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Otto Lara Resende brilhou no jornalismo e deixou marcas na ficção

Otto Lara Resende, que completaria um século de vida neste domingo, 1°, se não tivesse sido levado por uma parada cardiorrespiratória, escrevia mineiramente. Mineiramente porque suas palavras, conduzidas que eram por um humor peculiar e pelo ritmo frenético de suas frases, tornaram-lhe um jornalista de notável capacidade intelectual: Lara Resende foi professor, adido cultural, repórter e um cronista – que embora tenha publicado, aqui e ali, ao sabor das encomendas de jornais e revistas, dedicou-se ao ofício em regime permanente apenas nos dois últimos da vida.

Após relutar, Lara Resende publicou seu primeiro texto na página 2 da Folha de S. Paulo em 1° de 1991, data na qual também dava as boas-vindas aos seus 69 anos. No diário paulistano, escrevia três vezes por semana, mostrando-se um cronista que sabia burilar no cotidiano suas miudezas. E deixou 508 escritos que, segundo o jornalista Humberto Werneck, pesquisador da crônica brasileira, antes mesmo de chegaram ao livro, os textos já apareciam entre os libelos de um gênero que transita entre o jornalismo e a literatura, dois dos ofícios que mais levou honrou.

Jornalista de coração, corpo e alma, sempre tinha na ponta dos dedos a palavra que embalaria o texto. Não evitava tratar temas políticos, alguns dos quais até espinhosos, em especial os que abarcavam os escândalos que levaram o presidente Fernando Collor de Mello para o impeachment em 29 de dezembro. No dia seguinte, ironia da vida, Lara Resende morrera. Mas suas crônicas, mesmo quando glosavam assuntos do esquentado noticiário político, iam muito além dele, conferindo-lhe atemporalidade a um estilo textual fadado a envelhecer junto da edição do jornal, no final da tarde.

“Nas suas crônicas, o leitor vai encontrar lampejos do legendário brilho verbal de um grande frasista que, perdulário, esbanjava talento na conversação, a ponto de Nelson Rodrigues – que fez dele personagem obsessivo, chegando a usá-lo como título de uma peça de teatro, 'Otto Lara Resende ou Bonitinha Mas Ordinária’ – ter sugerido pôr alguém nos calcanhares do escritor mineiro, para recolher pérolas a serem vendidas numa “Loja de Frases”’, analisa Werneck, apresentando a maestria de Lara Resende, no Portal da Crônica Brasileira, do Instituto Moreira Salles (IMS).

Mas o mineiro, antes mesmo de arriscar seus pitacos nas páginas da Folha, onde em pouco tempo se tornou leitura obrigatória, construiu uma intensa produção jornalística no Diário de Notícias, O Globo, Diário Carioca e Correio da Manhã. Com Hélio Pellegrino, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, seus amigos do peito, mantinha contato quase diário e formava o lendário grupo de mineiros que saíram de Belo Horizonte para tentar a vida no Rio de Janeiro. “Sofro de cocaína postal”, brincava. A verdade é que, mesmo numa alta produção diária, acumulou uma extensa pilha de correspondência trocada com os amigos, hoje parte dela disponível no IMS.

Cartas

Por levar a sério o labor de redigir cartas, a Empresa de Correios e Telégrafos, em 1994, homenageou Otto Lara Resende com a emissão de um selo, com efígie criada pelo artista plástico Fernando Lopes. Lara Resende, como se percebe, buscava expressar-se pela via da palavra, mas com perfeição: escrevia, reescrevia; depois escrevia e, mais uma vez, reescrevia. Aos textos, retornava sempre, pois achava que seria preciso melhorá-los e, com essa disciplina, lançou seu único romance, “O Braço Direito”, de 1963, após deixar outras cinco versões engavetadas. A obra dá voz a Laurindo Flores, bedel de orfanato que morava no interior de Minas Gerais.

Embora não se furtasse de declarar seu soberano desprezo por gloríolas, o autor foi agraciado com diplomas, medalhas, títulos e prêmios. Sua cronologia, sabe-se, é extensa. “Poço de contradições”, para se utilizar de uma expressão com a qual gostava de definir a si mesmo, Lara Resende aceitou entrar para a imortalidade ao assumir a cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1979. Na TV Globo, onde trabalhou de 1974 a 1983, teve uma época em que não sabia muito bem qual era sua função sob os domínios do todo poderoso global, Walter Clark. Então, com seu humor típico, intitulou-se “Walter ego”, segundo o jornalista Sérgio Augusto.

Na emissora carioca, o mineiro de São João Del Rey comandou um programa de televisão, “Jornal Painel”, em que entrevistava personalidades como Vinícius de Moraes e Nelson Rodrigues, com quem se meteu numa polêmica. “O mineiro só é solidário no câncer”, dizia Nelson. Lara Resende, mestre na arte do diálogo, fez com o autor de "Vestido de Noiva" uma das entrevistas mais importantes do jornalismo brasileiro. Entre bate-papo sobre saúde, morte e cotidiano, o dramaturgo reconhece que “a grande obra de Otto Lara Resende é a conversa”. “Deveriam pôr um taquígrafo andando atrás dele e vender suas anotações em uma loja”, sugeriu Nelson.

Homem de jornal, Otto Lara Resende foi de redator, no Última Hora, a diretor, na revista Manchete, abandonando o cargo em 1956. “Entrei no jornalismo exatamente como um cachorro entra na igreja: porque achei a porta aberta. Sou jornalista especialista em ideias gerais”, afirmava, confirmando a tese de Fernando Sabino segundo a qual o amigo era o maior frasista do Brasil. Seja no andaime criativo da ficção ou na correria em busca da notícia, a força de sua prosa reside no modernismo nela encontrado, como um rio cuja água cristalina deságua no prazer da leitura.

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