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Prisões de manifestantes geram solidariedade

Após condenação de 23 manifestantes que parti­ciparam de protestos en­tre 2013 e 2014 no Rio de Janeiro em primeira instância por forma­ção de quadrilha e corrupção de menores, o movimento Liberda­de aos 23 aderiu nesta semana a campanhas de solidariedade aos militantes em todo o País. Os mi­litantes repudiam a decisão divul­gada pela Justiça carioca na últi­ma terça-feira (17) que restringe o direito ao protesto e ressaltam que a decisão não apontou nenhu­ma prova de crime supostamen­te cometido pelos réus nos atos. Apesar da condenação, os mani­festantes vão podem recorrer em liberdade e esperam a anulação da sentença em segunda instân­cia. Em grande parte, as penas variam de 5 a 7 anos de reclusão.

No momento em que saiu a sentença, vários movimentos so­ciais de diversas partes do Brasil aderiram à luta e começaram a traçar estratégias para mobilizar a sociedade. O discurso é de que a decisão abre precedente e legi­tima a permissão para que outras pessoas sejam condenadas. Ainda há temor em relação ao iminente risco de “caça às bruxas” entrar em curso em plena intervenção mili­tar no estado do Rio. Responsável pela defesa de Caio Silva de Sou­za, condenado a 7 anos de prisão em regime fechado, o advogado Antonio Pedro Melchior afirmou que foi surpreendido pela decisão.

Em entrevista à Ponte Jornalis­mo, ele disse que “converteu nada em uma condenação”. “Nenhum acusado disse conhecê-lo, tampou­co as testemunhas. A sentença não cita nada, em termos de depoimen­to, e não diz nada a respeito desta in­serção em alguma organização. Na sentença condenatória, o juiz não cita nenhuma testemunha, nem de­poimento. Só faz referência a de­clarações do próprio réu”, explica Melchior. Mas esse sentimento de estranhamento que toma conta do advogado é visto com normalidade por quem acompanha o processo.

A justificativa do juiz Flávio Ita­baiana, por sua vez, faz referência à “personalidade distorcida, vol­tada aos desrespeitos aos Pode­res constituídos, o que pode ser constatado, no tocante ao Judiciá­rio, por ter descumprido uma das medidas cautelares impostas pela 7° Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janei­ro”. Na sentença, o magistrado des­tacou que o desrespeito ao Poder Executivo foi constatado por conta do enfrentamento aos policiais mi­litares durante as manifestações. “O desrespeito ao Poder Legislati­vo, por sua vez, pode ser verifica­do, por exemplo, pelo ´Ocupa Câ­mara´”, frisa o magistrado.

Já em Goiânia, no desfecho de uma prisão com o mesmo teor e motivação política, a “Operação R$ 2,80”, a justiça decidiu por ino­centar o jornalista Heitor Vilela, o cientista político Ian Caetano e o estudante João Marcos, no ano passado, o juiz Alexandre Bizzot­to fez uma ode ao Estado Demo­crático de Direito e referenciou o Ato Institucional Número 5 (AI-5), responsável por retirar boa parte das liberdades públicas de cida­dania e expressão durante a dita­dura militar. “O apreço às liber­dades é a tônica da Constituição Federal da República de 1988”, diz Bizzotto, pontuando que “qual­quer tolhimento das liberdades deve observar a razoabilidade e o seu sentido conforme os coman­dos constitucionais”.

DUVIDOSO

Professor da Universidade Fe­deral de Goiás (UFG), o historiador Rafael Saddi explicou que os de­poimentos são “bem absurdos”. De acordo com ele, um dos depoentes teria deixado em evidência seu sen­timento de raiva em relação a pes­soa que a acusou de ser líder e che­fe das “quebradeiras” e nutrir raiva por ter terminado o namoro com ela. “Outro depoente é um assumi­damente um infiltrado. Era militar e estava infiltrado nas manifestações. Outros dois depoentes são pessoas bem loucas ou que querem se fazer passar de louco”, salienta.

Ainda conforme o estudioso, a imprensa corporativa colabora e difunde a legalidade da repressão aos manifestantes que foram con­denados em primeira instância. “Está aí a base que fundamenta o fato de que toda manifestação no país apresenta não só uma revol­ta contra o governo, mas também contra a própria imprensa”, frisa. “A grande revolta sem cabeça, sem li­derança, sem chefia, de 2013 e 2014 precisava ser organizada, precisava de um personagem, de uma ordem. Foi assim que encantaram a classe média com uma figura saída dos contos de fadas, apaixonante e ao mesmo tempo poderosa e violenta.”.

Manifestantes também foram presos em Goiás

Em 2014, a luta pelo transporte coletivo ganhou contornos históri­cos em Goiás. Ao todo, quatro mili­tantes foram presos no âmbito da Operação R$ 2,80, alusão ao preço da passagem na época. As prisões dos estudantes universitários Heitor Vilela, Ian Caetano e o secundarista João Marcos mobilizaram vários se­tores progressistas do estado na luta contra a repressão e criminalização dos movimentos sociais. Tanto em Goiás quanto no Rio de Janeiro hou­ve a mesma postura das forças po­liciais, que usou do aparato judicial para trancafiar no xilindró manifes­tantes contrários às medidas impos­tas pelos donos do Poder.

Após as prisões, estudantes e professores se reuniram na Praça Universitária assegurar o direito de protestar. O objetivo era levar uma lista com 1.500 assinaturas ao Tri­bunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) pedindo a soltura dos três estudan­tes. Professor de Direito da Univer­sidade Federal de Goiás (UFG), Ale­xandre Santos disse na época que o inquérito que levou os três à prisão teria sido apresentado pelas empre­sas de transporte público da capital goianiense. Na ocasião, ele afirmou que a representação foi genérica, com vários nomes, e no decorrer da investigação supostamente hou­ve indicação por parte da Polícia Ci­vil da autoria dessas três pessoas.

Alvo de operação com viés pa­recido com a que ocorreu no Rio de Janeiro, o jornalista Heitor Vile­la, 24, frisou que o “Estado policia­lesco e de exceção usa do artifício ju­dicial para cercear a liberdade” dos manifestantes contrários ao Estado. Ele lembrou ainda que, em cidades como Porto Alegre e Rio de Janeiro, manifestantes estão sendo presos, e podem ser condenados a penas al­tas e sem provas que lhes imputem qualquer tipo de crime. “Essas me­didas são perigosas para a demo­cracia e para a liberdade de expres­são e de contestação”, frisa.

No dia 29 de maio de 2014, logo após sair da Casa de Prisão Provi­sória (CPP), o então estudante uni­versitário Heitor Vilela explicou que não era criminoso e sim um militan­te da causa do transporte coletivo. “Eu estava atuando principalmen­te como desenhista e chargista nas manifestações, mas disseram para a gente que queimamos mais de cem ônibus, em uma semana uma coi­sa absurda. Não havia nenhum re­gistro de prova, nada que nos con­denasse”, disse Vilela.

O delegado responsável pela Operação R$ 2,80, Alexandre Lou­renço, da Delegacia Estadual de Repressão e Ações Criminosas Organizadas (Draco), declarou na época que os estudantes eram sus­peitos de depredarem pelo menos 100 ônibus do transporte públi­co da capital goianiense em 2014. Em entrevista à imprensa na oca­sião, o delegado disse que os pro­testos eram legítimos, porém as prisões teriam de acontecer para evitar que novos casos de violência.

A Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC), por sua vez, disse que a contagem de veículos do transporte coletivo destruídas chegou a 104. Segun­do a empresa, o terminal Bandei­ras, ponto de concentração para um dos protestos que ocorreu em 2014, foi alvo de vandalismo. Por fim, a RMTC garantiu que lixeiras, vidros e máquinas para comercia­lização de comidas e bebidas fo­ram foram depredadas.

Buscando manter viva a repres­são do Estado por conta da insur­reição popular, o jornalista e docu­mentarista Lucas Xavier e Gabriel Cunha lançaram o documentário Operação R$ 2,80. Premiado no fes­tival Goiânia Mostra Curtas, o filme tem o objetivo de mostrar o autori­tarismo por parte das empresas do transporte coletivo. “Em 2013 foi um marco para a juventude que se orga­nizou horizontalmente e, diante dis­so, o estado não esperava as iniciati­vas tais como conhecemos”, relata.

Em entrevista ao Diário da Ma­nhã em 2016, Xavier disse que o propósito do filme era acelerar o ju­diciário em relação ao desfecho da sentença, que saiu no ano passado. “Queremos, com isso, reacender o debate sobre essa manobra, escla­recer para a população e pressio­nar pelo andamento do processo. Tanto pelo que aconteceu há dois anos, quanto porque até hoje três jovem continuam com suas liber­dades cerceadas”, explica.

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