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COTIDIANO

Lucro e descaso

“Poetas e pintores/ ro­mânticos, surrea­listas/ concretistas, cubistas,/ eu vos conclamo;/ vin­de todos cantar, rimar em versos,/ bizarros coloridos,/os becos da mi­nha terra”. Apesar de exprimir um afeto genuinamente goiano, os versos da poetisa Cora Coralina atualmente não expressam com fidelidade o sentimento que a po­pulação da cidade de Goiás possui em relação ao Festival Internacio­nal de Cinema Ambiental (Fica). Na tarde de ontem, o Diário da Manhã conversou com morado­res e ouviu reclamações acerca da quantidade de lixos que são joga­dos nas ruas durante o festival. Por outro lado, a população reconhe­ce que os seis dias de intensa ati­vidade cultural geram estímulo ao turismo, já que a antiga capital do Estado é reconhecida desde 2001 pela Organização das Nações Uni­das para Educação, Ciência e Cul­tura (Unesco) como patrimônio histórico mundial.

A secretária Aparecida Lopes, 36, relatou que após o Fica a ci­dade fica abandonada e sofre por conta dos entulhos que são atira­dos à rua no decorrer dos shows nacionais, quando há maior flu­xo de pessoas. Segundo ela, basta acabar o evento para que “a popu­lação fique esquecida” e os velhos problemas que permeiam a vida cotidiana do município voltem à tona. “Depois que as pessoas re­tornam para suas vidas, a situação volta ao normal e ficamos ao léu, convivendo com os velhos impas­ses de sempre e que já fazem par­te de nossa vida, como a falta de li­xeira nas ruas”, exemplifica. Além disso, Aparecida pontuou que o festival é destinado para quem faz parte da elite. “Mesmo que haja o Fica nas Comunidades, ainda fica­mos à mercê do festival e só passa­mos a ter maior conhecimento se trabalharmos nele”, finaliza.

Comerciante de roupas na Rua Dom Cândido, próximo a casa de Cora Coralina, a autônoma Irene Rodrigues, 50, concorda com Apa­recida, mas ressalta que o festival é desconhecido pela população que mora na periferia. De acordo com ela, a cidade de Goiás passa por “grande transformação” nos dias em que há mesas de conver­sa e exibição de filmes. “O Fica é um evento destinado à elite cul­tural de Goiás, e não a quem está inserido nas regiões periféricas”, afirma. Questionada se há algum estímulo por parte dos estudantes de Cinema da Universidade Esta­dual de Goiás (UEG) nesse senti­do, já que muitos exibem suas pro­duções nas mostras, ela salientou que poucos de fato explicam aos moradores a finalidade do festival. “Os assuntos tratados são inaces­síveis para boa parte das pessoas que residem na cidade”.

Mesmo que vários goianos não sejam adeptos do Fica, o vendedor de água, Adão de Assis, 71, argu­mentou que nessa época do ano o número de vendas aumenta e ele consegue ter lucro maior em re­lação aos outros períodos do ano, o que lhe ajuda a dar “uma au­mentada” nas contas no final do mês. Para ele, o público que fre­quenta o festival “é bastante edu­cado” e a cidade de Goiás “ganha mais vida por conta do alto núme­ro de pessoas que vão ao festival”, ao contrário do que a reportagem ouviu dos habitantes locais pela manhã. “Na contramão das críti­cas que ouço, acho que o festival é bastante organizado e o públi­co bem educado, o que contribui– além do fato de eu ter um aumen­to na renda–para que eu goste dessa época do ano”, explica.

A secretária de Cultura e Turis­mo, Flávia de Brito Rabello, afir­mou ao DM que a gestão munici­pal precisa do apoio da população para manter a cidade limpa. De acordo com ela, há três anos há fo­mento por parte do poder públi­co para que haja instalação de li­xeiras em vários pontos do centro histórico. “O esforço para que con­sigamos fazer com que a cidade fi­que limpa vem tanto da prefeitu­ra quanto do projeto Fica Limpo”, ratifica. Ela disse ainda que os mo­radores e comerciantes da cidade de Goiás contam com a opção de juntar resíduos e trocá-los por des­conto na conta de luz. “Com isso, estamos evoluindo para tornar a cidade mais limpa aos visitantes”.

O esforço para que consigamos fazer com que a cidade fique limpa vem tanto por parte da prefeitura quanto do projeto Fica Limpo” Flávia de Brito Rabelo, secretária de cultura e turismo da cidade de Goiás
Depois que as pessoas retornam para suas vidas, a situação volta ao normal e ficamos ao léu, convivendo com os velhos impasses de sempre e que já fazem parte de nossa vida, como a falta de lixeira nas ruas” Aparecida Lopes, secretária

População usa “varal comunitário” para estender roupas

Ao andar pelas ruas de cal­çamento da antiga capital de Goiás, a reportagem do DM no­tou que havia um varal estendi­do próximo a Casa de Cora Co­ralina, em frente a Igreja Matriz Santana. De acordo com a autô­noma Irene Rodrigues, 50, vá­rias pessoas que moram ou es­tão por ali optam por estender suas roupas no local. “Não exis­te um dono específico do espa­ço, praticamente todo mundo usa esse varal para secar suas vestimentas”, conta. Ela reve­lou ainda que é comum ver no decorrer do dia pessoas tiran­do e pondo suas peças no “varal solidário”, o que torna a iniciati­va inusitada e uma das marcas registradas da cidade de Goiás. “Enquanto estou aqui, perco as contas de quantas pessoas vão estender suas roupas e de­pois tirá-las de lá”, narra.

Em uma loja ao lado do varal, nossa equipe conver­sou com a secretária Apareci­da Lopes, 38, sobre a utilidade da iniciativa. Segundo ela, ain­da que haja críticas em relação ao utensílio, é inegável que seu uso tem suas atribuições e faci­lita a vida de quem está passan­do alguns dias na cidade. “Se alguém, por exemplo, veio para cá com o objetivo de ficar pou­co tempo, mas não arranjou casa, há opção de secar as rou­pas ali mesmo”, garante. Além disso, frisa ela, a iniciativa cum­pre papel para criar espírito de coletividade entre os visitantes e, até mesmo, moradores. “Ini­ciativas como essa deveriam ser cada vez mais presente em nossas vidas, o senso de igual­dade deve prevalecer”

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