldo da investigação foi uma violenta ação de improbidade administrativa que rendeu uma sentença do juiz Fabiano Abel de Aragão Fernandes, da 2ª vara da Fazenda Pública Municipal que determinou a indisponibilidade dos bens de Raimundo Rairton, algumas empresas suas arroladas na ação e ex-dirigentes da Comurg, inclusive o afastamento do então presidente Luciano de Castro.
A influência de Raimundo Rairton na Prefeitura de Goiânia é grande, atestam conhecedores dos meandros do Paço Municipal.
Ele conseguiu arrancar dinheiro até mesmo do mais empedernido guardador dos recursos municipais: o secretário de Finanças, Jeovalter Correia. Rairton se achava merecedor de cobrar uma dívida da Comurg de pouco mais de R$ 3 milhões em nome da Comerciauto Comércio e Serviços Ltda, que também explora o mesmo segmento da Nacional Cardans: retífica e manutenção de caminhões e máquinas pesadas para a Comurg.
Sob o patrocínio do advogado Ricardo Miranda Bonifácio a Comerciauto, de Rairton, foi à Justiça com notas fiscais e outros documentos instruindo uma ação monitória e tentando receber a alegada dívida.
Essa modalidade de ação serve para que a Justiça diga se o autor tem direito àquele crédito ou não e ela se torna um título executivo, ou seja, que pode ser executado. Após seu trânsito é necessário propor uma ação de execução para receber a dívida. No caso de entes públicos, como a Prefeitura de Goiânia, a ação monitória é apenas inicial e os graus de recurso se sucedem.
A rigor a Procuradoria do Município recorre sempre, protelando o pagamento. Mas, no caso da ação monitória movida por Raimundo Rairton houve uma coisa difícil de ver na Prefeitura de Goiânia. Não houve nenhum recurso e um acordo viabilizou o pagamento da dívida acordada de R$ 3 milhões em seis parcelas de R$ 500 mil. O atual diretor financeiro da Comurg, Rodrigo Forte, que foi o advogado subscritor do acordo de pagamento milionário disse que “a empresa já havia perdido mesmo e não via razão para recorrer”.
[box title=”Pagamentos realizados religiosamente”]
Os pagamentos foram honrados pelo secretário Jeovalter Correia e depositados religiosamente para cumprimento do acordo, mesmo que a empresa de Raimundo Rairton estivesse com todos os direitos de recebimento e comercialização suspensos por ordem judicial. “Esses pagamentos se prestaram ao pagamento de outro acordo, porque ninguém arranca um pagamento do Jeovalter assim sem um fortíssimo argumento”, garante uma fonte que conhece o caso na Comurg e na Secretaria de Finanças.
O caso por pouco não ganhou outra dimensão, depois que Raimundo Rairton roeu a corda e rompeu o acordo com seu advogado, Rodrigo Moraes Leme, que pediu o bloqueio dos repasses porque o empresário se negou a pagar os honorários devidos pelo acordo celebrado. Como relatou o advogado Rodrigo Moraes Leme ao juiz do feito, “apesar do vencimento das obrigações estipuladas” não foi “efetuado o cumprimento” do acordo referente aos honorários do advogado. Esse descumprimento do acordo por parte da Comerciauto Comércio e Serviços Ltda provocou a aplicação de uma multa de R$ 150 mil, também cobrada pelo advogado.
“Havendo atraso no pagamento das parcelas pactuadas, operar-se-á automaticamente multa no importe de 5% (cinco por cento) do total pactuado independentemente de qualquer interpelação ou notificação”, diz o dispositivo expresso no acordo celebrado em juízo.
Em outro item do acordo registrado na 6ª Vara Cível, a Comerciauto Comércio e Serviços Ltda se obriga de antemão a pagar a quantia certa de R4 180 mil referente aos honorários contratuais ao escritório Rodrigo Leme Advogados Associados S/S” em conta do Bradesco indicada no acordo e “em caso de atraso incidirá a multa prevista no item 6”. Esse item 6 é o que trata de multa de 5%.
Adiante no pedido de bloqueio dos repasses para a Comerciauto o advogado Rodrigo Moraes Leme frisa ficar “patente a intenção da Comerciauto em dar o cano, locupletar-se dos valores pertencentes” ao advogado, que, “diga-se de passagem, é verba de caráter alimentar”. Além dos valores referentes aos honorários, Rodrigo Leme e o advogado Valdivino Wesley de Jesus cobravam mais 20% a título de verbas de sucumbência da Comerciauto.
Desconhecimento
O Controlador-Geral do Município, Raphael Salles, disse que desconhece se Raimundo Rairton e suas empresas estarem ainda fornecendo ou prestando serviços para a Prefeitura de Goiânia. “Se isso estiver acontecendo e se estiver em confronto com a legalidade serão tomadas providências para impedir”, garantiu.
Fontes da Comurg atestam que as empresas de Rairton, principalmente a Nacional Cardans, continuam prestando serviços normalmente para a empresa municipal, apesar da proibição judicial.
“Tudo continua lindo e maravilhoso para essas empresas e seu dono. Se o Ministério Público quiser realmente investigar basta pedir a quebra do sigilo bancário para saber por onde são movimentos os recursos que ele recebe da Prefeitura de Goiânia”.
A reportagem tentou ouvir o empresário Raimundo Rairton na empresa Nacional Cardans. Foi deixado um pedido para que ele retornasse a ligação. Até o fechamento da edição isso não havia sido feito.
[/box]