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Goiás de joelhos em Trindade

Termina hoje uma história de fé que se repete todos os anos. A mais tradicional festa de Goiás, a celebração do Divino Pai Eterno, em Trindade, entrou em sua reta final: hoje ocorrem as mais importantes e derradeiras solenidades religiosas.

É neste domingo, 2, enfim, o dia da festa, a data em que tudo que a tradição representa se converte em fé e história. A alvorada festiva ocorre às 4h30. E logo em seguida, fiéis de todo país realizam a simbólica procissão da penitência – espetáculo sagrado e gesto que significa, de fato, agradecimento e reverência por quem nos salvou nos estritos ditames cristãos de amor e missão.

A partir das 16h30, encerra-se a festa com a procissão luminosa. O cortejo sairá da Matriz e os participantes devem levar velas para seguir até a Praça do Santuário da Basílica. É o momento mais tocante da festa católica e de todo povo goiano, já que a vela é simbolicamente um objeto representativo de todo o festejo – no trajeto da Rodovia dos Romeiros seu preço foi aumentando de R$ 1 para R$ 3. Quanto mais perto da Basílica, mais caro. Hoje deverá ser vendida por R$ 5, avisam os comerciantes consultados na Rodovia dos Romeiros.

Se por um lado é comércio, por outro é a representação semiótica da luz e da chama. Tanto clareia pensamentos quanto evoca a Idade Média, época de ouro da Igreja Católica. Mas para a igreja, de fato, ainda mais em seu momento litúrgico, simboliza tanto nossos sacrifícios por Jesus Cristo quanto a imolação Dele por nós.

A equipe de reportagem do DM observou varias utilidades da vela ao longo da festa. Como, por exemplo, as crianças que brincavam na chegada da Basílica: “Êi, não mexa com a vela aqui não. É do meu pai! Esse aqui é meu pai!”, disse para outro menino.

O garoto, que conversou com a reportagem na madrugada, disse que mora nas ruas. E que, de fato, não tem pai. Mas que sua frase era uma brincadeira, já que as pessoas chegam a Trindade para acender velas para os “mortos”.

O pai do garoto anônimo morreu para ele, já que jamais o assumiu. Nas romarias em direção ao portal da cidade e da Basílica, as velas adquirem expressão de fé, esperança e agradecimento – o contrário do deboche compreensível da criança.

E durante os festejos de hoje, com certeza, o uso da vela será menos de devoção pessoal e mais de adoração. Sua consumação representará a entrega de Cristo por nós – pois ao morrer nos deu a vida eterna. Assim, a vela ao iluminar, aquece e também se consome. E, por fim, simboliza uma tradição repleta de signos e simbologias, cujo ritual pouco se renova, já que bebe na tradição dos tempos.

AUMENTO 

Os organizadores acreditam que em 2017 ocorreu um aumento de 30% dos fiéis. Eles chegam e chegaram aos montes para cumprir os 18 quilômetros de distância da Capital até Trindade.

A expectativa é de que cerca de 4 milhões de pessoas tenham passado pelo município. No portal da entrada, os fiéis chegam com a obrigação de caminhar mais dois quilômetros até a Basílica, onde são realizadas as principais missas.

Neste ano diversas autoridades já cumpriram o trajeto a pé, caso do governador Marconi Perillo e senador Wilder de Morais. Comitivas de gestores públicos seguem aqueles que conseguem encarar o percurso.

NÃO É SÓ TRINDADE 

Nesta época do ano ocorrem em Goiás outras festas religiosas importantes, como as que acontecem em Guarinos e Panamá – que também celebra a Festa do Divino.

Ao todo, cerca de 4,5 milhões de pessoas estão concentradas em festas religiosas no Estado. A Capital da Fé, Trindade, deve receber quase 4 milhões. Panamá, cuja celebração completa 99 anos, deve ser visitada por 100 mil a 300 mil pessoas. E Guarinos a mesma quantidade.

Cordel, orações e água de graça 

Na entrada de Trindade, os romeiros recebem orações. Neste ano um grupo optou em doar Literatura de Cordel com os relatos e histórico da festa. Não dá para quem quer. Os fiéis levam e usam a oração do Divino que aparece na contracapa.

Outros fiéis e romeiros recebem água de graça. Um dos pontos tem até refrigerante. A caminhada é solidária. A equipe de reportagem optou em fazê-la ontem, um dos dias mais cheios. Apesar da liturgia, foi possível observar muitas atividades, como uma caravana de parapentes que surgiu nos céus. Em vez do carro de bois, foram estes modernos paraquedas que fizeram a festa de Trindade.

No percurso tem até boate, com gelo seco e iluminação apropriada. Na medida em que se aproxima de Trindade, os valores dos produtos aumentam. É assim que se conserva a tradição: com comércio e entrega ao mais especioso espetáculo da fé.

A festa teve início com dois camponeses, que também atuavam como garimpeiros, Constantino Xavier e Ana Rosa. Eles encontraram uma medalha com a gravura do Divino Pai Eterno – concepção ao Deus Pai que teve início em 1840.

Naquele ano o casal que encontrou a imagem da chamada Santíssima Trindade tornou-se celebridade no arraial. Todos queriam ver a medalha. Na época, após a queda do garimpo, a região vivia péssimas condições econômicas.

Foi quando a chegada da fé melhorou o aspecto da região. Atraiu milhares para a romaria. E chegamos ao fim-começo de uma história que se repete com costume e habitualidade.

Rosa e Xavier construíram uma capela coberta por folhas de buriti. Assim, o medalhão ficaria visível para todos fieis. Tempos depois, foi a vez do maior escultor da época, o célebre José Joaquim da Veiga Vale, ver a peça e reproduzi-la, a imortalizando em obra de arte.

Em linhas gerais, a maior história registrada do povo goiano só está começando.

TEMA 

O tema da festa deste ano foi “Maria: serva humilde e fiel ao Pai Eterno”. E as obras do santuário católico seguem a todo vapor. A festa é bela, pois reconhece a religiosidade de seu povo e a necessidade de se fazer muitas obras – por isso mesmo Trindade tem tantas ações assistenciais.

Isso, todavia, não impede de se repetir cenas como a flagrada pela reportagem, em que uma criança usa a missa da madrugada para dormir no banco da igreja. Como aquela outra que estava “brincando” com as velas, essa necessita ainda mais do calor de todos cristãos.

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