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COTIDIANO

Biologia evolutiva, espiritualidade e moral

  •  Por sua vez, o mesmo tipo de estudo atesta a existência de indivíduos com alta performance moral ou “seres morais”. Autor desmitifica ideia de que trabalhadores religiosos–caso dos médiuns– apresentem uma doença psiquiátrica particular
  •  Conforme médico psiquiatra, sociedade pode até “encantar-se” pelos rompantes dominadores ou muitas mulheres “apaixonem-se por homens maus, homens que não prestam”, mas uma hora eles precisam se moldar-se às “Regras Sociais do Universo”. Coletividade exige que os indivíduos “usem de seu poder em benefício de todos”

Quando esses espíritos não se dominam a si mesmos, a Socieda­de caminha para o Fascismo, Na­zismo, Comunismo (Stalinismo­-Leninismo), etc. Caminha para a auto-destruição pois todas as forças se unem para esmagar estes “Seres Poderosos”. Esta evolução no pla­no espiritual, pela qual eles têm de passar, é uma camisa-de-força que a Sociedade lhes impõe. A Socieda­de quer um “ser superior moral”, não aceita um ser superior imoral. A Sociedade pode até “encantar­-se”, apaixonar-se, pelos rompan­tes dominadores destes seres por algum tempo, pois–entre outros fa­tores- há um instinto no psiquismo que faz com que muitas mulheres “apaixonem-se por homens maus, homens que não prestam, homens agressivos, dominadores, cheios de testosterona”. No entanto, logo esta mesma Sociedade se desper­ta de seu “hipnotismo masoquista” e passa a nutrir o maior ódio pelo “ser superior que usou de sua su­perioridade para esmagar”. Então tais seres são eliminados, esmaga­dos, desprezados, esquecidos. Se quiserem seguir com sua trajetó­ria evolutiva, eles têm de moldar­-se às “Regras Sociais do Universo”, que resume-se a “usar de seu po­der em benefício de todos”.

É um modo que o Universo en­controu para fazer com que a traje­tória dos seres continuem além da Biologia. Nossa evolução biológica já encontrou seu fim, estamos evo­luindo–biologicamente–muito pou­co, se levarmos em conta as enormes pressões evolutivas que temos so­frido do lado psicológico e socioló­gico. É interessante notar mais um “mecanismo do Universo” que en­quadra-se naquilo que poderíamos interpretar como uma “Vontade Evo­lutiva de Deus”, um caminho rumo à bondade, ao auto-sacrifício, à re­núncia de si mesmo em prol de uma comunidade e do próximo. Mesmo estando “biologicamente pratica­mente estagnados”, os seres huma­nos continuam evoluindo, agora em outro plano, no plano sócio-psicoló­gico. Tanto é que, quanto mais mo­ral é o Ser, mais desafios ele encon­tra pela frente; um ser “muito moral”, por exemplo, passa o tempo todo, praticamente todo o tempo, fazen­do “escolhas morais”, ou seja, esco­lhas onde ele tem de mensurar o pró­prio bem-estar e se isto está sendo ou não prejudicial a outrem. Desde que põe o pé no chão, ao amanhacer, já está tomando decisões de “cunho moral”, pois, para tudo que faz, tem de pensar no Outro, ou se não está prejudicando o Outro. Esta “obses­sividade” não é propriamente pato­lógica, é a evolução de um Ser Moral, um ser cujas “preocupações”, agora, já não são de cunho apenas hiper-la­boral (“trabalhar muito e fazer bem feito”). São preocupações que visam o Outro, pois ele não quer magoar o Outro, não quer fazer sofrê-lo; ele é hiper-sensível, hiperestésico, é “an­sioso emocional”, e a alegria do Outro é sua alegria, assim como a decepção do Outro é sua tristeza. Nesse ponto vemos que a “Biologia trabalha a fa­vor da Moral”, pois estes seres, como já dissemos, estão “acima da doença”.

É evidente que, em muitos ca­sos, trata-se de doença mesmo, não de evolução. Os pacientes en­contram-se acometidos por graves compulsões, obssessões, rituais, e mesmo quando melhoram, não passam a “preocupar-se tanto com os outros” como os “obsessivos morais” que descrevemos acima.

A Biologia destes seres morais os “força até o máximo da obsessi­vidade”, da preocupação, do apro­fundamento no Ser e no Universo, mas não os joga na Doença, justa­mente porque o papel desta Bio­logia da Evolução Espiritual é de forçar o corpo ao máximo, é de promover o máximo de evolução espiritual que aquele corpo pode suportar. Muitos, sem disciplina adequada, sucumbem à doença, a obsessividade foge do controle, descamba para a ansiedade, de­pressão, fanatismos, paranóias, exasperação, transtornos obsessi­vos-compulsivos ou mania franca.

O que é interessante de se verifi­car, a partir dos apanhados acima, é a confluência de várias instâncias da Vida para a produção de uma Instân­cia Moral. São vários os elementos da Vida que “conspiram” para a produ­ção e efetivação da Moral .

1) Temos as demandas sociais para a Evolução da Moral (“socie­dade exigindo condutas morais”). A sociedade “exigindo” que determi­nadas demandas legítimas da biolo­gia (p.ex., “espalhar genes copulan­do com o maior número possível de mulheres”) sejam inibidas ou mora­lizadas (permissão do sexo dentro do casamento ou dentro de relações afetivas-amorosas estáveis). A socie­dade exigindo que refreemos nossos instintos de “dominação-possessão material” (contra o roubo) e de do­minação interpessoal, ou seja, con­tra a tirania, despotismo, sadismo, utilização inescrupulosa de pessoas.

2) Temos as bases etológicas para a Evolução moral, o altruísmo das espécies, a capacidade inibitó­ria sobre determinados programas biológicos inatos, os “instintos mo­rais”, tais quais: gregarismo, instin­to laboral, “neurônios-espelho” do “sentir-se-bem-quando-o-outro­-sente-se-bem”, o “instinto obses­sivo do fazer-bem-feito”, o “instinto anti-ansioso do “fazer-bem-feito­-para-livrar-se-dos-problemas­-materiais-futuros”, o sentimento de empatia e simpatia, o contágio afetivo, o “amor-paternal-pela-pro­le”, o “amor-filial-por-aqueles-que­-de-nós-cuidaram”, a “luta epige­nética para mantermos nossos genes funcionantes, progressistas e disseminados” (base do “sacrifí­cio pela família”, e em decorrência disso, o recebimento do Amor), a evitação de atos que prejudiquem­-machuquem o próximo (“empatia com o sofrimento físico ou moral” do outro), recompensas psico-bio­-afetivas (abraços, sorrisos, beijos, delicadeza, ternura) pelo bem que prodigalizamos a outrem.

3) Os elementos psiquiátricos que nos ensinam tanto sobre a “de­generação moral” (p.ex., hiperati­vos-lesionados frontais–psicopatas), quanto da hipertrofia moral (p.ex., depressivos, ansiosos, obsessivos, fanáticos). Como já dizia o psicólo­go francês Th. Ribot, o entendimen­to da psicologia do homem normal deve muito à psiquiatria e à seu ins­trumento da psicopatologia. Como vimos acima, há várias doenças ou situações mórbidas onde a função moral pode estar prejudicada, ou mais raramente, exacerbada. Estas disfunções cerebrais-mentais ensi­nam muito sobre determinadas ba­ses biológicas da Moral. Poder-se-ia, então, dizer que os “seres muito mo­rais são, também, provavelmente, doentes”? Como já discutimos aci­ma, a Humanidade, assim como a Ciência e Literatura não-psiquiá­trica, podem facilmente confundir estes dois registros: “Evolução ou Doença”. Por exemplo, a literatura, a história, a hagiografia, as ciências da Religião, estão prenhes de situa­ções psiquiátricas facilmente con­fundidas com “santidade” (ermitões, pessoas que produzem estigmas em si mesmas, “médiuns-show-man”, êxtases, “visões”, estados catalép­ticos, xamãs, santos-fanáticos à la Savonarolla, fanáticos-à-la-Joana­-D’Arc, auto-imoladores, gurus au­to-mutiladores, fanáticos querelan­tes-reivindicadores-persecutórios em nome da Religião, chefes-de-sei­tas-com-perversões-sexuais, “domi­nadores-de-mentes-frágeis”, “clãs poligâmicos”, etc). A publicação do psiquiatra francês Pierre Janet, De la Angústia al Êxtase (Ed. Fundo de Cultura Econômico, 1992), é muito rica neste tipo de estudo diferencial.

Também como já discutimos an­teriormente, um bom estudo psi­quiátrico, profundo, pode identifi­car estas patologias listadas acima com relativa facilidade. Por outro lado, o mesmo tipo de estudo psi­quiátrico pode atestar a existência de indivíduos com alta performan­ce moral, “Seres Morais”, que não se enquadram em nenhuma patologia psiquiátrica, muito pelo contrário. Tudo isto atesta por sua excelente Saúde mental: sua funcionalidade, sua inteligência, sua produtividade laboral, sua dedicação-sacrifício-re­núncia em prol dos outros, sua saú­de mental, sua felicidade-tranquili­dadade, seu gosto pelo Trabalho e pelo Amor Puro, suas “boas obras”, a continuidade de suas ações, a fal­ta de psicopatologias supervinien­tes que quebrem sua biografia no contínuo do tempo. Um só crité­rio já bastaria, pois, segundo Freud, conhece-se a boa saúde mental de uma pessoa por sua enorme capa­cidade de trabalhar e de amar.

Há, inclusive, vários estudos com metodologia científica escorreita, que atestam pela saúde mental de muitos destes trabalhadores do campo do Espírito. Entre nós mes­mos, foram publicados dois destes interessantes estudos, um do pro­fessor de psiquiatria de Juiz de Fo­ra-MG, Alexander Moreira-Almeida (tese de Mestrado–Psiquiatria–USP), outro pelo orientando de um de nós mesmos, Leonardo Caixeta (con­forme: Sergio Vêncio et al . Tese de Mestrado Ciências da Saúde–UFG, 2018). Aplicando várias escalas de doenças psiquiátricas e saúde men­tal, os autores corroboram a tese de que grande parte dos trabalhadores religiosos–aqui no caso, médiuns– não compartilham nenhuma doen­ça psiquiátrica particular, ou nenhu­ma disfuncionalidade no campo psicopatológica digna de nota.

Inclusive, nesse particular, a prática clínica psiquiátrica mostra, abundantemente, que indivíduos com patologias limítrofes, disfun­ções do temperamento, adições, perversões, por exemplo, quando se dedicam à disciplina moral, melho­ram-se, e, muitas vezes, até curam­-se. Neste caso, podem ser exem­plos de pessoas que utilizaram-se de sua biologia para galgar um de­grau a mais na escala evolutiva. Por exemplo, pessoas com tendências homossexuais que utilizam-se de seu “isolamento afetivo” para de­dicarem-se a grandiosas e geniais produções artísticas, humanitá­rias, filosóficas, literárias, religiosas, científicas, etc, ou então, indivíduos obsessivos que utilizam-se de sua característica cognitiva para apro­fundarem-se na ciência, ou então, indívíduos com um temperamento hipertímico ou mesmo hipomania, que utilizam-se de sua energia ex­ponencial para a produção de vastas obras, nos mais grandiosos campos da Humanidade. Alguns seriam no­toriamente “doentes”, se não canali­zassem sua “biologia excepcional” para causas funcionais, que geram tranquilidade, amor, prazer estético, prazer laboral, etc. Esta “biologia da excepcionalidade”, se não for canali­zada adequadamente, pode roçar à psicopatologia. E mesmo os pacien­tes francamente doentes, podem beneficiar-se, e muito, de condu­tas morais; vários estudos na litera­tura médica-psiquiátrica mostram que pessoas genuinamente religio­sas têm melhor padrão de saúde mental, pessoas que fazem carida­de, pessoas bem-casadas, pessoas que se sacrificam e cuidam de filhos ou de outras crianças, etc.

Esses vários elementos, e mui­tos outros não citados aqui, conspi­ram para que tenhamos uma ideia de que a Moral também passa por um processo de Evolução Biológica, não sendo, portanto, uma “criação” da Religião, da Filosofia, da Humani­dade, da Poesia. E esse processo não se restringe apenas à questão bioló­gica, mas também é chancelado pe­los mecanismos de “Evolução Social”. É uma evolução, por assim dizer, que se processa em dois planos, em dois mundos diferentes. Curiosamente, há um livro escrito em português, exatamente com este título, “Evolu­çãoemDoisMundos”(F.C.Xavier, Ed. FeB, 2016). E, mais interessantemen­te ainda, esses dois planos se con­fluem, ambos “conspirando” para a Evolução, mesmo sendo dois planos de registros completamente diferen­tes, e até mesmo aparentemente an­tinômicos (“Biologia e Sociedade”).

A Evolução Biológico-Social que apontamos acima, de certa forma, já fez seu teste empírico, de vários modos. Tal evolução atesta que uma profundidade intelectual, para se tornar funcional, evolutiva, adap­tativa, viável, tem de acompanhar­-se de um aprofundamento moral. Seres muito intelectualizados, mais portadores de uma tendência domi­nadora muito intensa, não-inibida, podem descambar para atrocidades enormes, tais como as de Hitler, Sta­lin, Mao, etc. Seres muito intelectua­lizados, mas portadores de grandes desregramentos sexuais, tais como Sade, Sacher-Masoch, Foucault, etc, decaem facilmente na loucura ou na morte, é o que nos diz o acompa­nhamento empírico de suas vidas. Já outros gênios da humanidade, mas de linha “rígido-moralista-fanática”, caminham face-a-face com o “Ter­ror”, p.ex., Savonarolla, Robespierre, Torquemada, etc. Portanto, a “prá­tica” mostra que, sem o lastro mo­ral, mesmo as maiores inteligências, as maiores capacidades biológicas para a força e a dominação, termi­nam em tragédias pessoais e cole­tivas. Isso sem falar naquelas tragé­dias anônimas que vemos todos os dias, e que matam mais do que a mais sangrenta das guerras, p.ex., ca­sos de assassinatos passionais, casos de toxicomanias em filhos abando­nados por pais promíscuos-concu­piscentes, casos de suicídios por ar­rependimento (abortos, abandono da família, hedonismo desenfrea­do), mortes por overdose de con­dutas aditivas desenfreadas (álcool, nicotina, comida, sexo, cocaína, “vi­ciados em adrenalina, em aventuras, em velocidade, em poligamia-por­nofilia”, sádicos-dominadores com­pulsivos, masoquistas sexuais, etc). Estas tragédias decorrentes do des­regramento bio-moral são, prova­velmente, a maior causa mortis da Humanidade. E, paradoxalmente, não são registradas como tais; p.ex., um excesso alcóolico habitual é re­gistrado na certidão de óbito como “esteato-cirrose com hepatite tóxi­ca-exógena e insuficiência hepáti­ca fulminante”. Não apareceu aqui o nome “desregramento bio-moral”, que foi a verdadeira causa do óbito.

Como já dizia o filósofo estóico ro­mano Sêneca: “Na Terra, o homem, infelizmente, não morre; ele se mata”


É evidente que, em muitos casos, trata-se de doença mesmo, não de evolução. Os pacientes encontram-se acometidos por graves compulsões, obssessões, rituais, e mesmo quando melhoram, não passam a “preocupar-se tanto com os outros” como os “obsessivos morais” que descrevemos acima”   Mesmo os pacientes francamente doentes, podem beneficiar-se, e muito, de condutas morais; vários estudos na literatura médica-psiquiátrica mostram que pessoas genuinamente religiosas têm melhor padrão de saúde mental, pessoas que fazem caridade, pessoas bem-casadas, pessoas que se sacrificam e cuidam de filhos ou de outras crianças, etc”

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