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Assédio sexual faz parte do cotidiano das mulheres

Enquanto passava batom no banheiro da empresa em que trabalhava, a autônoma Lúcia da Silva Gomes, 44, nome fic­tício para preservar a identidade da personagem, sofreu assédio sexual. Em dado momento, ao sentar-se em uma cadeira, ela precisou se defender para não ser beijada na boca à força. Mas não parou por aí. Conviveu com indesejadas ca­rícias aos seus órgãos genitais e co­mentários inapropriados. As ce­nas aconteceram em junho do ano passado, porém deixaram marcas nela que se estendem até hoje. Como consequência dos trans­tornos, Lúcia adquiriu vários pro­blemas psicológicos, além de per­der o emprego e ser despejada.

A história, no entanto, não é um caso isolado na capital goianiense. Na tarde de ontem, a reportagem do Diário da Manhã conversou com dez mulheres. Todas relata­ram situações constrangedoras vi­venciadas no ambiente de trabalho. Pesquisa do Datafolha divulgada em janeiro deste ano informou que 42% das brasileiras com 16 anos ou mais declarou já ter sido vítima de assédio sexual. Em geral, é mais co­mum o relato desse tipo de violação entre as mais escolarizadas (57%) e de renda até dez salários mínimos (58%). Nas ruas, uma em cada três disse já ter sofrido assédio. Impor­tunações nesse sentido no ambien­te de trabalho foram relatadas por 15% das entrevistadas.

Mãe de um garoto de oito anos, Lúcia não sabia se poderia acionar judicialmente o agressor. O pesa­delo, entretanto, começou quando ela foi buscar dinheiro na empresa onde era secretária. Durante uma conversa, ele teria falado a ela que estava com problemas para ejacu­lar, e que seu médico o orientou a buscar relacionamentos sexuais fora do casamento. Segundo a ad­vogada Valéria Eunice Mori Ma­chado, que é responsável pela de­fesa de Lúcia, o empresário chegou a comunicar a abertura de novo processo seletivo em função da re­cusa dela. “Ele criou um clima para ela se sentir ameaçada, e, julga­mento, foi contraditório”, diz.

A fotógrafa J.L, 22, contou que também já sentiu na pele os efei­tos gerados pelo assédio sexual. Ao trabalhar para um senador, ela afirmou que ouvia comentários do tipo “suas roupas são provocado­ras, você deveria deixar de usá-las”. “Além disso, foram inúmeras vezes em que chegaram a passar a mão em minha bunda ou tecer comentá­rios com teor explicitamente sexual”, narra. Ela pontuou também que ou­tras formas de assédio podem cau­sar problemas à vítima. “Em assé­dio moral, por exemplo, você não sabe muito bem como reagir, e fica à mercê da violação. Nós mulheres passamos todos os dia por situações horríveis”, frisa ela, que é atuante no movimento feminista em Goiás.

Em nota ao DM, a Frente Autô­noma Feminista disse que em um País “em que somente 8% dos casos de estupro não notificados na dele­gacia, é inadmissível que o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18° siga com o processo de matéria que não é sua competência”. A entida­de criticou a postura do tribunal ao aceitar testemunho onde o estupro e a violência sexual são compara­dos “à conduta extraconjugal pres­crita para a falta de prazer mascu­lino”, e destacou que o empresário teria usado de um problema médi­co para justificar o episódio. Por fim, a frente salientou que não se pode “tolerar esse tipo de violência insti­tucional ser naturalizada”.

Na sentença, que foi alvo de crí­ticas do movimento feminista goia­niense, a juíza do trabalho Ceuma de Souza Freitas disse que, na pri­meira audiência, “as reclamadas compareceram à audiência inicial e apresentaram em forma de con­testação”. Porém, na sessão seguin­te, foram colhidos os depoimentos de ambas as partes, mas não foram apresentadas testemunhas, confor­me a magistrada. “Sem outras pro­vas, encerrou-se a instrução proces­sual”. Sobre o áudio que circula nas redes sociais onde é possível ouvir o empresário assediando Lúcia, Frei­tas garantiu que “aqueles elemen­tos de prova não permitem aferir a extensão de tal conversa”.

PROTESTO

A Frente de Luta Autônoma Fe­minista organiza para hoje às 8h30 manifestação na porta do Tribunal Regional do Trabalho em prol de Lúcia da Silva Gomes, nome fic­tício para preservar a identidade da fonte. Segundo os organiza­dores, o objetivo é promover rea­ção acerca da decisão do tribunal e não deixar de lutar pelo sofrimen­to que várias mulheres passaram. “O ato será pela vida de Lúcia, es­tuprada pelo próprio patrão. Ne­nhum dia de descanso pelas mu­lheres, nenhuma a menos”, afirma. Cerca de 100 manifestantes de­vem comparecer ao ato.

Na semana passada, o Diário da Manhã noticiou que no ano passa­do mais de 10 mil mulheres busca­ram medidas protetivas relativas à Lei Maria da Penha. Neste ano, po­rém, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) disse mais de 5 mil recorre­ram aos trâmites legais para comba­ter os casos de agressões. Em função disso, o titular da Vara da Violência Doméstica contra a mulher de Rio Verde, Vitor Umbelino, disse na oca­sião que em 12 anos houve avanços no combate à violência doméstica.

Em artigo publicado no site Jus­tificando, a advogada Isadora Mar­tinatti Penna explicou que a prática de assédio sexual precisa ser com­preendida à luz do exercício de po­der masculino sobre as mulheres, e não da ótica da sexualidade. Se­gundo ela, há várias formas de ex­pressar esse tipo de comportamen­to insultuoso. “Essas situações de assédio colocam a mulher em uma condição constrangedora e indigna, podendo causar-lhe insegurança e desconforto no trabalho, abalos psi­cológicos, baixa autoestima, den­tre outros efeitos em seu bem-es­tar e sua vida profissional”, destaca.

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