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Os mitos da solidão

Não é como ser atingido por um raio, estar envol­vido em uma queda de avião ou ser vítima de qualquer outro fenômeno raro. Indiscuti­velmente, em algum momento de nossas vidas, vamos nos sentir solitários. Por ser um sentimento tão corriqueiro na vida moder­na, ele está tendo cada vez mais atenção nos dias de hoje. Sendo o foco de pesquisas, poesias e até conversas de bar.

O Reino Unido, enxergando as dificuldades que o sentimento cria na vida do cidadão, criou o “Mi­nistério da Solidão”, que é encarre­gado de atuar com outros órgãos do governo para enfrentar o pro­blema. Em parceria com a BBC, a organização listou alguns mi­tos acerca do tema e os desmisti­ficou, com o intuito de trazer al­guma luz às vítimas da solidão.

Em primeiro lugar, e ao con­trário do que muitos acreditam, a solidão não é a mesma coisa que isolamento. Sentir-se solitá­rio não é o mesmo que estar so­zinho. Como dito pelo portal de notícias, “A solidão é uma sensa­ção de desconexão. É a sensação de que você não é compreendido por ninguém em seu entorno e que você não possui as relações signi­ficativas de que você gostaria”.

É claro que o isolamento pode ser, sim, um fator que influencia a sensação de solidão, mas não é o único, e nem o mais impor­tante. Você pode se sentir solitá­rio ao lado de alguém, em meio a uma multidão, assim como você pode se sentir completo, alivia­do, quando está sozinho. É aí que está a principal diferença entre os dois termos. Muitas vezes que­remos estar sozinhos, e nem por isso estamos, de fato, nos sentin­do solitários.

Em segundo lugar, existe um reconhecimento dentro do sen­so comum de que a solidão, que é acompanhada por esse senti­mento de desconexão do mun­do, sempre é ruim. Mas de acor­do com o órgão, não é. “A solidão dói. Mas a boa notícia é que mui­tas vezes ela é temporária – e não deve ser vista como algo totalmen­te negativo. Em vez disso, pode ser um indício para procurarmos no­vos amigos ou encontrar uma ma­neira de melhorar nossos relacio­namentos já existentes.”

À BBC, o neurocientista so­cial John Cacioppo argumentou que evoluímos para sentir a soli­dão como uma forma de “alerta”, um sentimento que nos incenti­va a manter nossas ligações com outras pessoas. Como se está com sede, procura-se água, o solitário procura pessoas ao qual pode se sentir conectado.

“Durante muitos milhares de anos, os seres humanos permane­ceram em segurança ao viver em grupos cooperativos. Por isso, faz sentido ter um mecanismo de so­brevivência que nos leve a nos rela­cionar uns com os outros” comenta.

BEM-ESTAR

A fala do especialista e a afirma­ção do órgão também não signifi­cam que a solidão sempre é boa, ou em todas situações é resultado de algum processo natural. Nem sempre ela é temporária, e muitas vezes se torna crônica, apresen­tando várias consequências que podem ser graves. Há evidências claras no resultado de diversos es­tudos que mostram que ela dimi­nui o nosso bem-estar, afeta nossa qualidade do sono e, é claro, pode levar a problemas mais sérios de ansiedade e depressão.

Ela pode se tornar um círculo vicioso no qual as pessoas se sen­tem tão solitárias que se afastam de situações sociais, o que, por sua vez, as faz se sentirem cada vez mais solitárias.

Outro mito é de que há uma epi­demia de solidão no mundo. Como dito anteriormente, ela é, sim, um sentimento comum dentro da mo­dernidade e está tomando espaço como tópico de discussão em nos­so cotidiano, mas isso não signifi­ca que uma maior porcentagem de pessoas se sente sozinha agora em comparação com alguns anos atrás.

Um estudo realizado em 1948 pela professora Christina Victor, do Reino Unido, mostra que a pro­porção de pessoas idosas que so­fre de solidão crônica permane­ceu estável por 70 anos, variando de 6% a 13% dizendo sentir-se so­litárias todo o tempo. Temos essa impressão, falsa, simplesmente porque o número de pessoas está aumentando. Mas proporcional­mente o problema costuma afe­tar a mesma parcela.

Essa mesma pesquisa também contradiz a ideia de que a maioria das pessoas idosas é solitária. A so­lidão é realmente mais comum na velhice do que em outras fases da vida, mas os números levantados pelo estudo mostram que 50% a 60% das pessoas mais velhas ge­ralmente não se sentem solitárias.

SAÚDE

Em último lugar, a afirmação de que a solidão prejudica a saúde.

Muitas pesquisas que são di­vulgadas mostram estatísticas que provam os efeitos destrutivos que a solidão pode ter em nossa saúde. A mais recente, demonstrou que a solidão pode aumentar o risco de doenças cardíacas e de derra­me cerebral em quase um terço e que pessoas solitárias têm maior pressão arterial e, por isso, uma menor expectativa de vida.

Contudo, esse e outros estu­dos, são chamados de “transver­sais” (também conhecidos como estudos de prevalência). O que quer dizer que eles usam um re­trato de tempo para realizar os dados, ou seja, não temos como garantir 100% que conhecemos as causas do problema.

“É possível, portanto, que pes­soas solitárias e infelizes tenham maior probabilidade de ficarem doentes. Mas também pode acon­tecer ao contrário. As pessoas po­dem se sentir solitárias porque já têm uma saúde precária, o que acaba impedindo sua socializa­ção” levanta o portal.

A terceira hipótese, a que este jor­nalista dá mais crédito, é que pes­soas solitárias podem aparecer em estatísticas como menos saudáveis simplesmente porque a sua solidão, que lhe gerou outros problemas emocionais, lhe roubou a motiva­ção de cuidar da sua própria saúde. Além disso, esses fatores nem sem­pre ocorrem separadamente; pode haver uma combinação entre eles, também. [Com informações levan­tadas pelo portal da BBC]


Quatro maneiras como a solidão pode afetar sua saúde física

Todos nos sentimos sós em al­gum momento das nossas vidas. Para muitos, é um sentimento passageiro e eventual, mas para al­guns essa solidão se torna crônica.

Vários estudos têm vinculado essa solidão crônica e o isolamen­to social a uma maior incidência de doenças e a um risco maior de morte prematura. Os cientistas, no entanto, desconhecem qual o me­canismo exato por trás desta rela­ção, que não é necessariamente de causa e efeito. É a solidão que gera as doenças ou são as doen­ças que nos tornam mais isolados?

De qualquer forma, as pes­quisas deixam claro que a soli­dão e o isolamento social estão ligados a doenças mentais e físi­cas. Conheça cinco aspectos da nossa saúde física que a solidão pode prejudicar, de acordo com estudos científicos:

  1. Maiores riscos de doenças cardiovasculares


A solidão está associada a um aumento de quase um terço do risco de sofrer doenças cardiovas­culares, como problemas de cora­ção e derrames cerebrais. Nicole Valtorta, da Universidade New­castle, no Reino Unido, estudou o fenômeno e disse à BBC que três mecanismos podem expli­car essa correlação.

Um deles é psicológico: as pes­soas que se sentem só com mais frequência têm mais chance de desenvolver depressão, ansie­dade e se sentir mais infelizes. O outro é biológico: quem se sen­te só com frequência e apresen­ta os sintomas psicológicos aci­ma acaba dormindo pior.

O terceiro mecanismo é com­portamental: as pessoas que se sentem isoladas podem acabar adotando comportamentos pre­judiciais à saúde, como fumar e comer demais ou se exercitar me­nos. Esses três fatores, que mui­tas vezes aparecem combinados, podem aumentar a chance de a pessoa desenvolver doenças car­diovasculares.

  1. Menorhabilidadeparacom­bater doenças comuns


Um estudo das universidades da Califórnia e de Chicago, pu­blicado em 2015 na revista es­pecializada PNAS, investigou o efeito celular da solidão em hu­manos e macacos, e concluiu que o sentimento de isolamen­to pode reduzir a eficiência do sistema imunológico.

Os pesquisadores percebe­ram que pessoas identificadas como socialmente isoladas ti­nham um aumento de 12% na atividade dos genes chamados CTRA, que estão associados à resposta imunológica.

Eles identificaram que essa hi­peratividade se manifestava em níveis maiores de glóbulos bran­cos, que participam da respos­ta inflamatória, e em níveis me­nores de produção de proteínas imunológicas antivirais.

A hipótese por trás desse fenô­meno é que os humanos evoluí­ram para viver em grupo. Quando são isolados durante um perío­do prolongado, podem se sen­tir inconscientemente ameaça­dos, e permanecer em um estado constante de alerta. Esse estado de atenção aumenta a inflama­ção do corpo e reduz a nossa ca­pacidade de combater infecções.

  1. Pressão sanguínea mais ele­vada


Outro estudo da Universida­de de Chicago concluiu que as pessoas que sofrem de solidão têm maior probabilidade de ter pressão sanguínea mais alta no futuro. A hipertensão está asso­ciada a um maior risco de derra­me, ataque do coração, proble­mas de rim e demência. O estudo foi publicado em 2010 na revista Psychology and Aging.

  1. Risco maior de morte pre­matura


O isolamento social e a soli­dão estão associados a um au­mento de 30% no risco de morte prematura, segundo um estudo da Universidade Brigham You­ng, dos Estados Unidos, publi­cado em 2015 na revista da Asso­ciation for Psychological Science.

A investigação analisou 70 es­tudos diferentes com a partici­pação de 3,4 milhões de pessoas. Eles concluíram que, ao con­trário do que poderia parecer, “os adultos de meia-idade têm um risco maior de mortalidade quando sofrem de solidão crô­nica ou vivem sozinhos do que adultos idosos com as mesmas características”.

Os autores acreditam que os estudos acerca dos efeitos da solidão sobre a saúde estão na mesma fase de investigação de pesquisas sobre o impacto da obesidade há décadas atrás. Por­tanto, é uma área nova de pes­quisa. E a expectativa é de que o sentimento de isolamento entre a população aumente no futuro.

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